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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

“E o mundo não se acabou”

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Algumas previsões supersticiosas espalham o temor por aí trombeteando que o mundo vai acabar em 2012, tem até filme de Hollywood mostrando cenas aterrorizantes da catástrofe final. Quem sabe ? Pode ser, pode não ser, ninguém sabe quando....
Eu sei é que desde criança na década de 50 do século passado, já ouvia na rua a boataria que o mundo ia acabar dia X, e saía desabalado para lamuriar num canto lá de casa na Boa Sorte, lamentando a minha curta existência.

[É oportuno lembrar um trecho do samba-chôro “E o Mundo Não se Acabou” de autoria de Assis Valente, gravado originalmente em 1938 por Carmem Miranda:
“Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar
Por causa disso minha gente lá de casa começou a rezar
E até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite lá no morro não se fez batucada
...............................................................................................
Acreditei nessa conversa mole
Pensei que o mundo ia se acabar
E fui tratando de me despedir
E sem demora fui tratando de aproveitar
Beijei na boca de quem não devia
Peguei na mão de quem não conhecia
Dancei um samba em traje de maiout
E o tal do mundo não se acabou” ]

Voltando aos anos 50, pensava com meus botões: a Vida é tão boa, a minha família é legal, gosto de brincar, soltar pipa, jogar bola, pique-esconde e bandeirinha, de estudar (nem tanto) e por que tenho de morrer logo agora ? O tempo passou, cresci, formei-me, namorei, casei e tenho 3 filhos e 2 netos, trabalhei e continuo trabalhando bastante e ......... “o mundo não se acabou”.
Ufa ! 2012 chegou e espero que não acabe tão cedo, pois ainda tenho muita coisa a fazer e costumo programar que quero viver, no mínimo, 100 anos para usufruir: a paz e a prosperidade da Família, os filmes e a leitura de jornais/livros referências, as minhas aulas e a convivência rejuvenescedora com os Alunos e colegas Professores da UFF/EEIMVR, andar pela Vila Santa Cecília e curtir o GACEMSS / Livraria Veredas / Cine 9 de Abril, a regularização e a revitalização do Ponto de Ação Cultural = PAC, o Rio Paraíba e a paisagem & programação do SESC/BM, o chopp/churrasco do Gaia Grill e a pizza do Papabru no Ano Bom, as folias de reis da Vila Nova, os sertanejos da Vista Alegre, a ciranda/praias/peixes/flip de Paraty, a gentileza das pessoas e o Caminho Niemeyer de Niterói, a alegria carioca/carnavalesca/sambada da Cidade Maravilhosa, e um passeio pelos estados brasileiros que ainda preciso conhecer: Santa Catarina, Mato Grosso (Pantanal), Pernambuco, etc. Num horizonte próximo, estou planejando tirar o passaporte e, pela primeira vez, ultrapassar a fronteira do meu querido Brasil para peregrinar durante 1 mês nas terras da nossa origem latina: Portugal/Espanha/Itália/França (gostaria de receber dicas culturais para visitar nesse trajeto). Em fim, viver, criar e fazer as coisas boas no tempo que me resta.
Encerrando as minhas expectativas otimistas, quero ver a união exemplar e pioneira da centro-esquerda crescer e firmar-se, ganhar a eleição e fazer excelente administração em Barra Mansa; o mestiço Povo Brasileiro mostrar o seu valor e ajudar a salvar a economia combalida do 1º mundo europeu; e, é claro, o Vascão deixar de ser vice para assumir definitivamente a posição de Campeão do Mundo após ganhar de 4 x 0 do Barcelona, pois a esperança como o sentimento não podem acabar, nunca.
Um feliz futuro para os que chegaram até aqui e acreditam piamente que o mundo também não vai acabar logo ali na esquina. Aleluia ! Axé ! Mangalô três vezes !!!

MARCOS MARQUES
(Presidente do Ponto de Ação Cultural)

PS:
Depois de encerrar esta carta-crônica aos amigos leitores, saí de casa na noite de 23/12 e deparei-me, na praça ao lado do Palácio Barão de Guapy (prédio necessitado de restauração e onde funcionam a Academia Barramansense de História e a Biblioteca Municipal), com sensacional Roda-de-Samba comandada por Tico Balanço, mestre Claudinho, Elcio Duarte e mais 10 excelentes músicos, o Povo celebrando a alegria, cantando e dançando em harmonia e paz, sem a presença de policiais, ao som do batuque sincopado da autêntica música brasileira. Essa espontânea manifestação da Cultura Popular deveria ser incentivada e se estender em todas as praças e espaços públicos, mas infelizmente a Cultura que nasce na rua, oriunda da criatividade do povão e da identidade nacional, não conta com o apoio e os polpudos recursos que hoje são concentrados nas orquestras de música clássica e jazz pelo prefeito atual, orientado por uma visão elitista da Fundação de Cultura. Nos últimos anos tenho feito críticas neste sentido em vários ambientes, no conselho/fórum de cultura da prefeitura, na Câmara de Vereadores, na ACIAP, nas Conferências Livres do PAC, entretanto os ouvidos moucos do poder autoritário instalado continuam insensíveis às mudanças prementes.
Por isso, a partir de 2012, gostaria de ver a Política Cultural de Barra Mansa deixar de ser unilateral e se libertar dos grilhões do quartel do Parque da Cidade, se espraiar por todo o Município, ampliar a sua representatividade e diversidade, com os recursos aumentados e distribuídos de forma democrática e transparente para toda população. Depende de nós !

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

IGLUSINHO



Iglusinho

Nívea Moraes Marques



Hoje de manhã eu vi um menininho

com sua mãe



ele parecia um iglusinho

com uma capinha de chuva acolchoada

e um gorrinho



Estava na verdade um pouco frio

para um dia de verão



o menininho andava feito fosse

um balãozinho



Sua mãe e seus cuidados

quase fizeram dele um patinho



do lado de cá e do lado de lá

oscilando entre carinhos

o menininho era uma casinha

onde Deus fez Sua morada.

sábado, 24 de dezembro de 2011

O Peru de Natal




Por Mário de Andrade

Contos Novos de Mário de Andrade

Contos Novos de Mário de Andrade
O nosso primeiro Natal de família, depois da morte de meu pai acontecida cinco meses antes, foi de consequências decisivas para a felicidade familiar. Nós sempre fôramos familiarmente felizes, nesse sentido muito abstrato da felicidade: gente honesta, sem crimes, lar sem brigas internas nem graves dificuldades econômicas. Mas, devido principalmente à natureza cinzenta de meu pai, ser desprovido de qualquer lirismo, de uma exemplaridade incapaz, acolchoado no medíocre, sempre nos faltara aquele aproveitamento da vida, aquele gosto pelas felicidades materiais, um vinho bom, uma estação de águas, aquisição de geladeira, coisas assim. Meu pai fora de um bom errado, quase dramático, o puro-sangue dos desmancha-prazeres.

Morreu meu pai, sentimos muito, etc. Quando chegamos nas proximidades do Natal, eu já estava que não podia mais pra afastar aquela memória obstruente do morto, que parecia ter sistematizado pra sempre a obrigação de uma lembrança dolorosa em cada almoço, em cada gesto mínimo da família. Uma vez que eu sugerira à mamãe a ideia dela ir ver uma fita no cinema, o que resultou foram lágrimas. Onde se viu ir ao cinema, de luto pesado! A dor já estava sendo cultivada pelas aparências, e eu, que sempre gostara apenas regularmente de meu pai, mais por instinto de filho que por espontaneidade de amor, me via a ponto de aborrecer o bom do morto.




Foi decerto por isto que me nasceu, esta sim, espontaneamente, a ideia de fazer uma das minhas chamadas "loucuras". Essa fora aliás, e desde muito cedo, a minha esplêndida conquista contra o ambiente familiar. Desde cedinho, desde os tempos de ginásio, em que arranjava regularmente uma reprovação todos os anos; desde o beijo às escondidas, numa prima, aos dez anos, descoberto por Tia Velha, uma detestável de tia; e principalmente desde as lições que dei ou recebi, não sei, de uma criada de parentes: eu consegui no reformatório do lar e na vasta parentagem, a fama conciliatória de "louco". "É doido, coitado!" falavam. Meus pais falavam com certa tristeza condescendente, o resto da parentagem buscando exemplo para os filhos e provavelmente com aquele prazer dos que se convencem de alguma superioridade. Não tinham doidos entre os filhos. Pois foi o que me salvou, essa fama. Fiz tudo o que a vida me apresentou e o meu ser exigia para se realizar com integridade. E me deixaram fazer tudo, porque eu era doido, coitado. Resultou disso uma existência sem complexos, de que não posso me queixar um nada.

Era costume sempre, na família, a ceia de Natal. Ceia reles, já se imagina: ceia tipo meu pai, castanhas, figos, passas, depois da Missa do Galo. Empanturrados de amêndoas e nozes (quanto discutimos os três manos por causa dos quebra-nozes...), empanturrados de castanhas e monotonias, a gente se abraçava e ia pra cama. Foi lembrando isso que arrebentei com uma das minhas "loucuras":

— Bom, no Natal, quero comer peru.

Houve um desses espantos que ninguém não imagina. Logo minha tia solteirona e santa, que morava conosco, advertiu que não podíamos convidar ninguém por causa do luto.

— Mas quem falou de convidar ninguém! essa mania... Quando é que a gente já comeu peru em nossa vida! Peru aqui em casa é prato de festa, vem toda essa parentada do diabo...

— Meu filho, não fale assim...

— Pois falo, pronto!

E descarreguei minha gelada indiferença pela nossa parentagem infinita, diz-que vinda de bandeirantes, que bem me importa! Era mesmo o momento pra desenvolver minha teoria de doido, coitado, não perdi a ocasião. Me deu de sopetão uma ternura imensa por mamãe e titia, minhas duas mães, três com minha irmã, as três mães que sempre me divinizaram a vida. Era sempre aquilo: vinha aniversário de alguém e só então faziam peru naquela casa. Peru era prato de festa: uma imundície de parentes já preparados pela tradição, invadiam a casa por causa do peru, das empadinhas e dos doces. Minhas três mães, três dias antes já não sabiam da vida senão trabalhar, trabalhar no preparo de doces e frios finíssimos de bem feitos, a parentagem devorava tudo e ainda levava embrulhinhos pros que não tinham podido vir. As minhas três mães mal podiam de exaustas. Do peru, só no enterro dos ossos, no dia seguinte, é que mamãe com titia ainda provavam num naco de perna, vago, escuro, perdido no arroz alvo. E isso mesmo era mamãe quem servia, catava tudo pro velho e pros filhos. Na verdade ninguém sabia de fato o que era peru em nossa casa, peru resto de festa.

Não, não se convidava ninguém, era um peru pra nós, cinco pessoas. E havia de ser com duas farofas, a gorda com os miúdos, e a seca, douradinha, com bastante manteiga. Queria o papo recheado só com a farofa gorda, em que havíamos de ajuntar ameixa preta, nozes e um cálice de xerez, como aprendera na casa da Rose, muito minha companheira. Está claro que omiti onde aprendera a receita, mas todos desconfiaram. E ficaram logo naquele ar de incenso assoprado, se não seria tentação do Dianho aproveitar receita tão gostosa. E cerveja bem gelada, eu garantia quase gritando. É certo que com meus "gostos", já bastante afinados fora do lar, pensei primeiro num vinho bom, completamente francês. Mas a ternura por mamãe venceu o doido, mamãe adorava cerveja.

Quando acabei meus projetos, notei bem, todos estavam felicíssimos, num desejo danado de fazer aquela loucura em que eu estourara. Bem que sabiam, era loucura sim, mas todos se faziam imaginar que eu sozinho é que estava desejando muito aquilo e havia jeito fácil de empurrarem pra cima de mim a... culpa de seus desejos enormes. Sorriam se entreolhando, tímidos como pombas desgarradas, até que minha irmã resolveu o consentimento geral:

— É louco mesmo!...

Comprou-se o peru, fez-se o peru, etc. E depois de uma Missa do Galo bem mal rezada, se deu o nosso mais maravilhoso Natal. Fora engraçado:assim que me lembrara de que finalmente ia fazer mamãe comer peru, não fizera outra coisa aqueles dias que pensar nela, sentir ternura por ela, amar minha velhinha adorada. E meus manos também, estavam no mesmo ritmo violento de amor, todos dominados pela felicidade nova que o peru vinha imprimindo na família. De modo que, ainda disfarçando as coisas, deixei muito sossegado que mamãe cortasse todo o peito do peru. Um momento aliás, ela parou, feito fatias um dos lados do peito da ave, não resistindo àquelas leis de economia que sempre a tinham entorpecido numa quase pobreza sem razão.

— Não senhora, corte inteiro! Só eu como tudo isso!

Era mentira. O amor familiar estava por tal forma incandescente em mim, que até era capaz de comer pouco, só pra que os outros quatro comessem demais. E o diapasão dos outros era o mesmo. Aquele peru comido a sós, redescobria em cada um o que a quotidianidade abafara por completo, amor, paixão de mãe, paixão de filhos. Deus me perdoe mas estou pensando em Jesus... Naquela casa de burgueses bem modestos, estava se realizando um milagre digno do Natal de um Deus. O peito do peru ficou inteiramente reduzido a fatias amplas.

— Eu que sirvo!

"É louco, mesmo" pois por que havia de servir, se sempre mamãe servira naquela casa! Entre risos, os grandes pratos cheios foram passados pra mim e principiei uma distribuição heroica, enquanto mandava meu mano servir a cerveja. Tomei conta logo de um pedaço admirável da "casca", cheio de gordura e pus no prato. E depois vastas fatias brancas. A voz severizada de mamãe cortou o espaço angustiado com que todos aspiravam pela sua parte no peru:

— Se lembre de seus manos, Juca!

Quando que ela havia de imaginar, a pobre! que aquele era o prato dela, da Mãe, da minha amiga maltratada, que sabia da Rose, que sabia meus crimes, a que eu só lembrava de comunicar o que fazia sofrer! O prato ficou sublime.

— Mamãe, este é o da senhora! Não! não passe não!

Foi quando ela não pode mais com tanta comoção e principiou chorando. Minha tia também, logo percebendo que o novo prato sublime seria o dela, entrou no refrão das lágrimas. E minha irmã, que jamais viu lágrima sem abrir a torneirinha também, se esparramou no choro. Então principiei dizendo muitos desaforos pra não chorar também, tinha dezenove anos... Diabo de família besta que via peru e chorava! coisas assim. Todos se esforçavam por sorrir, mas agora é que a alegria se tornara impossível. É que o pranto evocara por associação a imagem indesejável de meu pai morto. Meu pai, com sua figura cinzenta, vinha pra sempre estragar nosso Natal, fiquei danado.

Bom, principiou-se a comer em silêncio, lutuosos, e o peru estava perfeito. A carne mansa, de um tecido muito tênue boiava fagueira entre os sabores das farofas e do presunto, de vez em quando ferida, inquietada e redesejada, pela intervenção mais violenta da ameixa preta e o estorvo petulante dos pedacinhos de noz. Mas papai sentado ali, gigantesco, incompleto, uma censura, uma chaga, uma incapacidade. E o peru, estava tão gostoso, mamãe por fim sabendo que peru era manjar mesmo digno do Jesusinho nascido.

Principiou uma luta baixa entre o peru e o vulto de papai. Imaginei que gabar o peru era fortalecê-lo na luta, e, está claro, eu tomara decididamente o partido do peru. Mas os defuntos têm meios visguentos, muito hipócritas de vencer: nem bem gabei o peru que a imagem de papai cresceu vitoriosa, insuportavelmente obstruidora.

— Só falta seu pai...

Eu nem comia, nem podia mais gostar daquele peru perfeito, tanto que me interessava aquela luta entre os dois mortos. Cheguei a odiar papai. E nem sei que inspiração genial, de repente me tornou hipócrita e político. Naquele instante que hoje me parece decisivo da nossa família, tomei aparentemente o partido de meu pai. Fingi, triste:

— É mesmo... Mas papai, que queria tanto bem a gente, que morreu de tanto trabalhar pra nós, papai lá no céu há de estar contente... (hesitei, mas resolvi não mencionar mais o peru) contente de ver nós todos reunidos em família.

E todos principiaram muito calmos, falando de papai. A imagem dele foi diminuindo, diminuindo e virou uma estrelinha brilhante do céu. Agora todos comiam o peru com sensualidade, porque papai fora muito bom, sempre se sacrificara tanto por nós, fora um santo que "vocês, meus filhos, nunca poderão pagar o que devem a seu pai", um santo. Papai virara santo, uma contemplação agradável, uma inestorvável estrelinha do céu. Não prejudicava mais ninguém, puro objeto de contemplação suave. O único morto ali era o peru, dominador, completamente vitorioso.

Minha mãe, minha tia, nós, todos alagados de felicidade. Ia escrever «felicidade gustativa», mas não era só isso não. Era uma felicidade maiúscula, um amor de todos, um esquecimento de outros parentescos distraidores do grande amor familiar. E foi, sei que foi aquele primeiro peru comido no recesso da família, o início de um amor novo, reacomodado, mais completo, mais rico e inventivo, mais complacente e cuidadoso de si. Nasceu de então uma felicidade familiar pra nós que, não sou exclusivista, alguns a terão assim grande, porém mais intensa que a nossa me é impossível conceber.

Mamãe comeu tanto peru que um momento imaginei, aquilo podia lhe fazer mal. Mas logo pensei: ah, que faça! mesmo que ela morra, mas pelo menos que uma vez na vida coma peru de verdade!

A tamanha falta de egoísmo me transportara o nosso infinito amor... Depois vieram umas uvas leves e uns doces, que lá na minha terra levam o nome de "bem-casados". Mas nem mesmo este nome perigoso se associou à lembrança de meu pai, que o peru já convertera em dignidade, em coisa certa, em culto puro de contemplação.

Levantamos. Eram quase duas horas, todos alegres, bambeados por duas garrafas de cerveja. Todos iam deitar, dormir ou mexer na cama, pouco importa, porque é bom uma insônia feliz. O diabo é que a Rose, católica antes de ser Rose, prometera me esperar com uma champanha. Pra poder sair, menti, falei que ia a uma festa de amigo, beijei mamãe e pisquei pra ela, modo de contar onde é que ia e fazê-la sofrer seu bocado. As outras duas mulheres beijei sem piscar. E agora, Rose!...



Do livro Contos Novos. Belo Horizonte, Editora Itatiaia, 1983 (primeira edição: 1947)

Cartão de Natal

Por João Cabral de Melo Neto

Criança Natal

Criança Natal
Pois que reinaugurando essa criança
pensam os homens
reinaugurar a sua vida
e começar novo caderno,
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de vôo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:
que desta vez não perca esse caderno
sua atração núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas
suas molas,
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem
o sim comer o não.

Texto extraído do livro "João Cabral de Melo Neto - Obra Completa", Editora Nova Aguilar, 1994, pág.

Urariano Mota: O "feliz" do Natal são os amigos...

Nestes dias até mesmo comecei a escrever um conto de Natal. Mas tão amargo ele vinha, de tamanha dureza era pleno, ou dito de outra maneira, tanta verdade incômoda ele trazia, que julguei tal coisa injusta para com os amigos e raros leitores que arranjamos. Seria como um estraga-festa, como um bêbado desagradável numa noite feliz. Porque estes são os dias em que de sã vontade procuramos não incomodar a quem julgamos digno de qualquer amor.

Por Urariano Mota

Cartas de Natal

Cartas de Natal
Duas semanas antes, um amigo de outra cidade me disse pelo telefone, “Você está perdendo a capacidade de rir, relaxe, homem”, e como a ligação era interurbana nada pude lhe responder, para não aumentar a conta.

Guardado o conto amargo, que até agora não me largou, surgiu uma outra dificuldade. Para escrever um novo texto, que faça referência a mensagens recebidas neste Natal, o título com mais acerto deveria ser Mensagens de Natal. Mas isso iria me lançar no Google ao lado de “A Melhor mensagem de Natal é aquela que sai em silêncio de nossos corações e aquece com ternura os corações daqueles que nos acompanham em nossa caminhada pela vida", por exemplo. Ou esta, exemplar: “Aprendi que a hora mais sombria nunca dura mais que sessenta minutos”. O Google, na sua santa inteligência, tem disso. Se você escrever sobre Memoria de mis putas tristes verá o seu nome inscrito entre os sites de putas de todo o mundo. Por isso julguei que o nome mais próprio, para fugir dessa inteligência que nada seleciona, seria o Correspondências de Natal, que digitado entre aspas no Google me dará apenas 3 leitores, se muito. É o que faço agora. Paciência, acabo de perder um bom número de leitores entre os 5.090.000 buscadores de Mensagens. Menos mal. Se conseguir manter uns três até o fim, acreditaremos todos juntos que entramos no espírito do Natal.

Antes, no entanto, devo pedir perdão aos amigos por utilizar suas mensagens sem autorização prévia. Espero que no escrito a seguir eu não seja comprometedor.

A primeira mensagem que me chegou veio de Otaciel, a quem chamamos de Bocage, mas o Bocage popular, da anedota, que nada tem a ver com o poeta romântico. E aqui ele não veio fazendo graça, veio sério.

“Apesar de todas as decepções e da putaria generalizada da qual participamos na qualidade de observador, conseguimos chegar ao final deste ano. Quando eu tive tuberculose pulmonar, fiquei pensando que dificilmente eu passaria dos 40... Vamos ver se atravessamos o tumultuado e próximo ano”.

Em três frases ele põe três momentos distintos, no calendário e no que somos ao longo do tempo. O diálogo entre amigos comporta sempre esse gênero lacônico, lapidar, porque divide experências, algumas nem sempre de boa lembrança. Como os possíveis três leitores não sabem quais experiências, cabe um breve esclarecimento. A primeira, neste ano, é mais óbvia. É a situação política criada pela reação, pelos partidos corrutos por natureza e gênese, que apontaram o dedo sujo contra a sujeira de alguns militantes do Partido dos Trabalhadores. Isso doeu e nos encheu de raiva. Banqueiro não tem direito a falar em ética. Servidores da ditadura não podem apontar o dedo da tortura para ninguém. No entanto, assim foi. Se pensássemos com um cérebro ausente do coração, menor choque teríamos neste ano. Como pode alguém ser casto nas palavras, nos atos e no pensamento, se vive em meio a ladrões e putas? O que é mesmo governar em um país de secular exclusão? Esperávamos muito, ou o nada absoluto, porque aguardávamos apenas uma revolução. O resultado foi este ano... Conseguimos chegar ao final, e muitos de nós quase não chegávamos.

O segundo momento é mais íntimo, e nos remete ao distante, para nós bem perto, ano de 1970. Ele aqui somente se refere a esse momento para dar uma força, um estímulo a este que agora aos 3 leitores escreve. Naquele ano, para se tratar melhor na casa de uma parenta no Rio de Janeiro, e se tratar melhor, em se tratando de tuberculose, é comer melhor quando se tem fome, naquele ano o nosso amigo não esteve conosco no fim do ano. Mas foi uma ausência bem lembrada. Na mesa do bar enchemos um copo e nele não tocamos. Dizíamos, meio bêbados, bebedores que éramos de primeira viagem: “Este copo é de Bocage. Nele ninguém toca”. Não sabíamos que estávamos repetindo um ritual de jogar uma bebida para o santo, ou para os deuses, uma oferenda, uma invocação pela saúde do nosso amigo. Não sabíamos, ateus que éramos. Não sabíamos de nada, enfim. Mas possuíamos bem sólido o sentimento da amizade, antes de toda a safadeza dos anos que viveríamos. O terceiro momento é uma previsão, é um lema, uma divisa: Vamos atravessar este próximo ano, ainda que sob tormenta. Melhor, como aprendemos nos livros de História, “melhor, combateremos à sombra”. Mas bem que gostaríamos de uma sombra leve, rápida e menos aterradora.

A segunda mensagem vem do jornalista Paulo Carneiro, que todos chamamos de Capitão, um Capitão sem patente, porque o nome veio do super-herói Capitão América. Quando todos os conhecidos e estudantes liam Proust, e nada entendiam, mas falavam sobre isso como autoridades, quando todos se referiam a Joyce, sem nunca o haver lido, o Capitão exibia seus profundos conhecimentos, em lugares públicos e em apartes em conferências, sobre o senhor Capitão América. Os que o ouviam ficavam entre a incredulidade e o riso. Mais tarde, no curso de jornalismo da USP, o Capitão “entrevistou” Fellini, e pôs na boca do cineasta coisas tão verossímeis e espirituosas, que houve quem lhe perguntasse de onde ele havia copiado tão boas declarações. Pois vejam como é grave esta época do ano. O Capitão compareceu esta semana vestido em sua personalidade civil. É dele a mensagem:

“Você certa vez me citou o poema Resíduo. Te re-cito agora este.

PASSAGEM DO ANO
Carlos Drummond de Andrade

O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e o seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.

O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles... e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.”

Esta seriedade do Capitão, dizendo melhor, esta citação do poema de Drummond feita pelo intelectual Paulo Carneiro, também se faz dentro daquela linguagem cifrada dos amigos. “Recebe com simplicidade este presente do acaso. / Mereceste viver mais um ano” é a senha. Ela vem como uma resposta, muitos anos depois dos versos que em algum momento, com algum fio de esperança eu lhe disse, “De tudo ficou um pouco. / Do meu medo. Do teu asco. / Dos gritos gagos. Da rosa / ficou um pouco. .../ Se de tudo fica um pouco, / por que não ficaria um pouco de mim?”. Uma boa resposta para aqueles que atravessamos os sessenta e poucos, e sobrevivemos. E prometemos mais que sobrevivência, contra todas as previsões e exames. “O senhor tem lesões teoricamente incompatíveis com a vida”, ouviu do pneumologista o jovem Manuel Bandeira, antes de viver fecundos 82 anos.

Do poeta e escritor Nei Duclós, lembro mensagem de Natal, logo depois de sua crítica a meu romance “Os corações futuristas”. Nei enviou um autêntico chamamento à luta, a um não-esmorecer jamais, porque a jornada é boa e justa. É mensagem que revigora e remete ao azul do céu e ao cheiro do mar:

“Ontem, quando recebi tua mensagem, chovia torrencialmente e as rãs invadiram a parte de trás da minha casa. Tive tempo apenas de enviar o seguinte:

’Mais não digo. Chegou a minha vez de chorar. Este é o meu presente de Natal’.... Fico orgulhoso de que meu ensaio sobre teu livro tenha tido tamanha repercussão."

Que dizer, como explicar tais palavras? Aguardem, por favor, um próximo texto.

Preferível encerrar aqui com uma lição de amizade, que por ser de amizade será sempre uma lição de ética. Em 2005, ao se referir a uma angústia vivida por um amigo comum, Jesús Gómez, editor de La Insignia, assim se expressou a tradutora e escritora Carolina Broner:

“En cuanto a lo que los amigos podemos hacer,diria que la respuesta está implícita en la pregunta. Basta con hacerle saber que, como en cierta película adorable, ‘Arsénico por compasión’, de Frank Capra, ni siquiera hace falta que silbe... Cary Grant y Priscila Lane se silbaban de ventana a ventana cuando se necesitaban. Eso quería decir, que lo mejor que podemos hacer los amigos es hacerle sentir que no hace falta que silbe para tenernos al pie del cañón”.

O que em bom português quer dizer: na angústia de um amigo, basta que ele saiba que nem é preciso assobiar para que nos tenha de imediato, no cumprimento do dever, em qualquer circunstância. Simples, não? Reconhecemos, em espanhol é mais bonito. Por eso, Feliz Navidad, amigos.

Mazé Leite: Eliseu Visconti, a Modernidade antecipada



Essa pintura acima e muitas outras farão parte da próxima grande exposição organizada pela Pinacoteca do Estado de São Paulo: "Eliseu Visconti - a modernidade antecipada". Serão cerca de 250 obras, entre pinturas, desenhos, cerâmica e documentos.

Esta exposição celebra o ano da Itália no Brasil, que teve início em outubro deste ano e que conta com uma programação rica de eventos que expressam a Cultura dos dois países. Entre os grandes nomes da pintura que estarão aqui no Brasil em 2012, está o de Caravaggio, pintor barroco italiano, como já anunciamos aqui.

A última exposição retrospectiva de Visconti (que nasceu em Salerno, Itália, em 1866 e morreu no Rio de Janeiro, em 1944) foi realizada em 1949 no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro. Esta mostra trará, então, toda a produção de Visconti, que é difícil de ver hoje em dia, pois muitas de suas obras são guardadas em coleções particulares. "Esta mostra tem por propósito recuperar a obra de Visconti, situando-o como grande expoente da arte brasileira no período crítico da primeira República”, é o que diz um dos curadores, Rafael Cardoso.

A exposição será organizada em períodos e temas desenvolvidos por Visconti, entre 1888 e 1944. São pinturas de Paisagem, Retratos, Nus, com destaque para a importante produção do artista nas vertentes Simbolista e Impressionista, estilos em que é reconhecido como um dos maiores mestres da arte brasileira. Também estarão expostos cerca de 25 auto-retratos, incluindo cenas de Visconti com a família.




Eliseu Visconti foi, entre as décadas de 1890 e 1920, um dos artistas mais importantes do Brasil e um dos que mais participou de exposições estrangeiras, conquistando prêmios na França, nos Estados Unidos e no Chile. “A carreira artística de Visconti desenrolou-se no momento fundamental da história brasileira que se estende desde os últimos anos do Segundo Reinado até a Segunda Guerra Mundial. Ele pertence a uma geração que fez, em vida, a ponte entre o Brasil imperial e o Brasil moderno. Hoje sua obra integra as principais coleções particulares e públicas do país." É o que diz a também curadora da mostra Mirian Seraphin, que acrescenta que "há exatos 100 anos – no mês de dezembro de 1911 –, quatro obras, 'A Providência Guia Cabral' (1899), 'Maternidade' (1906), 'A Carta' (1906) e 'Retrato da Minha Filha' (1909), de Eliseu Visconti foram expostas pela primeira vez no prédio que hoje abriga a Pinacoteca do Estado de São Paulo, antes Liceu de Artes e Ofícios, na Primeira Exposição Brasileira de Belas Artes”.

Vale muito a pena ir visitar essa exposição com a obra de Eliseu Visconti.

Serviço:
Eliseu Visconti- A modernidade antecipada
Local: Pinacoteca de São Paulo - Praça da Luz, 2 - de 10 de dezembro de 2011 a 26 de fevereiro de 2012 - De terça a domingo, 10h às 17h30 - Ingresso: R$ 6 reais (meia-entrada R$ 3,00)

Obra de Suassuna mescla cavalaria e picaresca

Em O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, Ariano Suassuna trabalhou os gêneros espanhóis da cavalaria e picaresca de uma forma inovadora e brasileira. O romance se insere no contexto do sertão nordestino, permeando os dois gêneros literários com essa temática. Ele ainda constrói um protagonista que é um típico sertanejo, mas que apresenta as características do cavaleiro e do pícaro ao mesmo tempo. “O protagonista é uma resposta bem brasileira ao herói e ao anti-herói.

Por Paula Rodriguez

Ele não trata da dualidade humana, como o romance realista, mas unifica estes dois extremos de uma maneira paradoxal”, diz Maria Inês Pinheiro Cardoso, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, onde apresentou a tese Cavalaria e picaresca no romance D’ A Pedra do Reino de Ariano Suassuna. O trabalho teve a orientação do professor Mario Miguel González, do Departamento de Letras Modernas.

O romance se inicia na década de 1930, na Paraíba. A narrativa, construída de forma não linear, usa o recurso dos flash-backs para retornar aos acontecimentos que culminaram no episódio do massacre de Pedra Bonita, interior da Paraíba, no século 19. Esse massacre envolvia crenças milenares, vinculadas ao sebastianismo — o desejo do povo português de que seu rei, Dom Sebastião, retornasse para governar o país. Muitos festejos e celebrações populares aparecem na trama do romance de Suassuna como a Cavalgada da Pedra do Reino. “Eu cresci assistindo festas de dias de rei, as procissões, as missas. A nossa vida cultural aqui no nordeste está muito pautada pelo calendário religioso”, diz Maria Inês, que é de Fortaleza, no Ceará.

No ponto de partida da narrativa, o protagonista-narrador Quaderna está preso na cidade de Taperoá por motivos que não ficam muito claros. Ele se encarrega de sua própria defesa. Durante sua narrativa, invoca fatos do passado, ludibria os outros personagens e o próprio leitor.

O Romance da Pedra do Reino se aproxima dos gêneros ibéricos em seu aspecto formal e temático. Os romances de cavalaria são de origem medieval e constroem histórias de cavaleiros nobres e cheio de conduta. Eles se pautam pelo respeito às suas damas, mantendo-as idealizadas. A forma como o romance é construído se aproxima muito com a forma que Suassua utiliza em A Pedra do Reino, os desenrolares das tramas são semelhantes. Já as histórias de pícaros contém o personagem com características da malandragem, desrespeitador dos bons costumes e dos bens alheios. Suas ações estão no contexto de uma realidade sofrida, na qual ele luta para sobreviver da maneira que pode, como diria Maria Inês “praticando pequenas malvadezas”. Quaderna tem um tanto de pícaro, mas Suassuna lhe constrói de maneira a lhe dar uma identidade sertaneja, um típico nordestino que luta para sobreviver na realidade de sua região.

A picaresca fica evidente quando Quaderna começa a narrar sua história. “A aproximação se evidencia ainda mais pelo livro ser uma pseudo-autobiografia. Na verdade, o próprio Suassuna assume uma atitude picaresca e nos confunde ao criar um personagem que não deixa de ser um alter-ego seu”.

Suassuna criou um personagem que não é apenas verossímil, como os protagonistas do romance moderno. Ele não mistura atos bons e ruins. “Ele eventualmente tem uma postura bastante condenável do ponto de vista ético e moral, mas por outro lado mascara isso por meio de suas picardias, que não chegam a ser grandes malvadezas”, diz Maria Inês. A dualidade humana não é enfatizada, mas transformada em um tipo também.

O Quaderna é um personagem muito peculiar por sempre estar em diálogo com a questão do bem e do mal. Existe nele uma postura de simulação heroica, que é uma condição que ele almeja. Contudo, permanece claro que esta não é a sua verdadeira essência. Ele faz as coisas de tal maneira que não tenta enganar apenas os personagens, mas também o leitor.

Ao mesmo tempo em que o pícaro comete pequenas peripécias que colocam em prova o seu caráter, ele se redime buscando sempre ajudar o povo pobre e sofrido. “A versão sertaneja do pícaro, os personagens de cordel ou da tradição oral, como João Grilo e Pedro Malazarte, nunca vão atuar contra os oprimidos, mas contra os repressores. Isso o envolve em um certo sentido de justiça que lhe garante ser conhecido por sua valentia.”

As ações que ele desenvolve ao longo da trama lhe dão certa autonomia. “O Quaderna é uma paródia de Suassuna, uma brincadeira com o romance do herói”, coloca. Suassuna e Quaderna criam um vínculo muito forte que é passado para o leitor. “Podemos associar Suassuna e Quaderna a Cervantes e Dom Quixote tamanha é sua identificação”, compara Maria Inês.

Os dois gêneros, da cavalaria e picaresca, são muito bem entrelaçados por Suassuna, que ainda acresce um contexto histórico regional nordestino. Isso lhe permite criar uma proposta literária inteiramente nova. Para Maria Inês, Suassuna entende que o nordeste precisa ser retratado de uma maneira diferente daquela da literatura regionalista da década de 1930, com obras de Guimarães Rosa e José Lins do Rego, por exemplo. “Eu acho que ele entende que não pode escrever um livro de cavalaria. Ainda que o nordeste remeta a esse ambiente, ele não pode mais fazer isso, pois aquilo não faz sentido no contexto daquele lugar ou em qualquer outro lugar da contemporaneidade”, explica.

Suassuna desconstrói o gênero da cavalaria e da picaresca e as traz para o nordeste para se afirmar como escritor que não é alienado, que tem familiaridade com tudo aquilo. “Ele é crítico a ponto de criar todo um cenário que remete às narrativas ibéricas e depois diz que é tudo uma brincadeira. Ele passa a mostrar a verdade sobre a realidade nordestina, por meio de Quaderna, o pícaro que vive na pele tudo isso.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Braguinha foi o arquiteto das músicas de carnaval



Há cinco anos perdíamos um dos grandes compositores na música popular brasileira. João de Barro ou Braguinha foi autor de grandes clássicos do carnaval.

Por Marcos Aurélio Ruy*



Braguinha em copacabana, Rio de Janeiro / foto: Guto Costa

Quando em 1931 Carlos Alberto Ferreira Braga entrou para o curso de arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro adotou o pseudônimo de João de Barro, justamente o pássaro arquiteto. O apelido foi adotado também para não desgostar ao pai que não desejava ver o nome da família vinculado ao ambiente da música popular, na época visto como um ambiente de marginais, malandros, negros, pobres. Mas os tempos mudaram, embora o racismo persista.

Braguinha nasceu em 26 de março de 1907, no Rio de Janeiro e viveu a adolescência em terras de Noel Rosa, na Vila Isabel, portanto, a música popular atingiu cedo o garoto que se transformaria no “poeta do carnaval” brasileiro. Integrou o Bando dos Tangarás, ao lado de Noel Rosa, Alvinho e Almirante. Tornou-se célebre e emplacou grandes sucessos nos carnavais das décadas de 1930 e 1940. Foi ele também que, em 1937, escreveu a poesia para o samba-choro “Carinhoso”, feito 20 anos antes por Pixinguinha. Gravado inicialmente por Orlando Silva, “Carinhoso” se transformaria numa das canções mais executadas da MPB em todos os tempos.

Em suas cerca de 500 canções gravadas há inúmeros clássicos inesquecíveis que são executadas ainda hoje, principalmente no carnaval. Quem nunca entoou “As Pastorinhas”, composta em parceria com Noel Rosa em 1934, também uma das músicas mais executadas e conhecidas da MPB. Outros grandes clássicos do autor estão na memória popular como: “Pirata da Perna de Pau”, “Chiquita Bacana”, “Touradas de Madri”, “A Saudade Mata a Gente”, “Balancê”, “Turma do Funil”, “O Amor é um Bichinho” e inúmeros outros clássicos. Também fez músicas infantis.

Sua primeira gravação consta de 1929 e a última de 2000. João de Barro ou Braguinha morreu em 24 de dezembro de 2006, três meses antes de completar 100 anos de uma vida dedicada à música e a cultura popular. O “poeta do carnaval” vive, porém, na memória dos brasileiros, apesar da indústria cultural favorecer apenas o imediato suas obras insistem em permanecer como símbolos de uma resistência. Muitos cantores gravaram suas músicas como Dick Farney, Lúcio Alves, Paulinho da Viola, Caetano Veloso e Gal Costa, Elizeth Cardoso, Silvio Caldas, Orlado Silva, Marisa Monte, entre muitos outros.

Cultura Viva: Ipea avalia programa e sugere ajustes





O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) lançou, este mês, o seu terceiro estudo sobre o Programa Cultura Viva: Cultura Viva – as práticas de Pontos e Pontões. A publicação analisa os aspectos positivos e fragilidades do Programa, sob a ótica dos pontos de cultura, além de expor suas influências nas políticas culturais brasileiras. O objetivo do trabalho é produzir uma reflexão crítica e avaliativa a respeito do que foi realizado ao longo dos quase sete anos de existência do programa.

O livro aponta que ainda existem obstáculos com relação à cultura popular.

O presidente do Ipea, Marcio Pochmann, destaca, na apresentação do livro, como aspecto importante da publicação a organização de seu conteúdo, “que permite a leitura em dois blocos de abordagens distintas, distribuídos em vários capítulos, mas que se complementam: um de viés mais analítico e reflexivo e outro mais descritivo com relatos da realidade vivida durante o trabalho de imersão”.

Segundo ele, “potencializar as diversidades culturais do Brasil vai contra o monopólio cultural dos países desenvolvidos”, destacando que “a publicação oferece elementos relevantes para o aperfeiçoamento e para a consolidação do programa”.

Na análise de Pochmann, o Brasil dos últimos dez anos também não é mais guiado majoritariamente pela Região Sudeste. “Estamos testemunhando um novo regionalismo, com o crescimento das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte. Cada vez mais temos a necessidade de suprir necessidades imateriais da população, e nisso, a cultura é fundamental”, afirmou.

Política integradora

Para a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Cultura. “é fundamental que o programa seja fortalecido, mesmo com as limitações orçamentárias. A política cultural é a mais integradora que um país pode ter, e essa análise do Ipea contribui para que tenhamos instrumentos para isso”.

Há, ainda segundo Jandira, grande preocupação por parte dos parlamentares em transformar o programa em uma política de Estado, o que significa dar a ele sustentabilidade programática e orçamentária, por meio de projeto de lei que já tramita na Comissão de Educação e Cultura da Câmara.

A presidente da comissão parlamentar, deputada Fátima Bezerra, destaca que a comissão está à disposição do Ministério da Cultura para fortalecer a política cultural no país. “O projeto dos pontos e pontões é um dos maiores já realizados e vamos retomar a tramitação da lei no próximo ano”, comprometeu-se. Para ela, o Ipea “mais uma vez dá contribuição importante na discussão do tema”.

Avaliação e sugestão

O Programa Nacional de Cidadania e Cultura Viva, do Ministério da Cultura (MinC), existe desde 2004, e tem atualmente cerca de 3.500 pontos de cultura com implantação em andamento, em mais de mil municípios em todo o território nacional.

Segundo Frederico Barbosa, coordenador de Saúde e Cultura da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc/Ipea), o objetivo da avaliação é construir um mapa para mensurar o impacto da população em termos financeiro, de inserção e reconhecimento. “Para isso, usou-se o conceito de circuito cultural: a produção cultural e o caminho que ela percorre até a chegada à pessoa que vai consumir”, explicou.

Ele disse ainda que “o Estado não tem instrumentos jurídicos, leis, reflexão de convênio e tipo de prestação de conta, ou os que existem não são adequados para suportar efetivamente as políticas com o desenho e forma de execução do Programa Cultura Viva”, sentenciou.

Segundo Barbosa, há tensões entre os interesses das comunidades e das associações que executam os pontos de cultura. Mas existem obstáculos também com relação à cultura popular: regularização e recuperação de espaços públicos e privados que são apropriados ao longo do tempo. O coordenador acredita que é preciso fazer com que esses espaços sejam reconhecidos como uso dessas culturas.

Para ele, é necessário ajustar o programa ao novo formato do novo Plano Plurianual 2012-201 e adequar o programa ao ciclo político conduzido pela presidenta Dilma Rousseff, entre outros pontos. O destaque que Barbosa dá às ações necessárias são o redesenho do programa considerando a política de continuidade da macrogestão, e analisar os marcos regulatórios do Estado com a sociedade, desenvolvidos nos últimos anos.

De Brasília
Márcia Xavier
Com informações do Ipea

Paulo Martins: O samba como resistência

A recente entrevista de Beth Carvalho a Valmir Moratelli do IG, publicada pelo Portal Vermelho faz lembrar que passou um pouco despercebido o lançamento de um livro da maior importância para a história do samba, lançado o ano passado no Rio de Janeiro, intitulado Noitada de Samba – Foco de resistência – (Cely Leal e Márcia Guimarães, Arquimedes Edições, 2010 – 106 pág).

Por Paulo Martins*


Noitada de samba, o livro
O livro resgata o trabalho cultural de Jorge Coutinho e Leonides Bayer, dois guerreiros da cultura popular, oriundos do CPC da UNE, que se uniram para tornar realidade este que foi um dos maiores empreendimentos culturais e políticos da década de 70. Beth Carvalho, inclusive, foi uma das participantes de peso dessas noitadas que aconteciam todas as segundas-feiras no Teatro Opinião, em Copacabana, no Rio de Janeiro, no período que vai de 1971 a 1983, e que se consagrou como um dos fenômenos lapidares da resistência cultural à ditadura militar. Foi lá que ela lançou um de seus mais importantes LPs, Canto por um novo dia, de 1973, pela gravadora Tapecar; e no ano seguinte, seu novo disco Pra seu governo, produzido pelo próprio Jorge Coutinho.

O livro foi concebido e coordenado pela produtora cultural Cely Leal, baiana de Salvador, que apesar de ter estudado história e jornalismo, viria a se tornar “bilheteira” do Teatro Opinião, sendo o texto de recriação histórica de autoria da jornalista Márcia Guimarães. O trabalho foi incrementado a partir de um projeto aprovado pela Petrobrás Cultural e que incluiu também um longa-metragem com o mesmo nome, lançado no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro do mesmo ano. A edição é excelente, reunindo um acervo fotográfico inédito e da maior importância, boa parte de autoria do já falecido fotógrafo Manuel Paixão Pires, encarregado de registrar o evento e homenageado nesta edição.

Cartola, Dona Zica, Elton Medeiros, Nelson Cavaquinho, Elizeth Cardoso, Ismael Silva, Nescarzinho do Salgueiro, Xangô da Mangueira, Clementina de Jesus, Dona Ivone Lara, Paulinho da Viola, Beth Cavalho, Clara Nunes, Baianinho, Aniceto do Império, Zé Kéti, João do Vale, João da Baiana, Martinho da Vila, Leci Brandão, João Nogueira e tantos outros sambistas cariocas, só alcançaram projeção nacional depois de passar pelo palco da Noitada. E não só os cariocas, mas também os de outros estados, como, por exemplo, Adoniram Barbosa, Batatinha e Lupicínio Rodrigues. Sambistas, compositores e intérpretes. Talvez nenhum intérprete de importância para a MPB tenha deixado de marcar sua presença na Noitada, que além de projetar os novos, ressuscitava os antigos, como Ademilde Fonseca, Carmem Costa, Jorge Goulart, Emilinha Borba, Dircinha Baptista, Nora Ney, Tito Madi, Doris Monteiro, Cauby Peixoto, Marlene e uma infinidade de outros.

Quanto ao público, mostra-se que muita gente vinha até do exterior especialmente para assistir a um espetáculo na Noitada, num Teatro Opinião abarrotado de gente. No dizer de Cely Leal, os pontos turísticos mais importantes do Rio de Janeiro na época eram “Maracanã, Pão de Açúcar, Cristo Redentor e Teatro Opinião às segundas-feiras”. A Noitada era, de fato, conhecida nacional e internacionalmente. Não só pelo seu samba de raiz, mas também pelo seu significado político. Embora o teatro só contivesse 300 lugares, geralmente recebia 600 pessoas por noite. Sobre este público dizem as autoras:

“A platéia da Noitada de Samba era temida até mesmo pelos mais calejados artistas. Irreverentes, explosivos, indomáveis, aqueles jovens freqüentadores não toleravam repressão de qualquer espécie. E se manifestavam livremente, fosse qual fosse o resultado. Na fila que dobrava o quarteirão, esperavam pacientemente a abertura da bilheteria às 16:00 hs. Depois, espalhavam-se pelos arredores, aboletando-se nas barricas da Adega Pérola, bebendo cerveja e aguardando a abertura do teatro (...) Às pressas, viravam os últimos goles de cerveja e, como uma horda de bárbaros, lançavam-se escada acima, empurrando uns aos outros, rindo, xingando, esbravejando, e correndo para garantir posição nos bancos de madeira. Não havia lugar marcado. Era um salve-se quem puder, um Deus nos acuda, entre gargalhadas e urros. Lá dentro, um zumbido percorria o ar. Barulhentos, cantavam com seus artistas favoritos, aplaudiam freneticamente, ou vaiavam sem dó nem piedade. Amavam ou odiavam, sem meios termos. Quando não gostavam, ou se havia qualquer conotação política indesejada, xingavam mesmo. Gritavam ‘sai... sai... acaba logo.’ Foi o que aconteceu com Wilson Simonal.”

O início da Noitada se deu num momento em que a cultura brasileira era sufocada pela censura. Numerosos artistas eram perseguidos e processados e a repressão política atingia o seu auge, capitaneada pelo seu ditador de plantão Garrastazu Médici, o mais sanguinário de todos. Em janeiro de 1971 Rubens Paiva tinha sido seqüestrado e “desaparecido”. Em junho o estudante de economia da UFRJ Stuart Angel Jones fora assassinado de forma selvagem nas dependências do Cenimar. Em setembro o líder guerrilheiro e ex-capitão Carlos Lamarca fora cercado e assassinado no sertão da Bahia. Milhares de pessoas eram presas e processadas. A tortura campeava à solta nos órgãos de repressão e nos quartéis. Os assassinatos se sucediam. No plano internacional, estava no auge o movimento de massas contra a Guerra do Vietnam. Na área cultural, o mínimo que se podia esperar era uma rigorosa censura, que exigia dos artistas muita criatividade para colocar suas criações nas ruas, quando podiam. O próprio Bayer tinha sido vetado de trabalhar em certa rede de televisão, por ordem militar. O ator e escritor Rafael de Carvalho, que fizera grande sucesso com a peça Se correr o bicho pega – Se ficar o bicho come, de Vianinha, passara momentos difíceis no Cenimar e, depois de solto, viu-se obrigado a viver de frete, utilizando uma Kombi velha que comprara, pois não conseguiu mais trabalho. O próprio Tom Jobim fora detido e obrigado a se explicar nas dependências da Polícia Federal. Talvez uma frase a ele atribuída seja a mais adequada para traduzir o momento difícil em que vivia o país: “A melhor saída para o músico brasileiro é o galeão”.

Foi nesse clima, à sombra da repressão política mais desgovernada de que se tem notícia em nossa história, que Jorge Coutinho e Leonides Bayer resolveram encarar o projeto da Noitada de Samba. Os dois já eram amigos desde os tempos do CPC da UNE. A repressão, a perseguição e a longa convivência estreitaram esta amizade. Dizem as autoras que uma aventura daquele porte só poderia ter sido realizada “por aqueles dois jovens que se completavam à perfeição. Não era a cor da pele que caracterizou a dupla com o apelido de ‘café-com-leite’, mas, sim, a combinação única de duas personalidades diferentes entre si, mas que se mesclavam de tal forma, que não se sabia o que era branco e o que era negro, o que era decisão de Coutinho, qual era a de Bayer. Misturavam-se completamente como café ao leite.” O fato é que a proeza não teria sido possível sem certa dose de coragem e desprendimento, virtudes comuns aos dois personagens. E também de perseverança e estoicismo, que garantiu a sobrevida da Noitada por 12 anos seguidos.

A Noitada de Samba não chegou ao fim por esgotamento, mas por problemas com a produção e a falta de espaço. O Teatro Opinião fora vendido em 1981 para o empresário Adauri Dantas, que o renomeara Teatro de Arena e o transformara num espaço modernoso, de certo modo incompatível com o espírito da Noitada, que no período da reforma já havia funcionado precariamente no Teatro Tereza Raquel, no mesmo prédio. Além disso, Cartola havia falecido em 30 de novembro de 1980, vítima de câncer e a Noitada perdia seu apresentador e maior ídolo. Por último, os novos compromissos daqueles artistas agora de projeção nacional que haviam convivido com a Noitada por tantos anos, dificultavam o trabalho da produção, que não mais conseguia reuni-los como antes. O crescente mercado fonográfico que os projetara criava agora alguns entraves naturais para que os produtores prosseguissem com êxito. Eram os novos desafios. E também os estertores da ditadura militar.

A ousadia do empreendimento da Noitada de Samba tem, portanto, de ser creditada também a João das Neves, o teatrólogo e diretor do Teatro Opinião que apostou no projeto e cedeu o espaço à dupla produtora. Na verdade, o Teatro Opinião tornara-se palco de um sem-número de atrações artísticas e atividades culturais da cidade, e em última instância podia, já naquela época, ser chamado de um palco de resistência. Sobre ele dizem as autoras:

“O teatro Opinião já tinha a marca de ser foco de resistência, política e cultural. Os espetáculos que lá se encenavam, falavam da miséria e da desigualdade social, e seu endereço ─ Siqueira Campos 143 ─ havia fincado raízes como local de discussão e luta pela redemocratização do país.”

Ninguém que viveu aqueles tempos pode esquecer da peça “Liberdade! Liberdade!...”, um marco histórico do Opinião, assim como a Noitada. Infelizmente, este mesmo espaço de passado tão glorioso, que teve papel tão relevante na resistência cultural à ditadura e que deveria ter sido preservado e tombado como monumento histórico, perdeu todas as suas características populares. Adauri se encarregou de apagar toda a sua memória, conforme relata Coutinho, com amargura. Hoje o local não passa de uma reles sede de Tribunal judiciário.

Pela importância da Noitada, o trabalho de Cely Leal e Márcia Guimarães tem um valor memorialístico inestimável. Que o digam os saudosistas e os que tiveram a sorte de assistir a pelo menos uma de suas apresentações. Naquele clima de sufocação que era o ambiente ditatorial, ir à Noitada tornara-se um ato de libertação. As pessoas se comunicavam, trocavam idéias espontaneamente, manifestavam suas opiniões, se sentiam em casa. O palco não era mais que uma extensão da platéia. O expectador, se quisesse, podia ir até ele e participar da roda de samba. A proximidade era completa. Os artistas e compositores também saíam da escuridão e da reclusão. Aquele era um território livre, que atendia ao chamamento de Vinícius e Carlos Lira em sua Marcha da quarta-feira de cinzas:

"E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade"

O grande valor do trabalho das autoras certamente foi o de identificar e ressaltar a Noitada como um foco de resistência à ditadura, e mostrar como ela contribuiu para jogar para fora toda uma gama de produção musical que tinha origem e inspiração nos morros cariocas e nos redutos de samba de outros estados. A Noitada de Samba defendeu um legado artístico que talvez não tivesse chegado incólume a nossos dias. Projetou artistas insubstituíveis e divulgou composições importantíssimas que marcariam a história de nossa música. Este foi um verdadeiro ato de resistência cultural. Mas o foi também de resistência política. Sem a Noitada muitos dos artistas participantes não teriam tido a oportunidade de dar o seu recado. Naquele espaço intimista e aconchegante, para não dizer apertadíssimo para um público cada vez maior e ávido de samba e de cultura autêntica, era possível falar, dizer coisas que não podiam ser ditas em outro lugar. O espírito reinante sempre foi o de resistência. A ditadura não podia simplesmente impedi-la, apesar das freqüentes ameaças, veladas ou abertas de invasão do teatro e de prisão de seus produtores. Teve que aceitá-la para não cair numa desmoralização completa. Quem poderia admitir um Cartola preso? Ou uma Clementina de Jesus, os seus dois principais protagonistas?

Por esse e outros motivos o livro de Cely Leal e Márcia Guimarães deveria fazer parte de todas as bibliotecas do país, para manter viva a memória da Noitada de Samba. Ou talvez o samba, e a sua história, devessem se tornar matéria obrigatória nas escolas primárias e secundárias do Brasil. Noel Rosa já ensinava que “ninguém aprende samba no colégio”. Mas sua história sim; e isto fica demonstrado neste livro. Ela é inseparável das grandes lutas de nosso povo e de nossa história como um todo. E que história gloriosa.

*Paulo Martins é escritor, autor de Jacques Brel – A magia da canção popular

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A artista educadora








Rosa Minine
Professora formada pela vida, Doroty Marques abandonou a carreira de cantora e compositora tradicional para dedicar-se à criação e desenvolvimento de centros culturais pelo país, formando cidadãos críticos e preparados para trilhar seus caminhos.


Artista envolvida com a cultura popular brasileira, ela gravou seu primeiro disco em 1977, ao lado de Dércio Marques e Renato Teixeira, pelo selo Marcus Pereira, um dos primeiros independentes no Brasil.

— Comecei a fazer shows , o normal para qualquer artista, mas, como já fazia um projeto de arte na educação, achei que seria mais importante como ser humano e como artista trabalhar nesse setor, principalmente por ver essa parte deixada bem de lado no nosso país — explica.

— A escola tradicional não tem arte para não desenvolver a emoção na pessoa. No entanto, quando se desenvolve a emoção, o raciocínio sai mil vezes melhor. Procuro uma linguagem menos técnica para falar com as crianças e os jovens, porque a nossa juventude está muito perdida, e infelizmente quando o jovem não se encontra, ele vai para o lado errado — acrescenta.

Acreditando nisso, Doroty escreveu o projeto Turma que faz , e o vem desenvolvendo ao longo de 30 anos por todo o país.

— Tenho andado por quase todo o Brasil, passando por escolas, favelas, inclusive trabalhei 25 anos dentro das maiores favelas do Rio, São Paulo e Belo Horizonte. A maior missão da minha escola não é fazer do menino um artista, e sim fazer dele um ser humano, um cidadão crítico. Depois vai ver o que quer ser, mas primeiro tenho que despertar, através da arte, sua sensibilidade, fazendo com que realmente esteja preparado para saber dizer sim e dizer não, — define.

Ela chega sempre 'de mansinho' nos lugares, como diz, e vai conquistando a comunidade e trabalhando cultura.

— Primeiro estudo o que tem no local, absorvo e vou acrescentando devagarinho outros elementos que conheço, porque 'gato na casa dos outros tem que ter cuidado' (risos). Vou misturando com respeito e mostrando o bonito do Brasil, da América do Sul, porque conheço muito, já andei bastante por aí. Aprendi 'na estrada', e como é coisa bonita, coisa boa, gosto de passar para os outros — explica.

— E vou estudando como é a história do povo, e criando uma escola para as suas crianças, usando como linguagem a pintura, música, escultura, dança, dança de bonecos, tudo popular e muito bonito. A comunidade me ajuda em tudo: é um trabalho totalmente coletivo, — acrescenta.

— Conquistar a comunidade é algo fundamental para que me estabeleça no local. Faço primeiro um show onde toco, canto e danço. Se não consigo conquistá-la, vou embora, mas, se consigo, fico e abro uma casa de cultura. Então vou procurar dentro da comunidade alguém que saiba pintar, escupir, construir instrumentos musicais, tocar e vou convidando-os para participar do projeto, dando abertura para o pessoal do local mostrar seus talentos — continua.

Fazendo arte no coração do país
No momento Doroty está trabalhando na região central do Brasil, em um povoado com aproximadamente 600 pessoas, na Chapada dos Veadeiros, em Goiás.

— A partir do reconhecimento da região e do povo daqui, fui criando todo um universo de música, dança, artesanato, arte de fabricar instrumentos, e o que mais aparece. Entre outros, esse trabalho gerou um disco onde o cerrado está bem presente. Criamos uma linguagem e ritmos em cima do folclore, — conta.

— Aqui na chapada é muito bom. Tem muita festa, muita alegria, muita natureza. Estou perto do verde e do tranquilo, com um povo maravilhoso e interessado em cultura. Tanto que permaneço por aqui há cinco anos, o que não é muito comum, já que não costumo ficar mais de dois anos em um lugar, — comenta.

— Normalmente ensino como se trabalha, deixo multiplicadores, e vou em frente, mas aqui a 'véia' andou parando (risos). Acho que é porque já estou ficando 'véia' mesmo, e quero aproveitar mais esse bom momento, — brinca a bem humorada Doroty, aos 63 anos de idade.

Ela conta que sempre considerou maravilhoso todo o trabalho que fez, em todos os lugares por onde passou.

— Me lembro, por exemplo, da floresta amazônica, aquela potência que obriga a pessoa caminhar com o 'rabo entre as pernas' de medo da onça (risos), para encontrar com o seringueiro. Também das favelas, um trabalho bonito em meio a uma 'guerra civil', que já deixou de ser uma campanha contra droga, para se tornar campanha contra pobre, — fala.

- Entre outras, já fiz duas cartilhas e 8 discos, resultado de trabalhos de toda essa andança. Um desses discos, gravei com 5 mil crianças em uma praça em Penápolis, SP. Também tenho uma gravação guardada, filmada com crianças na beira das cachoeiras aqui no parque. Montamos o estúdio com bateria de carro: arrumamos quatro baterias e 'vamos pro mato', — conta alegre.

Doroty declara ser uma artista que saiu pelo Brasil com uma mochila nas costas, uma viola, um tambor, uma sanfona e o desejo de semear arte.

— Quando cheguei aqui fui me ajeitando com o meu dinheiro mesmo. O povo me dava um lugar para dormir, oferecia comida, e fomos indo, até que conseguimos uma verba. Com esse apoio criei a 'bolsa de arte', que é uma ajuda para as crianças todos os meses — declara.

— Sou uma artista educadora formada pelo mundo. Posso dizer que criamos a nossa escola com nossas próprias mãos, porque tudo aqui é fabricado por nós. Por exemplo, compramos material em Brasília e Goiânia e fizemos nossos instrumentos musicais. Também aproveitamos uns troncos bons, que haviam caído no cerrado. E está muito bonita a nossa banda — finaliza orgulhosa.

Exposição dos Figureiros de São José








"Até dia 11 de fevereio de 2012, o Museu de Arte Sacra da
Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR), realiza a exposição Presépios,Santos e seus Encantos, com obras sacras criadas por figureiros joseenses, integrantes do Projeto Santo de Casa-Figureiros de São José. A mostra retrata, em suas múltiplas formas e cores, o cotidiano e a inventividade do universo popular, com 19 peças, entre santos e presépios, produzidas por:
Maria Benedita dos Santos ( Dona Lili )
Maria Benedita Vieira ( Mudinha )
Aurora do Carmo e Silva
Maria Inês de Moraes
Luciana Melo
José Carlos Ragazini
Luiz Paulo Ragazini
Fátima Aparecida dos Santos
Benedito Domingos dos Santos

Projeto realizado com o apoio do Governo do Estado de São Paulo, Secretaria de Estado da Cultura - Programa de Ação Cultural - 2011"



Estão todos convidados!

Dica Cultural


Para aqueles que gostam de presentear com livros, segue a dica de valorizar os autores regionais. O livro ao lado pode ser encontrado no:


Espaço Cultural Vicentina Aranha
Rua Pascoal Moreira – 447, Jardim Esplanada - São José dos Campos

Privataria Tucana lança luz às privatizações do governo FHC

Lançado na última sexta (9), livro some das prateleiras das livrarias apesar do silêncio de boa parte da mídia.

Apesar do silêncio quase unânime dos grandes veículos de comunicação, o livro A Privataria Tucana chegou às livrarias no último fim de semana alcançando dois feitos: o de sucesso editorial retumbante que deve posicioná-lo no topo dos livros mais vendidos, e o de cair como uma verdadeira bomba no cenário político brasileiro, trazendo denúncias documentadas sobre graves irregularidades no esquema de privatizações do governo FHC, apelidadas há tempos atrás pelo colunista Elio Gaspari de ‘privataria’, termo utilizado no título do livro.

O livro, resultado de doze anos de trabalho do jornalista Amaury Ribeiro Jr., foi alvo de polêmicas – assim como o autor – e controvérsias nas eleições presidenciais de 2010, quando Amaury foi acusado de participar de um grupo que tinha como objetivo a montagem de um dossiê contra políticos tucanos. Na ocasião, Amaury Ribeiro Jr., que terminou indiciado pela Polícia Federal, cita o livro e torna-se personagem marcante na disputa presidencial.

O livro chegou às bancas na última sexta ( 9), publicado pela Geração Editorial, e revela por meio de farta documentação extraída de fontes públicas – como arquivos da CPI do Banestado – o esquema de lavagem de dinheiro e pagamento de propina.

No livro, José Serra, ex-ministro da Saúde do governo de Fernando Henrique Cardoso, figura como personagem-chave das denúncias. Documentos revelam como amigos e parentes do político do PSDB operaram um complexo sistema de irregularidades e fraudes financeiras.

Em entrevista exclusiva ao Vermelho, o jornalista Luiz Fernando Emediato conta os bastidores de uma série de controvérsias envolvendo o livro, esclarece boatos, responde frontalmente ao ataque do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dirigido ao autor do livro, esclarece a tentativa de Serra de barrar o lançamento do livro, além das denúncias de arapongagem sobre Amaury Jr..

A entrevista a seguir também traz passagens da vida profissional do editor e polêmico jornalista Luiz Fernando Emediato, ganhador de diversos prêmios, dentre eles o Esso.

Vermelho: A sua editora, Geração Editorial, desde seu lançamento no mercado com A República na Lama de José Neumanne, passando pelo bombástico Memórias das Trevas sobre ACM, até o Privataria Tucana, segue a linha de publicação de temas polêmicos e reportagens investigativas que revelam os bastidores da política. Como foi feita a escolha por esse perfil de publicação? Livros de jornalismo investigativo em geral têm bom retorno editorial?
Luiz Fernando Emediato: Começamos nossa história editorial, em 1992, há 20 anos, portanto, lançando instant books, como este do Nêumanne que você cita e logo em seguida o Mil Dias de Solidão, do Claudio Humberto Rosa e Silva, ex-porta voz de Fernando Collor. Começamos assim porque em 1990 eu havia abandonado meu emprego de jornalista e, ao decidir ser editor de livros, decidi também que continuaria exercendo jornalismo publicando livros. Foi uma escolha ética e profissional. O retorno é bom, não tanto quanto lançar livros de autoajuda, de historias de vampiros para adolescentes ou romances edulcorados para moças.

Vermelho: Privataria Tucana teve a primeira edição esgotada em cerca de 48 horas. Você esperava esse retorno? Apostava no tema?
LFE: Eu apostei no tema, quem não apostou foram as livrarias. Antes de definir a tiragem eu consulto a rede livreira e ela me indicava fazer apenas 15.000 exemplares, mais do que isso elas não pegariam e eu teria que guardar no estoque. Então foi uma surpresa para elas, não para mim. Meu feeling apontava para 100 mil exemplares, acho que vamos passar de 300 mil.

Vermelho: Tem previsão de impressão de uma nova edição? Quantas cópias?
LFE: Já estamos reimprimindo 30.000 exemplares, estarão prontos sexta-feira.

Vermelho: Me fale da estratégia de divulgação do livro, como foi montada?
LFE: Como eu apostava no conteúdo devastador do livro, mas temia que os grandes jornais não o levassem em consideração, ou divulgassem com críticas pesadas, a estratégia foi não liberar o livro para a imprensa, salvo para a revista CartaCapital, e trabalhar apenas com internet, blogues, Twitter e Facebook. Deu certo.

Vermelho: Você revelou em entrevista recente que José Serra enviou um representante para propor uma conversa, na tentativa de barrar a publicação do livro. Como foi isso?
LFE: Não foi isso. Um amigo comum – meu e dele – me convidou para almoçar e, muito elegantemente, fez perguntas sobre o livro, a pedido do sr. José Serra e, sabendo que eu ia publicar, perguntou se eu não aceitaria ir conversar com o ex-governador. Respondi que não tínhamos o que conversar e foi só isso.

Vermelho: Está circulando online uma matéria publicada em alguns sites e blogs, onde (segundo a reportagem) José Serra teria entrado em contato com a livraria Cultura para tentar comprar todos os exemplares, na tentativa de retirar do mercado o livro. Esta sabendo disso?
LFE: Foi um boato, negado pela livraria. Não acreditei nisso, José Serra não seria estúpido a ponto de fazer isso. Ele teria que comprar 15.000 exemplares pelo pais inteiro, isso seria impossível.

Vermelho: Existem informações disseminadas em redes sociais, não confirmadas, de que o livro estaria sendo retido em algumas livrarias sob alegação de suposta ‘ordem judicial’. É verdade? Essa informação chegou a vocês?
LFE: É falso. Não há, até o momento, ação judicial contra a circulação do livro.

Vermelho: Você espera processos em decorrência do livro por parte do alto escalão do PSDB?
LFE: Sim e não. Seria um erro o senhor José Serra ou qualquer outro entrar na Justiça contra o autor e a editora. A repercussão seria pior. Podem entrar com pedidos de indenização por danos morais, se se considerarem injustiçados, mas, nesse caso, podemos em reação pedir à Justiça que nos permita provar o denunciado. E aí provaremos. Não vejo como os personagens citados no livro possam ganhar qualquer ação contra nós. A verdade é uma só, não existem duas ou três.

Vermelho: Você possui bom trânsito e algumas amizades no Partido dos Trabalhadores. Tem receio da instrumentalização política alavancada pelas eleições municipais de 2012 e 2014? Acha que o livro pode ser taxado por alguns de ‘petista’? Espera esse tipo de manobra midiática?
LFE: Eu tenho bom trânsito com gente de todos os partidos e de governos passados, assim como do atual governo. Fui e sou jornalista. Conheço gente que está na política desde o governo do general Geisel, que me perseguiu, aliás, com base na Lei de Segurança Nacional. Fui amigo de Sergio Motta, a quem admirava muito, convivi com Fernando Henrique Cardoso e muitos de seus ministros. Uma vez disse ao José Sarney que, ao contrário de muitos, gostava de alguns romances dele. Não sou filiado a partido nenhum. Tenho amigos no PT, na CUT e na Força Sindical. Escrevi projetos com o ex-ministro Antonio Kandir, de FHC. Fica difícil alguém acusar-me de estar a serviço do PT. Tenho amigos no PSDB que estão me ligando, chateados, e eu lhes peço apenas que LEIAM o livro do Amaury Ribeiro e depois venham falar comigo. As provas contidas no livro são irrefutáveis e lamento muito por isso. É realmente uma tristeza grande ler aquilo.

Vermelho: Nas eleições presidenciais de 2010 o jornalista Amaury Ribeiro Júnior (autor do livro) foi pivô de denúncias de arapongagem e na época o livro foi muito citado. Isso foi motivo de preocupação para a editora? Você acha que ajudou?
LFE: Eu conheço o jornalismo de Amaury Ribeiro Junior, jornalista investigativo, que não é rico e precisa trabalhar para viver. Ganhou muitos prêmios no jornalismo, assim como eu, nós ganhamos o Esso, o maior prêmio do jornalismo brasileiro, cada um com seu estilo. O que fizeram com ele na campanha da Dilma Roussef foi uma canalhice, ele nunca fez dossiê nem arapongagem, ele estava sendo contratado (nem chegou a ser) para, com seu talento investigativo, apurar fatos para a campanha. O dossiê do qual tanto se falava era este livro, que na época não estava pronto. E ele, claro, não ia vender o conteúdo do livro para campanha nenhuma, trata-se do trabalho de uma vida, 12 anos de investigação, Eu não tive absolutamente nenhuma preocupação. Eu li o livro antes de publicar, é claro. Não cortei uma linha. Na verdade, acrescentei meia dúzia de linhas, em trechos que pediam um pouco mais de pimenta. Com a concordância do autor.

Vermelho: O ex-presidente FHC declarou no último domingo (11), durante sabatina a repórteres, que "O autor desse livro está sendo processado. Está na Polícia Federal. Até lá, quem está sob judice é ele.", saindo em defesa de José Serra. Vocês aguardam ataques contra o autor na tentativa de abalar a credibilidade das denúncias expostas no livro? O autor e a editora possuem alguma estratégia para rebater essas críticas?
L.F.E.: O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso está mal informado a respeito do caso. Vai ter que puxar as orelhas de sua assessoria, porque Amaury Ribeiro está respondendo a processos assim como o próprio Fernando Henrique já respondeu e eu também. Ser processado não é desonra. O que desonra é se somos justamente condenados por algum crime.

Vermelho: Qual a repercussão dessas denúncias em sua opinião no cenário político? Seria o fim da trajetória política de José Serra? Acha que haverá investigação do Ministério Público?
LFE: A repercussão é enorme, espantosa. Não sei se é o fim de José Serra, ele precisa se defender. E se ele não sabia de nada do que sua filha e seu genro e amigos faziam? E se fizeram tudo aquilo em nome dele, coitado? O problema é que ele está calado e usando seus meios, que todos conhecem, para abafar o caso. Isso é muito suspeito. Quanto ao Ministério Público, que investiga todo mundo com base em qualquer denúncia, e-mails, recortes de jornais, imagino que vai entrar no caso, sim.

Vermelho: Você é um jornalista premiado e teve sua trajetória profissional marcada por vitórias e polêmicas. Incluindo um Prêmio Esso por Geração Abandonada. Você tem predileção por histórias polêmicas? Como faz a seleção de seus temas?
LFE: Bem, eu tenho orgulho de minha carreira, eu fui jornalista em jornais e na TV dos 23 aos 39 anos, deixei meu emprego muito cedo, porque já havia chegado ao topo e não queria mais ser subordinado a um patrão. Ganhei minha liberdade e sou uma pessoa totalmente feliz. Nunca pensei em ficar rico, tenho os pequenos negócios da família, a editora, estou produzindo filmes, e presto consultoria (de verdade!) para pouquíssimos amigos do sindicalismo e da política. Não é que tenho predileção por histórias polêmicas. O fato é que vivemos tempos em que buscar a verdade já é, em si, procurar polêmica.

Vermelho: Geração abandonada provocou a ira de alguns dos jovens integrantes do movimento punk paulistano, como o músico Clemente, líder da banda punk Inocentes, que chegou a falar: “Foi a coisa mais estúpida que já vi escrita sobre punk”. Como foi sua reação à reação deles? Chegou a conversar com eles sobre isso, já que o Clemente chegou a escrever para o jornal reclamando?
LFE: Eu não costumo debater com personagens de reportagens. Eu continuo fazendo jornalismo. Onde está o Clemente?

Niemeyer desafia as linhas do tempo e completa 104 anos

O homem que desafia as linhas retas e o tempo. Oscar Niemeyer completa 104 anos nesta quinta-feira (15). O famoso arquiteto brasileiro produziu mais de 600 obras no mundo inteiro, entre elas Brasília. Para marcar a data, Niemeyer apresentará os projetos que desenhou para a sede da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) em uma nova edição da revista que edita.




"Como sempre a comemoração será limitada a seus amigos mais íntimos, em casa, mas, para não deixar o dia passar em branco, Niemeyer fez coincidir o aniversário com o lançamento da 11ª edição da (revista) Nosso Caminho", disse Luiz Otavio Barreto Leite, um de seus colaboradores.

A revista, outra iniciativa de Niemeyer para continuar ativo e expor suas ideias, destacará nesta edição os planos da sede da Universidade Latino-Americana, que está sendo construída em Foz do Iguaçu, na fronteira com Argentina e Paraguai.

"A revista incluirá um texto inédito sobre o Haiti do (escritor uruguaio) Eduardo Galeano e uma extensa homenagem a Vinícius de Moraes, mas no que Niemeyer mais trabalhou foi na apresentação de suas ideias para a Universidade Latino-Americana e dos diferentes detalhes da obra", antecipou seu colaborador.

De acordo com Leite, "se trata de um projeto pelo qual Niemeyer tem muito apreço" e com o qual quer desenvolver uma velha aspiração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da atual governante Dilma Rousseff.

O projeto para a universidade, que ocupará 40 hectares na sede de Itaipu, a hidrelétrica compartilhada por Brasil e Paraguai, inclui seis edifícios, alguns já em construção, destinados à reitoria, biblioteca, anfiteatro, restaurante, laboratórios e salas de aula.

Segundo o Governo Federal, a universidade terá capacidade para dez mil estudantes, metade brasileiros e metade de outros países latino-americanos, e oferecerá cursos nas áreas de ciências e humanidades, tanto em espanhol como em português.

A revista Nosso Caminho também apresentará em sua nova edição outros dois projetos desenvolvidos pelo arquiteto nos últimos meses. O primeiro é uma residência particular na Inglaterra que Niemeyer, nascido no Rio de Janeiro em 15 de dezembro de 1907, quer transformar em um modelo da arquitetura moderna.

O outro é o Teatro Musical Rio's, um enorme espaço destinado a shows e musicais, situado no Aterro do Flamengo, que ainda precisa do aval do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e da Prefeitura do Rio para sair do papel.

"A dedicação às diferentes obras que lhe encomendaram, à revista, a seus encontros com amigos para falar de filosofia e a outras atividades é uma forma de mostrar que quer seguir ativo e que não pensa em se aposentar", comentou o colaborador de Niemeyer.

Há exatamente um ano, quando completou 103 anos, o arquiteto de Brasília surpreendeu ao apresentar a letra de um samba que compôs com o enfermeiro Caio Almeida e o músico Edu Krieger. A composição foi a forma que encontrou para se distrair durante o período em que esteve internado em um hospital pelos problemas de saúde que sofreu no ano passado.

Por ocasião do 104º aniversário do artista, o recém criado Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) do Rio de Janeiro realizará sua primeira reunião em homenagem a Niemeyer, um dos impulsores do órgão. Com a nova entidade, estruturada não apenas no Rio, mas em todas as unidades da Federação, os 120 mil arquitetos e urbanistas do país deixam de ser vinculados aos conselhos regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Creas) e passam a ter o seu próprio órgão fiscalizador do exercício profissional.

A principal atribuição do CAU, que somente no estado do Rio de Janeiro reúne cerca de 20 mil arquitetos e urbanistas, será a de acompanhar, fiscalizar e normatizar o exercício profissional. Fora do âmbito estritamente legal, Sidney Menezes vê outro importante papel para o órgão.

Outra homenagem a Niemeyer acontecerá no Parque Dona Lindu, projetado por Niemeyer no Recife, onde será inaugurada nesta quinta-feira uma exposição retrospectiva de sua obra que incluirá esculturas, maquetes e desenhos.

Se o 103º aniversário do arquiteto esteve marcado pela inauguração de um dos edifícios que desenhou para o Centro Cultural Oscar Niemeyer em Avilês, na Espanha, o 104º o estará por mudanças na administração do espaço e a possível retirada do nome do brasileiro do complexo.

O Governo do Principado de Astúrias anunciou no meio de uma polêmica que na quinta-feira assumirá a gestão do Centro, até agora administrado pela Fundação Oscar Niemeyer, e por isso o local terá que mudar

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Brasil do poeta matuto

Rosa Minine
No Tabuleiro do Brasil do 'matuto' Geraldo do Norte tem muita música popular cultural brasileira. Esse operário/artista que partiu do Rio Grande do Norte para o Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida, não esquece suas raízes nordestinas, mas também não deixa de apreciar e divulgar a de todo o país, de norte a sul, encontrando no regionalismo os segredos de um povo.


— Eu tinha um projeto de nome Brasil caboclo que pretendia apresentar em uma rádio comunitária ou mais adiante quando me aposentasse e conseguisse alugar um horário em uma rádio. Até que o presidente da Casa Lima Barreto, que também gosta de música boa, levou o projeto para a diretoria da Rádio Nacional, por ocasião de sua reforma, que me chamou — explica Geraldo, que há anos trabalha em obras, com carteira assinada, para garantir o sustento dos filhos.

Geraldo gosta de usar o termo matuto por se considerar um e principalmente, para resgatar a figura do verdadeiro matuto, que diz ter sido deturpada na cidade grande.

— Meu avô foi tropeiro, considerado matuto, e nos dava muitos ensinamentos de homem da roça. Mas o nome 'matuto' passou a ser destinado à pessoa que carregava droga, 'oh! O matuto veio e foi preso', e eu disse 'que negócio é esse? Matuto são os tropeiros, são os poetas, são os repentistas'. Com esse pensamento gravei meu primeiro CD. Empolguei, porque o povo merece, e fiz o segundo, com muita poesia matuta, e a partir daí começou a aparecer cantador matuto, e está muito bom — conta Geraldo, acrescentando que declama muitas de suas poesias e de outros grandes poetas.

O programa é transmitido de domingo a domingo, das 3 às 6 da manhã, ao vivo.

— A maioria dos nossos ouvintes são pessoas que estão levantando e saindo para trabalhar. É o caminhoneiro que repousou no posto de gasolina, o pescador que está saindo com sua rede, é o agricultor, o bóia-fria, o trabalhador em geral. E cobrimos todo o país por causa do horário, que normalmente proporciona que as ondas alcancem maior distância, tocando de Zé da Onça a Chico Buarque (risos) — expõe.

— A idéia do projeto Brasil Caboclo é tocar a música que a maioria das rádios não toca. Aquela que é consumida na 'sala de reboco' em Recife, na 'Capitania das Artes' em Natal, no 'Dragão do Mar' em Fortaleza, no 'Galpão Crioulo' em Porto Alegre, no 'Espaço Mamberte' em São Paulo, o 'Via Roça' em Campinas, o 'Bip-bip' no Rio, e muitos outros pontos de resistência espalhados pelo país — explica.

— É o Brasil de norte a sul, esse regionalismo fantástico: a viola caipira, a música gaúcha, os ritmos nordestinos, enfim, onde tem povo, cultura, manifestação popular, tem algo para tocar no programa. Na primeira hora apresento uma poesia matuta ou caipira, e nesta hora entra muito São Paulo e Minas Gerais. Na segunda tocamos folclore: é a hora de Jararaca e Ratinho, Alvarenga e Ranchinho, Capitão Furtado, Rolando Boldrin e outras personalidades. Na terceira hora tem os repentistas, que são a resistência maior em termos de crítica social — acrescenta.

— Muita gente diz que eles fazem palavreado escancarado de pornografia, mas isso é um equívoco, e aconteceu também com o coco. Na verdade, esses palavreados que incentivam a prostituição não é coco e nem repente, e sim 'punha de feira', só que muita gente confunde, porque parece que é feito para confundir mesmo. São imitadores baratos, e o mesmo acontece em diversos gêneros da música brasileira: tem os que cantam, tocam, compõem, e os que imitam, de forma negativa, e são trabalhados pela mídia — continua.

Música ruim não é música
— Nem tudo que se toca por aí é música. Tião Carreiro falou certa vez: 'música ruim não é música', e é exatamente o que penso. Esses axés, funks e muitos outros, são apenas apêndices. A maioria nem é brasileira, cheia de elementos de fora. E não posso considerar que um país que tem Pixinguinha, Zé Fortuna, Luis Gonzaga, possa aceitar que qualquer 'menino' com um teclado faça um negócio qualquer e fale que é música. A cultura não aceitou colonização e nem dinheiro: não adianta ser rico e dizer que é artista, tem que mostrar a sua arte — declara.

Geraldo diz que, infelizmente, a Feira de São Cristóvão, considerado reduto nordestino no Rio, atualmente tem pouca coisa que se aproveite.

— Culturalmente falando, aquela música que eles consomem lá não tem nada a ver com região nenhuma do Brasil. É um apêndice do forró, que chamamos de 'forró de granja' ou 'miojo', que já vem pronto e faz mal. São produtos culturais de '1,99', que eles passaram a consumir, o que é uma pena. Os tradicionais que estiveram por lá não receberam consideração, como Dominguinhos, que passou pela Feira e não teve o respeito que merece — comenta.

— É muito mal estruturada. Por exemplo, temos bons repentistas por lá, mas para sobreviver com uma barraca tocando rap de um lado e outra uma 'coisa safada' qualquer, muitos desses aderiram a 'punha de feira', o que é lamentável, até porque ali existia um projeto, que eu fui convidado até a participar, em que as atrações seriam selecionadas por horário. O repentista estaria no palco de nove da manhã as duas da tarde. Então as pessoas estariam almoçando e ouvindo aquela coisa bonita. Depois era a vez do forró e de madrugada soltavam a 'lixarada', mas não foi nada disso — acrescenta.

— Vemos os 'repentistas' se esgoelando no meio de um canto e de outro, fazendo com que fiquem horrorizados os que passam perto. Muita pornografia nas letras, ensinando tudo de ruim. O pior é que temos um problema enorme de prostituição infantil no país, com um governo gastando milhões para combater isso e, ao mesmo tempo, não fazendo nada contra uma propaganda aberta igual a essa, que incentiva claramente essas coisas. É uma grande contradição e falta de respeito com o povo. Uma delas, inclusive — continua.

Uma das alegrias de Geraldo do Norte é que no Nordeste essa realidade tem mudado bastante nos últimos anos.

— Hoje o carnaval de Recife, o São João nordestino, e em muitas outras partes estão maravilhosos. As únicas porcarias mesmo aconteceram em Campina Grande e um pouco em Sergipe, mas Recife e Caruaru não aceitaram forró de granja. Está havendo uma reação contra lixos, com oportunidade para a música brasileira — declara.

— Essa filosofia do USA de se comprar uma muda de coqueiro por cinco dólares e gastar quinze para adubar, ou seja, fazer um disco com dez mil reais e gastar cinquenta para divulgar, pagando jabá e algo no gênero, tomou conta do mundo, mas como fala o poeta José Atanásio Borges Pinto 'é preciso não seguir sinuelo e nem ter canja de novo, que na ânsia de copiar modelo, se mata às vezes a raiz de um povo'. E já é hora de se acordar para isso — conclui Geraldo do Norte.


Arte herdada

Rosa Minine
Filha da cantora, atriz e produtora Heleni Ribeiro, e do cantor, compositor, instrumentista e maestro arranjador, Vidal França, Karina não podia ser outra coisa senão artista, ainda que tenha tentado. Com virtudes artísticas consideráveis, atuando como cantora, compositora, instrumentista e pesquisadora da boa música popular cultural brasileira, Karina tem consciência de sua arte e a presença dentro do universo da cultura musical de seu país, sentindo-se claramente parte dele, o que aparece no BrasiliAna, título de seu disco.

— Sou de uma família de artistas em geral, porque além de músicos, também tem mágicos, roteiristas, desenhistas. Minha mãe é cantora lírica e desde a barriga já ouvia muita música. Depois cresci ouvindo mais música, e só música boa. Até tentei não ser artista, fazer outra coisa na vida, mas não deu certo, estava no sangue mesmo.

Documentário resgata legado do maior poeta negro do Brasil

O documentário O legado de Solano Trindade resume a vida deste poeta, ator, teatrólogo e folclorista, considerado por Carlos Drummond de Andrade como o maior poeta negro do Brasil. Solano deixou grandes marcas por onde passou e um desses lugares foi a cidade de Embu, no interior de São Paulo, onde junto com outros grandes artistas transformou o local em "Terra das Artes".

Solano coloca em versos, de forma simples e lírica, a luta do povo negro para ganhar o seu
espaço no país, e declara em suas obras a importância deles ao agregar valores estéticos,
morais e culturais à nossa sociedade. Sua paixão por movimentos de expansão da cultura negra através da arte foi transmitida para toda a família Trindade, que faz questão de divulgar e manter viva a imagem desse grande artista do povo.

A TV Vermelho agradece a dica deste vídeo ao internauta Eder Bruno. Indique você também seus vídeos para a nossa TV através do email tvvermelho@vermelho.org.br.

Morreu João Pequeno, mestre baiano da Capoeira Angola

Morreu, às 14 horas desta sexta-feira (9), no Hospital Teresa de Lisieux, em Salvador, Bahia, o grande mestre de Capoeira Angola, João Pequeno, discípulo de Pastinha, o eterno Mestre Pastinha.

Mestre João Pequeno completaria no próximo dia 27, 94 anos de vida, uma vida de labutas, lutas, conquistas e arte. Arte que herdou dos ancestrais africanos e do seu grande mestre, o Pastinha, de quem recebeu o encargo de levar adiante, em sua Academia, os ensinamentos da Capoeira Angola.

A morte de Mestre João Pequeno é uma perda irreparável para a Capoeira na Bahia e no Brasil. Era ele o maior diplomata desta arte. Ganhou fama e notoriedade com seu talento e capacidade para transmitir os fundamentos dessa arte, síntese de luta e dança. Viveu toda a sua vida na Bahia, como seu antecessor, o Mestre Pastinha, morto há 30 anos.
Mestre João Pequeno nasceu em 27 de dezembro 1917, emnasceu em Araci no interior da Bahia. Aos quinze anos, fugiu da seca a pé, indo até Alagoinhas seguindo depois para Mata de São João onde permaneceu dez anos e trabalhou na plantação de cana-de-açúcar como chamador de boi, então conheceu Juvêncio na Fazenda São Pedro, que era ferreiro e capoeirista, quando tomou o primeiro contato com essa arte que sintetiza dança e luta.

Aos 25 anos, mudou-se para Salvador, onde trabalhou como condutor de bondes e na construção civil como servente de pedreiro, pedreiro, chegando a ser mestre de obras. Foi na construção civil que conheceu Cândido que lhe apresentou o mestre Barbosa que era um carregador do Largo 2 de Julho. Inscreveu-se no Centro Esportivo de Capoeira Angola, que era uma congregação de capoeiristas coordenada pelo Mestre Pastinha. Desde então, João Pereira passou a acompanhar o mestre Pastinha que logo ofereceu-lhe o cargo de treine, por volta de 1945.

Algum tempo depois João Pereira tornou-se João Pequeno. No final da década de 1960, quando Pastinha não podia mais ensinar passou a capoeira para João Pequeno dizendo: “João, você toma conta disto, porque eu vou morrer mas morro somente o corpo, e em espírito eu vivo, enquanto houver Capoeira o meu nome não desaparecerá”.

Na academia do Mestre Pastinha, João Pequeno ensinou capoeira a todos os outros grandes capoeiristas que dali se originaram e mais tarde tornaram-se grandes Mestres, entre eles João Grande, que se tornou seu grande parceiro de jogo, Morais e Curió.

Para João Pequeno, o capoeirista deve ser uma pessoa educada “uma boa árvore para dar bons frutos”. Para ele, a capoeira é muito boa não só para o corpo que se mantém flexível e jovem, mas também para desenvolver a mente e até mesmo servir como terapia, alem de ser usada de várias formas, trabalhada como a terra, pode-se até tirar o alimento dela.

João Pequeno via a capoeira como um processo de desenvolvimento do indivíduo, uma luta criada pelo fraco para enfrentar o forte, mas também uma dança, na qual ninguém deve machucar o par com quem dança, defendia a idéia de que o bom capoeirista sabe parar o pé para não machucar o adversário.

Algum tempo após a morte do mestre Pastinha, em 1981, o mestre João Pequeno reabre o Centro Esportivo de Capoeira Angola (Ceca) no Forte Santo Antônio Além do Carmo(1982), onde constitui a nova base de resistência, onde a Capoeira Angola despontaria para o mundo. Embora encontrando várias dificuldades para a manutenção de sua academia, conseguiu formar alguns mestres e um vasto numero de discípulos.

Na década de 1990, houve várias tentativas por parte do governo do estado da Bahia para desocupar o forte Santo Antônio para fins de reforma e modificação do uso do forte, paradoxalmente em um período também em que foi amplamente homenageado recebendo o titulo de cidadão da cidade de Salvador pela Câmara Municipal, Doutor Honoris Causa pela Universidade de Uberlândia, e Comendador de Cultura da República, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

”É uma doce pessoa”, é o que afirmavam todos os que tiveram a oportunidade de conhecer o Mestre João Pequeno, cuja simplicidade, espontaneidade e carisma seduzia a todos que iamo até o Forte Santo Antonio conferir suas rodas de Capoeira.

Além de ter impressionado a todos os que tiveram a oportunidade de vê-lo jogar com a sua excelentíssima capoeira e mandigagem, João Pequeno destacou-se como educador na capoeira, uma autoridade maior na capoeiragem de seu tempo, um referencial de luta e de vida em defesa da nobre arte afrodescendente.

Com informações de Kalila Pinto.
Fonte Biográfica: Mestre João Pequeno, Uma vida de Capoeira, de Luiz Augusto Normanha Lima, Professor da Universidade Estadual Paulista - Rio Claro.