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No nosso blog: Brasileiros, Norte Americanos, Portugueses, Canadenses, Russos, Ingleses, Italianos, Eslovenos, enfim, todos que gostam da cultura Brasileira e que tem nos acompanhado.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Esta música ou aquela, por que uns gostam e outros não?

José Ramos Tinhorão   
http://www.anovademocracia.com.br/49/22a.jpg

Embora a maioria das pessoas que gosta deste ou daquele tipo de música jamais chegue a se dar conta dos motivos de sua preferência, a verdade é que isso a que chamamos de gosto tem a sua explicação.

De fato, toda a produção artística, seja ela qual for, constitui uma projeção do nível cultural em que se situa o seu criador, chamado de artista. Ora, como em uma sociedade de classes esse nível de informação capaz de ser sintetizado numa obra artística independente da colocação pessoal do criador dentro da estrutura social, tem-se como resultado que toda obra de arte — e a musical não foge à regra — exprime a cultura de uma classe, que é exatamente a do artista. No caso do Brasil, essa realidade pode ser confirmada pelo perfeito paralelismo existente entre os vários tipos de música produzidos quer na área rural, quer na urbana, e as contradições e diferenças de nível em que se processa o modelo de "desenvolvimento" econômico adotado no país.

Na verdade, observado o quadro sócio-cultural de baixo para cima, podem-se distinguir no Brasil os seguintes grupos ou camadas de cultura:

1a cultura regional, quase sempre ligada à realidade do mundo rural, menos desenvolvido, e, portanto, uma cultura não aprendida em livros, chamada de folclórica;

2 a cultura popular dos pequenos centros urbanos ou das periferias das grandes cidades, a qual — pela origem rural recente da maior parte da população — se configura em subprodutos quer da cultura regional (música "sertaneja" composta por profissionais do disco), quer da cultura urbana de massa (pop rock, baladas românticas e pagodes comerciais);

3 a cultura popular urbana não livresca, e, eventualmente, também impregnada de vestígios da cultura rural, particularmente dos grupos de trabalhadores não qualificados e da gente pobre da cidade em geral (a gente ligada às escolas de samba, por exemplo);

4a cultura popular urbana já impregnada, através da educação escolar, de informações escritas (revistas de artistas, foto-novelas, histórias em quadrinhos etc.) ou oral visual (rádio e televisão), mas ainda sem condições de entender a cultura superior;

5 a cultura popular urbana da classe média emergente, com acesso à universidade, e atualmente influenciada pelos modelos estrangeiros, por sua ligação com a idéia de ascensão social (o que explica a obsessão pelo novo, o moderno, a onda, o quente etc.), e, finalmente;

6a cultura oficial, de elite, representada pelos padrões adotados institucionalmente nos salões, academias, cátedras universitárias, conselhos de cultura, Congresso etc.

Assim, quando uma pessoa diz que gosta de um tipo de música e não de outro, está simplesmente indicando a faixa de cultura a que se liga na quase totalidade dos casos por força de sua posição na hierarquia social.

A conclusão, pois, é que, considerado o ajustamento entre a obra de arte oferecida e o gosto — quer dizer, a cultura — pessoal daquele que a recebe, todas as tendências são válidas, pois correspondem, com suas diferenças de nível de informação e de acabamento, às diferenças sócio-econômicas que dividem as pessoas no sistema de sociedade de classes baseada na hierarquização da divisão do trabalho.

Essa conclusão é importante para que se possam entender certos problemas geralmente muito discutidos, mas quase sempre deixados sem explicação, quando não diluídos em acusações genéricas do tipo "o culpado pela banalidade é a falta de divulgação das boas obras", "o problema é que a maioria do povo não tem escola", "arte virou negócio", "a culpada é a televisão que só transmite o que interessa a ela" etc.

Entre estes problemas levantados na área da música popular após o aparecimento da chamada indústria de massa, um dos mais desafiadores é o seguinte: por que, desde que existe grande variedade na produção musical, tantas pessoas gostam e consomem gêneros visivelmente fabricados, repetitivos, sem criação e banais como os bolerões, os sambões, as toadas supostamente sertanejas, os iê-iê-ês, os sub-rocks etc?

A explicação é simples: como a criação de música se transformou em uma atividade industrial e comercial, é preciso atingir faixas cada vez mais amplas da sociedade, para que os produtos — disco, CD, fita ou tape de televisão — se tornem economicamente rentáveis para quem os produz. Ora, considerando que, como se viu, cada camada da sociedade se encontra em determinado estágio de cultura, a indústria procura refletir não a verdade de cada uma dessas camadas, mas produzir — através da diluição da informação cultural — uma média capaz de ser apreciada e compreendida por uma maioria de pessoas englobadas genericamente sob o nome de massa. Isso é promovido através da comercialização do talento de criadores e instrumentistas ligados à indústria do disco, que são levados a fabricar músicas segundo fórmulas obtidas a partir de sons de sucesso já comprovado, o que não satisfaz de maneira profunda a ninguém, mas garante a aceitação geral.

Realmente, enquanto projeção de verdades, sentimentos ou emoções muito particulares dos homens, definidos como seres sensíveis, toda obra de arte que condensa essas informações vivenciais de maneira muito densa tem tendência a parecer difícil, isto é, a não ser compreendida pelas pessoas que vivem desligadas da realidade. E estas pessoas são aquelas que — por força da sua posição marginalizada em um processo de vida por si só automatizado e sem horizontes — não encontram dentro delas o mínimo de informação vital indispensável para o entendimento (ou decodificação) da mensagem artística exatamente por essa razão julgada difícil.

Assim, o que caracteriza a produção de criações culturais para consumo de grandes massas situadas em áreas sociais onde essa alienação é mais profunda (burocracia, prestação de serviços, trabalho em setores de alta mecanização etc.) é a procura de um padrão que não aprofunde valores ligados às experiências vitais, necessariamente fora do alcance dos pobres compradores sujeitos ao esvaziamento existencial de um dia-a-dia que os brutaliza e automatiza.

A consequência desse processo é o competente rebaixamento dos produtos artísticos enquanto símbolos da riqueza interior do homem ou espelhos de suas mais amplas possibilidades. O que quer dizer, invertendo a imagem, que tais produtos pobres de conteúdo artístico passam a traduzir, apenas, a realidade de gente pobre de conteúdo humano.

Atingido esse nível de garantia de mercado para suas diluições musicais-culturais-vivenciais, a indústria dirigida ao lazer — na área da música representada pelas grandes gravadoras internacionais, com matrizes nos Estados Unidos e na Europa — passa a afirmar que ela não forma o gosto de ninguém, mas apenas atende ao gosto declarado das pessoas, colocando no mercado o que elas desejam consumir. Esse trabalho de manipulação do mercado é conseguido pelas grandes fábricas através da exploração inteligente das expectativas de ascensão social principalmente das camadas baixas da periferia dos grandes centros, e dos grupos emergentes da classe média da própria cidade.

De fato, enquanto os compradores de "música sertaneja" aplaudem duplas vestidas de cowboys americanos, que cantam toadas breganejas à base de sons de guitarras (porque esse é o "moderno" a que pretendem chegar), as classes médias cometem equívoco semelhante.

Colocadas na posição de minorias sociais de ascensão recente, como resultado ao esquema econômico de "desenvolvimento" com base na concentração capitalista, a tendência de grande parte das camadas médias das cidades é entrar em conflito com a própria sociedade, que começam a ver como subdesenvolvida, pobre, ignorante e, por isso mesmo, distante e alienada como um todo dos progressos e maravilhas do "mundo moderno" globalizado, com que a televisão lhes acena.

Situadas assim diante da opção-conflito de ter que escolher entre a aceitação dessa realidade pobre e bitolada e as promessas de um estilo de vida rico de alegrias ao nível da indústria de consumo, as camadas mais altas da classe média não têm dúvida: optam pelo segundo modelo, idealmente projetado pelos anúncios de cigarros e refrigerantes da televisão. E, dessa forma, como num passe de mágica, a realidade geral vigorante para a maioria das camadas se apaga, e o real passa a ser a vida em um circuito fechado dessa minoria com capacidade econômica de acesso aos bens revestidos da aura de "valores modernos".

Ora, como por motivos do próprio modelo econômico montado no país os produtores desses "valores modernos" só contam com mercado entre essas minorias, o círculo de interesses e expectativas se fecha: quer dizer, as grandes massas trabalham e renunciam à sua parte na divisão do produto nacional, para que os investimentos feitos pelo Governo à sua custa possam realimentar o tempo todo o pequeno circuito em que gira a riqueza, envolvendo o comprador com alto poder aquisitivo de um lado, e a indústria de artigos sofisticados de outro. O resultado cultural desse processo não se faz esperar. Assim, como o veículo ideal para o anúncio das virtudes dos produtos industriais de alta sofisticação é a TV, e como — "por coincidência" — esses produtos são todos muito caros (e, portanto, só ao alcance das minorias com poder aquisitivo), a tendência da programação é procurar atender ao gosto e às expectativas desses poucos que constituem o mercado potencial dos produtos anunciados nos intervalos comerciais e não das maiorias pobres que compram aparelhos de televisão pelo crediário.

Ora, como a televisão precisa transmitir, eventualmente, shows e músicas para entretenimento dos telespectadores, os artistas, espetáculos e sons escolhidos são os capazes de projetar — tal como os anúncios dos intervalos — uma idéia de "modernidade" e de "bom gosto", o que os liga necessariamente aos modelos adotados pela classe média dos centros estrangeiros mais desenvolvidos.

A partir daí, e tomando essa sua realidade como o real do país, os componentes da classe média brasileira passam a admitir, por extensão, que o seu gosto é — ou deveria ser — o gosto de todos e, ato contínuo, transforma o particular no universal. Tendo como certo, porém, que os produtos culturais ligados às suas expectativas e gostos são criados e manipulados por grandes aglomerados internacionais, com matrizes situadas nos países mais desenvolvidos, o que se verifica é que o universal da classe média brasileira acaba sendo o regional das classes médias de países mais poderosos economicamente.

A consequência disso é que, atingindo o equívoco da classe média esse limite, no que se refere ao gosto-padrão em torno de boa música popular, por exemplo, tal atitude colonizada conduz a um segundo estágio do processo de entrega ao poder da indústria de massa. E isso porque a indústria internacional do disco, após ditar a partir de suas matrizes os padrões musicais a serem seguidos pelas pessoas desejosas de parecerem atualizadas e modernas nos países menos desenvolvidos, só precisa aguardar um pouco até que os compositores, músicos e cantores dessas nações dependentes assimilem a tal "música universal", e passem a integrar-se nela, produzindo eles também dentro dos modelos estabelecidos. Uma vez alcançado este estágio de integração dos artistas de países subdesenvolvidos na "música do momento", as filiais locais das grandes empresas multinacionais do disco estabelecem um regime de preferência em suas produções e, a partir de então, o repertório da música universal passa a ser enriquecido com grande economia de custos industriais e maiores possibilidades de expansão de mercado, considerando a nivelação do gosto musical obtida por essa técnica de massificação em todas as áreas urbanas do chamado mundo ocidental.

Depois de certo tempo, com a continuidade do processo de dominação econômico-cultural transformando-se em realidade aceita e indiscutível ("vivemos num mundo globalizado", "acabaram-se as fronteiras", "o importante é a música ser boa, venha de onde vier", "as influências sempre existiram", "vivemos a era dos satélites", "ninguém pode deter o progresso"; "tudo evolui, precisamos evoluir também" etc), ainda uma vez o que atende apenas às ilusões dos consumidores manipulados ganha a categoria de real.

Desse momento em diante, os alienados assumem inclusive uma posição de crítica a partir dos enganos aceitos, e quem protesta contra esse status quo da dominação cultural passa a ser apontado como retrógrado, ultrapassado e xenófobo.

Fonte:A nova democracia

Cultura regional para pequeninos

Rosa Minine   

Grupo Fibra encenando Brincando de brincar
Grupo teatral de Montes Claros, nas Minas Gerais, o Fibra nasceu em 1979, dentro de uma escola da rede estadual, em função de um trabalho de grupo realizado pela então professora de educação artística Terezinha Lígia com seus alunos de sétima e oitava série do ensino fundamental. O resultado foi a montagem de uma peça, que de tanto sucesso acabou ajudando a fincar as estacas de um movimento que leva cultura regional, através do teatro, música e dança, à crianças e adolescentes da região.
— Aqui no Fibra acreditamos que falar de cultura para a criança é importantíssimo para o seu futuro. E muito antes de escrever para crianças, dirigir e atuar em espetáculos infantis, já tinha essa preocupação, ao ver que as peças que existiam davam a criança um tratamento de jovem ou adulto, sem entender que ela tem uma percepção muito mais aguçada do que o adulto, e a sinceridade incrível — diz Terezinha Lígia, que é pós-graduada em arte e educação.
— Creio que se uma pessoa fizer bem teatro para criança, poderá fazer para qualquer adulto, por causa da sua sinceridade, que a faz expressar na hora o gostar ou não gostar. Isso é algo que me encanta. Na verdade, toda a minha vida profissional é direcionada para elas e para as artes — fala.
— O grupo é muito voltado para a cultura regional, através de textos, de figurinos com influências nas cores fortes e vibrantes, e das músicas. O Brincando de brincar, que já está na terceira edição e continuamos apresentando, por exemplo, é um resgate das músicas regionais chamadas hoje de folclore. É um espetáculo bem festivo, com muitas cantigas de roda, cantigas de ninar, e muito mais, tudo teatralizado. E tem sido muito apreciado pelo público — explica Terezinha.
Atualmente o Fibra conta com quatro atores fixos e um músico no palco, que faz a sonoplastia, podendo surgir convidados tanto para encenar quanto para dirigir. Também conta com um violonista, que faz a direção musical das produções.
— São trinta anos de muita luta, muita dificuldade para manter um trabalho onde as pessoas possam sobreviver do fazer teatral, o que praticamente é inviável. Quem fica tem que se desdobrar com outros trabalhos paralelos, apesar de fazer teatro sério, profissional, e dedicar-se muito a ele — diz Terezinha.
— Trabalhamos na base do no peito e na raça. Normalmente vivemos da venda dos nossos espetáculos e da bilheteria, sendo que a divisão do dinheiro arrecado era revertido para o próprio grupo, em material necessário para compor o cenário e figurino — comenta entusiasmada.
— Em dezembro passado apresentamos nossa décima sexta montagem, inaugurando, depois de todo esse tempo, a nossa sede. Com isso podemos fazer uma pré-estréia, e agora uma longa temporada. Antes era inviável porque aqui em Montes Claros não tem um bom espaço. Nos apresentávamos em um auditório que tem aqui, mas é bastante defasado, e ainda não nos dá condição de estarmos em dois finais de semana seguidos — continua.
Além de ensaiar e apresentar seus espetáculos, o Fibra vê em sua sede um espaço para divulgar e propagar cultura.
— Como ainda é bem recente essa aquisição, temos mais projetos do que ação no local, entre eles a criação de oficinas, que deve acontecer em breve, para aumentar as possibilidades de se levar teatro, dança e música até crianças e eventualmente adultos também, principalmente aqui na nossa região que vive em situação tão precária, quando se fala em teatro e cultura em geral — expõe.

Causos e lembranças em textos

Terezinha é autora da maior parte dos espetáculos do grupo, e também atua como atriz e diretora.
— Quem me motivou a escrever foi o João das Neves. Na verdade eu mesma não sabia que tinha condições para escrever um texto teatral, até que fiz um texto para ele e foi logo me dizendo: 'Isso aqui é muito rico, vá escrever sobre cultura menina'. No começo ainda fiquei insegura, mas agora depois de tantos textos encenados, acredito que levo jeito. E isso é muito bom porque não é fácil achar textos teatrais que atendam àquilo que queremos passar. Então posso dizer que escrevo por intuição, gosto e necessidade — assume.
— E tem muito da minha infância no que escrevo, muitas vezes sem que isso seja proposital, só percebendo quando vou organizar o texto. Fico feliz porque acredito que temos mesmo que passar a cultura que vivemos e ouvimos dos nossos pais e avós para os mais jovens para que permaneça viva — defende Terezinha.
Diferente dos outros, Vem ver boi, espetáculo atual, também escrito por Terezinha, é direcionado para adultos, continuando no campo da popularização da cultura local.
— O texto levanta a questão da alienação do homem contemporâneo quanto aos seus valores culturais, sempre com questionamentos que fazem as pessoas discutirem o assunto. Fala de suas mazelas, usando as lembranças do personagem ligadas às festas, adventos da cultura regional. A direção é de um ex-integrante do grupo, que saiu para estudar fora e agora trás para nós o que aprendeu — comenta.
— Mas continuamos com os espetáculos infantis, que nos caracterizam, inclusive nos apresentando nas escolas e também para as mesmas, quando fazemos um espetáculo em outro lugar, e ali as recebemos — explica Terezinha, que no momento encontra-se em férias-prêmio na escola que trabalha, dividindo seu tempo entre a Unimontes, onde leciona teatro, e as pesquisas, ensaios e apresentações do Fibra.
— A partir de abril estaremos viajando com este e outros espetáculos para cidades próximas daqui. Na verdade, nos sentimos felizes por conseguir fazer isso em uma região onde não existe política cultural e nenhum tipo de organização no sentido de valorização do tipo de trabalho que fazemos. Neste sentido somos heróis — conclui.

Fonte:A nova democracia

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Próxima Exposição

Monumentos à nossa gente

O artista plástico pernambucano Abelardo da Hora, há mais de 50 anos, vem retratando com rara sensibilidade a vida do povo brasileiro, unindo a paixão pela arte com as mais candentes aspirações de justiça e igualdade humanas.
Abelardo Germano da Hora foi um dos idealizadores do Movimento de Cultura Popular (MCP) nos anos 60, e continua sendo dos mais atuantes artistas plásticos de Pernambuco. Sua obra é muito extensa e várias das suas peças podem ser vistas em praças, avenidas e prédios públicos do Recife. Escultor, ceramista, desenhista e gravador, Abelardo nasceu em 1924, na usina Tiuma, no município de São Lourenço da Mata, onde seu pai trabalhava na produção açucareira.

Além de conceituado artista plástico (é considerado um dos mais importantes escultores da escola expressionista do país), Abelardo é também, desde muito cedo, um militante comunista, combatente da causa do povo. Ele chegou mesmo a ocupar cargos nas direções estadual e municipal do Partido Comunista do Brasil, durante as décadas de 50 e 60, em seu estado natal. O envolvimento permanente e profundo com a política as questões sociais exerceriam sempre influência marcante em toda a sua vida e obra.
O escultor iniciou seus estudos artísticos no Colégio Industrial Professor Agamenon Magalhães e depois ingressou no curso livre de Escultura na Escola de Belas Artes de Pernambuco, onde esteve à frente do diretório acadêmico, no ano de 1942. "Eu liderava um grupo de estudantes que resolveu sair dos espaços fechados para pintar a vida, deixar de lado os modelos de gesso para retratar a vida do povo e as paisagens pernambucanas", recorda. Foi assim que, ao pintar as matas do bairro da Várzea, em Recife, seu trabalho chamou a atenção do industrial Ricardo Brennand, que logo o contratou. Trabalhando com este empresário de 1943 a 1945, Abelardo realizou vários trabalhos em cerâmica, jarros florais e pratos com motivos regionais em relevo e terracota.

Monumentos

Nos anos de 1955 e 1956, Abelardo executou uma série de esculturas de tipos populares, tendo como fonte de inspiração a rica tradição da cerâmica popular nordestina. Muitas destas obras ainda podem ser vistas nas principais praças e parques da capital pernambucana: Os cantadores e o Vendedor de caldo de cana, no Parque 13 de Maio; O sertanejo, na Praça Euclides da Cunha e O vendedor de pirulitos, no horto florestal de Dois Irmãos. Além destas, há também o Monumento à restauração pernambucana, na Praça Sérgio Loreto; O pescador, na Avenida Caxangá; Monumento à convenção de Beberibe, na Praça da Convenção; Monumento à juventude, na Universidade Católica de Pernambuco, e o Monumento a Zumbi dos Palmares, na Praça do Carmo.
"A minha arte sempre buscou reproduzir a realidade da vida do povo, mostrar as condições de vida de nossa gente, seus gestos, sua riqueza, a beleza da cidade. Registrar o que se faz de bonito, mas também denunciar as injustiças, esfregar na cara das elites os males que elas cometem contra o povo trabalhador", diz. Abelardo revela que desde cedo os intelectuais ligados ao Partido Comunista elogiaram suas obras: "A adesão inicial do mundo intelectual à minha arte veio do Partido Comunista, através de pessoas como José Leite Filho, Pedro Renoir e David Capistrano."
Em 1945, Abelardo foi para o Rio de Janeiro, onde trabalhou num atelier improvisado na garagem da casa do artista plástico Abelardo Rodrigues. Em 1946, volta ao Recife e passa todo o ano de 1947 preparando sua primeira exposição de esculturas, que foi realizada em abril de 1948, na Associação dos Empregados do Comércio de Pernambuco. A exposição teve grande repercussão pelo conteúdo e forma, mas também porque foi a primeira exposição de esculturas realizada no Recife.

Prêmios e viagens

Entre os principais prêmios que o artista recebeu constam o Primeiro Prêmio de Escultura nos III e IV Salões de Arte Moderna, em 1940 e 1950. Durante os anos de 1957 e 1958 Abelardo da Hora expôs em vários países da Europa, na Mongólia, na Argentina, em Israel, na antiga União Soviética, na China e nos Estados Unidos, e sua obra está exposta em vários museus e galerias do mundo. "Outro dia um sobrinho descobriu que tenho uma escultura num museu da Tchecoslováquia, chamada Água para o morro, e aí me lembrei que em 1962 essa peça foi vendida para uma pessoa de lá que nos visitava."
É também de sua autoria o estandarte do Clube Vassourinhas, um dos mais tradicionais blocos de frevo do Recife. Uma de suas séries mais conhecidas é a coleção Meninos do Recife, 22 quadros em bico-de-pena que retratam as condições de vida das crianças pobres dos mangues e dos bairros populares da cidade, que tiveram os originais parcialmente destruídos pela polícia política dos militares durante a repressão que se seguiu ao golpe contra-revolucionário de 1º de abril de 1964. "Quando houve o golpe eu fui levado preso para a Casa de Detenção, na mesma cela de Gregório Bezerra, e vi as atrocidades que ele sofreu. E do meu canto, na cela, fiquei pensando aflito: se ele, com aquele corpo todo, sofreu essas barbaridades, o que será de mim, franzino desse jeito?!", lembra. Mas Abelardo sobreviveu e se manteve firme aos seus ideais, apesar de tudo. Seu antigo companheiro de cela e de partido já não vive mais, assim como muitos daqueles que lutaram por um mundo melhor.
Hoje o artista mora e trabalha no bairro da Boa Vista, centro do Recife, onde se dedica à conclusão do Monumento ao frevo, escultura com sete metros de altura, exibindo quatro figuras humanas (dois passistas, uma passista e um porta-estandarte segurando o estandarte do Vassourinhas), cada um com mais de dois metros de altura em bronze e granito e que deverá ser exposta numa das avenidas da cidade.
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Movimento de Cultura Popular em Pernambuco

Numa época de intensa movimentação na vida brasileira — que contava inclusive com significativo avanço das Ligas Camponesas, principalmente nos estados de Pernambuco e da Paraíba, e em que a juventude e os intelectuais assumiam posições em favor das reformas estruturais, com intensa atividade de militância política e cultural — foi fundado no Recife, a 13 de Maio de 1960, o Movimento de Cultura Popular.
O MCP teve como objetivo básico difundir as manifestações da arte popular regional e desenvolver um trabalho de alfabetização de crianças e adultos, buscando elevar o nível cultural dos alfabetizados para melhorar sua capacidade aquisitiva de idéias sociais e políticas e ampliar a politização das massas, despertando-as para a luta social, conforme dizem os manifestos da época. O trabalho era feito através de apresentação de espetáculos em praças públicas, organização de grupos artísticos, oficinas e cursos de arte, exposições, edições de livros e cartilhas, alfabetização em escolas instaladas em locais públicos, etc., e era coordenado por artistas e intelectuais como Abelardo da Hora, Germano Coelho, José Cláudio, Aloísio Falcão, Paulo Freire, Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho, Francisco Brennand, Paulo Rosas, Anita Paes Barreto, Luiz Mendonça, Norma Porto Carneiro Coelho, entre outros que apoiavam o governo de Miguel Arraes na prefeitura do Recife (1960-1962), e, posteriormente, no governo do estado (1962-1964).
A sede do MCP ficava no Sítio de Trindade, localizado na Estrada do Arraial, bairro de Casa Amarela, o mais populoso da cidade. Abelardo da Hora nos conta que a idéia do Movimento surgiu com um projeto criado por ele na década de 50, quando fundou e foi presidente da Sociedade de Arte Moderna do Recife, onde implantou diversos cursos de iniciação às artes: "Na época consegui uma sala emprestada no Liceu de Artes e Ofícios e passei a ensinar aos jovens interessados em artes plásticas. Depois convidei o maestro Geraldo Menuchi para ensinar música e o diretor Luiz Mendonça para ensinar teatro." A iniciativa passou a ser chamada de Universidade Popular de Arte e, em seguida, com a sua expansão e profissionalização dos alunos, passou a chamar-se de Ateliê Coletivo de Arte Moderna do Recife.
Abelardo da Hora recorda: "O prefeito Miguel Arraes afirmou que a Prefeitura apoiaria a idéia e que, a partir daquele momento se chamaria Movimento de Cultura Popular." Nascia assim uma das mais importantes iniciativas político/culturais da época.
Como um de seus fundadores, Abelardo idealizou e coordenou a construção dos Centros de Cultura Popular em cinco bairros operários do Recife — Várzea, Casa Amarela, Iputinga, Beberibe e Torre — e que ainda hoje estão de pé. São construções simples dotadas de um salão, praça com brinquedos infantis, quadra de esportes e sanitários. Os Centros levavam ao povo dos bairros peças de teatro, cinema, música, orientação pedagógica, jogos infantis e educação física, além da biblioteca popular e de grupos de análise de programas de televisão, incentivando ainda a criação de grupos de vizinhos para lutar pela solução dos problemas locais.
Em 1963, o MCP contava com 201 escolas; 19.646 alunos; um Centro de Artes Plásticas e Artesanato; 452 professores e 174 monitores ministrando o ensino correspondente ao primeiro grau, supletivo, educação de base e artística; uma escola de motoristas-mecânicos; vários espetáculos teatrais; uma galeria de arte e os cinco Centros de Cultura Popular. Além da intelectualidade pernambucana, o Movimento tinha o apoio de várias organizações, como a UNE (União Nacional dos Estudantes), nesse tempo uma referência obrigatória do movimento estudantil.
Dado o seu pioneirismo, o movimento inspirou projetos semelhantes em outras regiões do país, como os CPCs da UNE (Centro de Cultura Popular) e a Campanha De pé no chão se aprende a ler, no Rio Grande do Norte, entre outros. Todos na luta pela construção de uma cultura nacional, popular e democrática. Apesar de sua força, o golpe militar de 1964 interrompeu suas atividades. Porém, não conseguiu destruir o sentimento e a ânsia de saber, a cultura do povo trabalhador do Nordeste e de todo o Brasil.



Fonte:A nova democracia



O teatro dos folguedos

Grupo de dança teatralizada, o Cavalo Marinho da Paraíba reúne, há 80 anos, pessoas em torno dos tradicionais folguedos populares, que são festas do povo repletas de dramaticidade e descontração. Formado por pedreiros, carpinteiros, artesãos, homens do campo, entre outros, manifesta-se através da música e da dança, sempre envolvidos com a preservação das verdadeiras expressões da cultura popular da região.

— Somos todos trabalhadores, que amam a arte e as manifestações populares. Para sobreviver fazemos, paralelo às apresentações do grupo, as ocupações que aprendemos na vida. Eu, por exemplo, sou artesão e dou aulas sobre o cavalo marinho — diz José Bento, coordenador do grupo.
Situado na cidade de Bayeux, região metropolitana da grande João Pessoa, ligada a capital pela Ponte do Baralho, o Centro de Tradições Populares 'Cavalo Marinho da Paraíba' foi criado por brincantes do folguedo, com a intenção de unir e apresentar as manifestações da cultura popular local.
— São anos de atuação dentro do folclore da nossa terra, que já faz com que muitos misturem a história do grupo com a própria história do cavalo marinho, esse importante folguedo popular, que é uma variante do bumba-meu-boi — comenta Zé Bento.
— A dança cavalo marinho surgiu primeiramente na Paraíba. Existem muitas manifestações em Pernambuco, mas depois é que foi para lá. As primeiras aparições constatadas desse folguedo são de aproximadamente 1550. Ele é considerado como a primeira dança de roda, popularmente chamada reisado — continua.
Segundo José Bento a tradição do cavalo marinho começou em Bayeux através do Major Ciraulo, um forte agitador cultural que residia na cidade nos anos de 1920. Ele costumava levar grupos culturais do interior para se apresentar em Bayeux e na capital, sempre com muita animação e interação de toda a comunidade.
Esses grupos trouxeram a dança, e fez tanto sucesso que o povo da cidade e da capital resolveram imitar os passos. Alguns desses, contagiados pela dança, foram indo em frente até se organizarem para desenvolver os passos e apresenta-los em público, formando assim o Cavalo Marinho da Paraíba.
— Estou no grupo desde criança, e posso dizer que aprendi tudo que sei com o mestre Gazoza, que para mim foi o maior ícone da cultura popular nordestina. Ele era um homem simples, cambiteiro, que é o nome que se dá ao carregador de cana. O cavalo marinho em si tem uma ligação forte com os cortadores de cana — comenta Zé Bento.
Mestre Gazoza foi um dos nomes mais importantes para o Cavalo Marinho da Paraíba. Sempre animado e disposto a passar todo o seu tempo no meio dos brincantes, Gazoza, dedicou sua vida ao grupo.

Prêmios e ameaça de extinção

— A estrutura do cavalo marinho é repleta de lendas, contos populares. Para teatralizar tudo isso é divida em: humanos, fantásticos e animais. Os humanos são: o mestre, líder do grupo, contra-mestres galantes, damas pastorinhas, mascarados, que são o Mateus, Birico e Catirina, diferente do cavalo marinho de Pernambuco, que fala do Mateus, Bastião e Catirina, que são os dois vaqueiros e a catirina — explica Zé Bento.

— Os fantásticos são: o Índio Oberdan, o Abana Fogo, o Valentão, o retirante, e muitos outros. Os animais também são muitos: o boi, o bode, a burra, a Ema, o Urubu, etc. Tudo isso com muita música, dança e alegria. São cerca de 50 brincantes, de todas as idades, que dançam mascarados, fantasiados, com cores fortes. Dançamos xote, xaxado, danças sapateadas em geral, algo muito contagiante — continua.
O grupo tem também uma orquestra com: rabeca, triângulo, pandeiro, zabumba, viola, reco-reco e ganzá.
— Já recebemos muitos prêmios e fomos elogiados pelo nosso trabalhado. Temos disco no museu do folclore e tudo, e já fomos homenageado em várias cidades, em encontro diversos. Mas, sobreviver por aqui está difícil, porque não temos apoio governamental, e de espécie alguma, para podermos levar nosso trabalho adiante — declara Zé Bento.
Segundo José Bento, o grupo corre o risco de desaparecer no próximo ano, por falta de apoio.
— Estamos trabalhando há tanto tempo e vemos que não somos valorizados, a não ser pelo povo. Normalmente nos apresentamos em janeiro, no período da festa de reis, também no carnaval, e em outras manifestações durante o ano. Mas depois parece que esquecem que nós existimos e ficamos muito tempo parados e isso desmotiva o pessoal — fala.
— Por causa desse descaso, falta de apoio e respeito com o nosso trabalho, estamos pensando em fazer uma grande festa neste ano de 2010 e queimar o boi em definitivo. Sabemos que isso é prejudicial ao povo, mas é que já estamos cansados — desabafa.  
José Bento e outros companheiros, muitas vezes têm que tirar dinheiro do próprio bolso para conseguir manter o grupo, conservar os figurinos e instrumentos musicais.
— É uma dureza, uma luta árdua que até agora temos travado pela sobrevivência do grupo. Para nós é muito importante a preservação dessa tradição cultural, e para isso estamos resistindo com toda a força. Só vamos parar se realmente não tiver mais jeito — diz.      
Entre outras, em 1998 o Cavalo Marinho ganhou o prêmio Manoel Diegues Jr, na categoria Antropologia Visual, e em 2002, recebeu o título de menção honrosa das mãos do poeta paraibano Ariano Suassuna.
— Devido ao descaso, parece até que não somos importantes para a cultura local. No entanto vemos nos olhos do povo que o grupo tem um grande poder de mobilização na nossa comunidade, e ao longo desses anos, se nos falta patrocínio, nos sobra reconhecimento do povo, e o respeito de pessoas como o mestre Ariano Suassuna.

Fonte:A nova democracia