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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Sai lista de habilitados ao Bolsa Funarte para artistas negros

A Fundação Nacional das Artes (Funarte) divulgou, nesta segunda-feira (29/12), a lista com 1.405 projetos habilitados ao Edital Bolsa Funarte de Fomento aos Artistas e Produtores Negros. Ao todo, foram recebidas 1.743 inscrições. O edital vai premiar 45 iniciativas que promovam a reflexão, a pesquisa de linguagem e a criação nas áreas de artes visuais, circo, dança, música, teatro, preservação da memória e artes integradas. 
 
Com investimento total de R$ 4 milhões, oriundos do Fundo Nacional de Cultura (FNC), a seleção vai distribuir premiações em três módulos. Para o módulo A, serão destinados 15 prêmios de R$ 150 mil; para o módulo B, 12 prêmios de R$ 80 mil; e para o módulo C, 18 prêmios de R$ 30 mil. O objetivo é proporcionar aos produtores e artistas negros oportunidade de acesso a condições e meios de produção artística. O edital foi publicado pela Funarte no Diário Oficial da União em 25 de agosto de 2014. 
 
Interessados poderão recorrer até a próxima quarta-feira (31/12). Os pedidos deverão ser encaminhados para: artistaseprodutoresnegros@funarte.gov.br, com a seguinte identificação no assunto da mensagem:"Recurso Etapa 1".

É tempo de Folia de Reis

Até 20 de janeiro, cortejos movimentam diferentes pontos do estado

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A Folia Penitentes do Santa Marta, na zona sul carioca, é comandada pelo mestre Riquinho  (Crédito: Divulgação)

De 24 de dezembro a 20 de janeiro, as ruas, estradas, vilas e povoados de todo o estado do Rio estarão tomados pela Folia de Reis, festejo de origem católica que reproduz, todos os anos, a viagem dos três reis do Oriente a Belém. Guiados por uma estrela, eles partiam para visitar o menino Jesus, nascido há 2014 anos e que, como confirmavam as profecias, mudaria o rumo da história dos homens. Presente em países como Portugal e França, a folia se misturou a elementos da cultura africana, se desenvolvendo amplamente em áreas rurais do interior do estado. Na capital, sua presença, outrora mais significativa, se mantém graças à tradição familiar e à religiosidade dos foliões, que lutam contra a falta de recursos financeiros.

No Rio, folia acontece em duas etapas

O ciclo de apresentações dos foliões é dividido em duas etapas. A primeira começa na noite do dia 24 e vai até 6 de janeiro, quando cantam em louvor aos reis. A segunda, de 7 a 20 do mesmo mês, é dedicada a São Sebastião, padroeiro da cidade. No interior, os festejos estão alinhados à primeira etapa, como esclarece Francisco José, presidente da Associação dos Grupos de Folias de Reis de Valença, o maior pólo de folias do estado, com pelo menos 35 grupos em atividade. “Saímos na primeira hora do dia 25 e vamos até os dias 5 e 6 de janeiro, quando fazemos um grande encontro das folias ao lado da Catedral de Nossa Senhora da Glória, nossa igreja principal. Somos considerados pela imprensa local como a segunda maior festa do município em termos de público, reunindo de 12 a 15 mil pessoas no alto da catedral. Vem gente de todos os estados, do Brasil inteiro”, orgulha-se Francisco, à frente do Folia Irmãos Ferreira, criada com primos e irmãos.

Na capital, por sua vez, os festejos se estendem até o dia de São Sebastião, movimentando locais da Zona Norte da cidade, como a comunidade da Mangueira, e da Zona Sul, especialmente o morro Santa Marta, em Botafogo.

Na Zona Norte do Rio se destaca a folia da comunidade da Mangueira, a Folia de Reis Sagrada Família da Mangueira, representada pelo mestre Hevalcy Silva e pelas cores verde, rosa, azul e amarelo. “A folia sempre esteve presente na minha vida, desde a infância. Sempre gostei de participar, assim como minha bisavó, e acredito que herdei isso dela. A fé, a religiosidade e as graças alcançadas pelos devotos são os aspectos que nos motivam a continuar”, defende Hevalcy, que se tornou mestre com apenas 17 anos. Existem duas folias na comunidade mangueirense, ambas tradicionais: além da Sagrada Família tem também a Manjedoura da Mangueira, do mestre Milton Lerci Gomes. Esta última folia, com as cores verde, branco e rosa, foi criada pela família de Milton em 1855, ainda em Minas Gerais. Na década de 1940, quando se mudou para o Rio de Janeiro, trouxe com ele a tradição da folia. “Eu cresci apreciando essas duas festas e mais tarde integrando, até chegar a ser o responsável pela Sagrada Família hoje, o que já tem quase vinte anos”, afirma Hevalcy para, em seguida, explicar parte do trajeto adotado pelos foliões este ano. “Nós percorremos a nossa comunidade e outras também, como Vila Cruzeiro,na Penha  e Chapéu Mangueira, no Leme. Nesta sexta-feira (26) estaremos na Vila Cruzeiro. No dia 3, às 17h, estaremos cantando na igreja do Largo do Machado. No dia 11 de janeiro, participaremos de dois festivais de Folia de Reis, em Areia Branca e na praça do Cruzeirinho, em Heliópolis, em Belford Roxo. Por fim, no dia 20 de janeiro, a partir das 17h, acontece o encerramento da jornada, com a entrega da bandeira na nossa sede, que fica na Rua Visconde de Niterói, 354, Mangueira”.

Em Botafogo, Zona Sul carioca, Riquinho é o atual mestre da azul e branca Penitentes do Santa Marta. “Minha família sempre esteve ligada a essa festa. Meu pai, lá na terra dele, em Miracema, já conhecia a Folia de Reis”, esclarece o mestre da folia que teve origem no bairro da Ilha do Governador em meados da década de 1950, sob o nome de Folia do Mestre Zé Cândido. O pai de mestre Riquinho, José Diniz, dava seus primeiros passos como folião. No final da década de 1950, em parceria com os mestres Luiz e Dodô, ajudou a transferir a folia para o morro Santa Marta, onde foi rebatizada, passando a ser chamada pelo nome que carrega até hoje. José Diniz tornou-se mestre nos anos 1980 e, por mais de trinta anos, assumiu o controle dos encontros e das práticas que faziam parte da festa. Quando o pai morreu, foi o filho que manteve a tradição. “Eu sou mestre há cinco anos, desde 2009, que foi quando meu pai faleceu. Para não deixar acabar, os membros da Diretoria da Folia fizeram uma reunião e decidram manter os cortejos. Eu fui apontado como a pessoa mais indicada para ser mestre, pois já tenho mais de  quarenta anos de folia. E assim assumi”, esclarece Riquinho para, em seguida, relatar o trajeto adotado por seus foliões nos próximos dias. “No dia 28 vamos cantar na Rua 4 da Rocinha. No dia 4, em Tavares Bastos e na Glória. Dois dias depois, no dia 6, cantamos no Santa Marta e, no  dia 11 voltamos para a Rocinha, na Rua 1. Dia 17 vamos ao Santa Marta novamente, ao passo que no dia 18 vamos para a Cidade de Deus. Para encerrar a Folia de Reis, no dia 20, cantamos e fazemos a procissão de São Sebastião”.

Na Baixada Fluminense, Duque de Caxias já foi palco de inúmeras folias de reis e hoje, no entanto, poucas conseguem se manter. Uma das que resistem é a Flor do Oriente: há 150 anos, quatro gerações da família Vicente de Moraes carregam a mesma bandeira azul e branca que aportou em terras cariocas com o mestre Miguel Vicente de Moraes, em 1944. Depois assumiram o posto, respectivamente, Manoel, Marcos, Miguel e Waldir, tio do atual mestre, Rogério Silva de Moraes. “Estou envolvido com a folia desde a barriga da minha mãe. Este é meu oitavo ano como mestre. Meu pai faleceu em 2007, quando assumi”, afirma Rogério. A lista de lugares que serão visitados é longa. De casa em casa, passam pela Tijuca, Morro da Formigo, zona norte do Rio, nestes sábado e domingo (27 e 28); São José e Jardim Redentor, em Belford Roxo, no dia 1º, Praia de Mauá e Piabetá, em Magé, nos dias 3 e 4 de janeiro, Gramacho e São Bento, Duque de Caxias, Piabetá, Magé, e Parque Suécia, Duque de Caxias, nos dois dias seguintes. No segundo final de semana de janeiro (10 e 11), o cortejo passa por Miguel Couto e por Caonze, bairros de Nova Iguaçu. Já nos dias 17 e 18, as casas do bairro de Queimados serão visitadas e, para encerrar, Belford Roxo, Areia Branca, Vila São José e Vila do Rosário nos dias 19 e 20. Além da família inteira, a Flor do Oriente conta com mais de 40 integrantes, entre foliões e palhaços.

Sincretismo religioso ajudou a moldar a folia

Para Luciene Barbosa, do Departamento de Patrimônio Imaterial do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), a Folia de Reis “é uma manifestação que inclui várias vertentes do patrimônio imaterial: os saberes, representados pelo conhecimento da comunidade; a celebração, representada pelos rituais e festas; a vivência coletiva do trabalho; religiosidade; entretenimento; formas de expressão, representada por letra e música; relação com as artes cênicas, através da encenação e da indumentária e registros de lugares e espaços que fazem parte dos rituais, que merecem ser preservados por conta da prática religiosa e de entretenimento”, afirma. Ela destaca, ainda, o sincretismo religioso que permeia as folias brasileiras. “A folia de hoje é mantida pelo segmento afro-brasileiro, através da devoção e da fé aos santos, que também fazem parte do universo desta parte da população. A Folia de Reis vai além do catolicismo. Há um sincretismo religioso, com mesas com oferendas, santos e elementos da umbanda e do candomblé”, defende.

De pai para filho

“É tradição e a gente gosta. Eu saio em folia desde os nove anos, meu irmão, que é nosso mestre palhaço atual, sai desde os oito e o filho dele começou a sair com sete. Meu pai sempre foi folião, minha mãe é foliona, meus tios são foliões. O que me motiva é o prazer de ver o grupo na rua, cantando o nascimento de Jesus”, explica mestre Riquinho. “É uma festa muito bacana e lutamos para conseguir manter a tradição”, informa Francisco José. “Nós damos a vida para manter a tradição, não medimos esforços para manter viva a nossa cultura. É isso que nos move e nos faz tirar forças de onde é impossível, porque não recebemos nenhum tipo de ajuda, é tudo movido pela fé”, desabafa mestre Rogério. Os discursos dos mestres em atuação no Rio de Janeiro se assemelham, exaltando aspectos como tradição e religiosidade, destacados também por Luciane. “Eles agregam pessoas a partir de um núcleo familiar que tem como referência um mestre ou uma mestra dentro daquela folia. Ao longo dessa trajetória de preservação, as folias sobrevivem em regiões como baixada e norte fluminense, além da região do médio Paraíba”, diz Luciane.

Ensaios começam cedo e contam com a presença de crianças

Para percorrer diversos endereços e fazer bonito, os foliões começam a ensaiar com antecedência, geralmente entre agosto e setembro, como destaca Hevalcy, mestre da Folia de Reis Sagrada Família da Mangueira. “Os ensaios começam em setembro, durante os fins de semana e vão até próximo à saída, em dezembro”. Francisco José, de Valença, reafirma a importância dos ensaios. “Começamos a nos reunir na segunda semana de agosto e, a partir do primeiro sábado de outubro começamos a ensaiar, em finais de semana alternados. Há dois sábados atrás encerramos os ensaios, até para que todos possam estar preparados para encarar uma jornada de doze dias”. Outro aspecto importante em relação às folias é a presença das crianças, já que são elas que garantem a perpetuação do movimento. “Temos um projeto chamado Três Reis Mirins, voltado para crianças e adolescentes. Eles fazem dinâmicas, trabalhos em grupos, aprendem a poesia dos palhaços, a cantoria, a tocar os instrumentos. É um incentivo para que participem da folia e se tornem futuros foliões”, diz o mestre da Folia de Reis Sagrada Família da Mangueira.

No maior pólo de folias do estado, as crianças precisam saber como se portar em um movimento religioso e tirar boas notas na escola. “O envolvimento das crianças é bem bacana. Fazemos uma pequena reunião com os pais para saber se a criança é comportada, já que se trata de um movimento religioso, e se vai bem na escola. Nós somos ponto de cultura, então levamos a Folia de Reis para as escolas, onde conseguimos incluir um número maior de crianças. Também mantemos uma escolinha de instrumentos, onde elas aprendem a tocar acordeão, viola, violão e cavaquinho, por exemplo. Caso as crianças não tenham aptidão musical e queiram participar, elas podem se envolver em outros processos, como os palhaços. Temos um número muito grande de palhaços em nossos grupos. Enquanto na maioria das folias esse número gira em torno de seis a sete, temos folias aqui em Valença com cerca de 60 e 70. A intenção é fazer com que as crianças mantenham a tradição”, assegura Francisco José.

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Saiba mais em Programação Cultural.

Colaboração de Danielle Veras

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Diego Rivera: Murais para o Museu de Arte Moderna


O levante, mural de Diego Rivera, em exposição pela segunda vez no MoMA
Pinturas murais de Diego Rivera retornam a Nova Iorque depois de 80 anos: desde o dia 13 de novembro de 2011 até 14 de maio de 2012, o Museu de Arte Moderna, o MoMA, apresenta a exposição do pintor e muralista mexicano com o tema "Murais para o Museu de Arte Moderna".


Diego Rivera
Em dezembro de 1931, esses murais foram expostos pela primeira vez. Naquela época, o MoMA montou uma grande exposição dessas obras de Diego Rivera, que atraiu um grande público durante as cinco semanas da mostra. O artista, que era comunista, defendia a resistência contra a conquista espanhola e a Revolução Mexicana  (1910-1917). Seus murais são obras de forte conteúdo social e inspirou inúmeros artistas ao redor do mundo, inclusive nos Estados Unidos.


Rivera já gozava de grande prestígio internacional e era a figura mais conhecida do muralismo mexicano, um movimento de arte pública que surgiu nos anos vinte, no final da Revolução mexicana. Mas os murais, gigantescos, não podiam ser transportados para uma exposição em Nova Iorque. Para resolver esse problema, o Museu levou Rivera àquela cidade seis semanas antes da inauguração da exposição. Lá, foi improvisado um ateliê numa das galerias que estava vazia. Rivera criou, então, cinco “murais portáteis” que comemoravam episódios da  história do México, e que ocuparam um lugar de destaque no Museu.


Depois da inauguração da mostra, Rivera fez mais três murais inspirados na cidade de Nova Iorque na época da Grande Depressão. Essa mostra que repete a de 1931,  revela o papel fundamental de Diego Rivera nos debates acerca da influência social e política da arte mural durante o período da crise econômica causada pelo crash de 1929.


Zapata, líder camponês
Daqueles cinco murais sobre a história mexicana se destacam "Zapata Líder Camponês", onde que o líder revolucionário com um cavalo branco guia os camponeses, enquanto um latifundiário jaz morto ao chão. Um outro é o "Guerreiro Índio", um asteca vestido de jaguar crava uma faca no pescoço de um conquistador espanhol.


E das pinturas sobre Nova Iorque durante a crise de 1929, o quadro "Eletricidade" (abaixo) representa trabalhadores dentro de uma usina, em pleno esforço de manter a cidade funcionando. "Furadeira Pneumática" e "Fundos Congelados" mostram o processo de industrialização na América.


A exposição inclui desenhos, esboços e material de arquivos relacionados com a passagem de Rivera em Nova York entre 1931 e 1932. A mostra fica aberta à visitação pública até o dia 14 de maio próximo.


O pintor Diego Rivera


Diego Rivera nasceu em 8 de dezembro de 1886, em Guanajuato, México. Passou para a história da pintura por executar obras de alto conteúdo social em edificios públicos, os famosos murais mexicanos. Ele criou esses murais em diversos pontos do centro histórico da Cidade do México e em outras ciudades mexicanas, como Cuernavaca e Acapulco. Mas também fez murais em São Francisco na Califórnia, em Detroit e Nova Iorque, nos Estados Unidos.


Rivera e sua esposa, a pintora Frida Kahlo, 1932
Em sua certidão de batismo ele foi registrado com o nome enorme de Diego María de la Concepción Juan Nepomuceno Estanislao de la Rivera y Barrientos Acosta y Rodríguez.


Com apenas 10 anos de idade, começou a ter aulas de desenho na Academia de São Carlos, na capital mexicana. Em 1905, recebeu uma bolsa para estudar na Espanha, onde fez estudos sobre a obra de Francisco Goya, El Greco e Pieter Brueghel. Passou a frequentar o atelier do pintor espanhol Eduardo Chicharro, em Madri.


Entre 1908 e 1916 ele residiu em muitos lugares: México, Equador, Bolívia, Argentina, Espanha e França. Em Paris, teve contato com intelectuais e artistas em Montparnasse, tradicional bairro de artistas parisiense, entre eles Alfonso Reyes Ochoa e Pablo Picasso. Com esses contatos, ele se aproximou das novas correntes estéticas europeias, como o Cubismo. Mas se deixou influenciar também pela obra de Paul Cézanne, pintando telas com cores vivas, bem diferente de outros pintores mexicanos que também se tornaram muralistas.


Em 1920, com o apoio do embaixador mexicano na França, Alberto J. Pani, Diego Rivera viajou para a Itália, onde fez estudos da arte do Renascimento. De volta a seu país, em seguida, juntou-se aos muralistas mexicanos José Clemente Orozco, David Alfaro Siqueiros e Rufino Tamayo, assim como o artista francês Jean Charlot.
Eletricidade, em exposição no MoMA, inspirado na cidade de Nova Iorque na crise de 1929
Em janeiro de 1922 começou a pintar seu primeiro mural, no Anfiteatro Simon Bolivar da Escola Preparatória Nacional. Sua pintura começa a se converter num fator importante de influência do Movimento Muralista Mexicano e Latino-Americano. No mesmo ano, casou-se com Guadalupe Marin, também conhecida como "Gata Marín". Ela era de origem indígena mexicana, de pele morena, cabelos negros e fartos e os olhos verdes. Com ela, Rivera teve duas filhas.


Em setembro de 1922 começou a pintar o afresco da Secretaria de Educação Pública e foi co-fundador da União de Pintores, Escultores e Artistas Gráficos Revolucionários. Ainda em 1922 se filia ao Partido Comunista Mexicano, cujas ideias marcariam grande parte da vida e da obra de Diego Rivera. Vê-se a influência de suas ideias comunistas em sua pintura a partir de então. Passou em seguida a pintar os murais do Palácio Cortés em Cuernavaca e na Escola Nacional de Agricultura, de Chapingo. No Palácio Nacional da Cidade do México pintou, de 1929 a 1935, uma série de murais onde fazia uma narrativa da história mexicana desde os tempos dos aztecas até o século XX.


Fundos congelados, Nova Iorque no
tempo da crise de 1929, retratada por Rivera
Em 1927, Rivera foi convidado para os festejos dos 10 anos da Revolução de Outubro da União Soviética. Em 1929, casou-se pela terceira vez, com a pintora Frida Kahlo. Em 1930 foi convidado a ir aos Estados Unidos para a realização de diversas obras que tinham sido encomendadas. Sua temática comunista causou graves desentendimentos com as autoridades norte-americanas, assim como com a imprensa daquele país. Nos EUA, ele pintou na Escola de Arte de São Francisco e no Instituto de Artes de Detroit. Até que em 1933, o industrial John D. Dockefeller Jr o contratou para pintar um mural na parede de entrada do edificio RCA em Nova Iorque. Esse edificio fazia parte de um conjunto de prédios denominados Rockefeller Center. Ficava localizado na Quinta Avenida, um dos lugares mais famosos e emblemáticos do capitalismo norte-americano.


Mas Diego Rivera, mesmo assim, desenhou o mural intitulado “O homem controlador do universo”, onde aparecia um retrato de Vladimir Lenin, líder da revolução comunista da Rússia. Mas quando Rivera estava para terminar seu trabalho, a reação de críticos da imprensa gerou uma tal controvérsia que levou o próprio Rockefeller a encarar aquele mural como um insulto pessoal. Mandou cobrir o mural, para depois mandar destruí-lo.


Mas Rivera, de volta ao México em 1934, pintou o mesmo mural no terceiro piso do Palácio de Belas Artes do México.


Esboço para o mural "Liberação do peão"
Em 1946, pintou uma de suas obras mais importantes, “Sonho de uma tarde dominical na Alameda Central”, no recém construído Hotel del Prado da Cidade do México. Passa a integrar a Comissão de Pintura Mural do Instituto Nacional de Belas Artes, junto com os pintores José Clemente Orozco e David Alfaro Siqueiros.


Em 1950 ilustrou o livro “Canto Geral” do poeta chileno Pablo Neruda e ganhou o Prêmio Nacional de Ciências e Artes do México.


Nos anos seguintes, trabalhou sem cessar, em diversos murais, até sua morte, em 24 de novembro de 1957, em Santo Ângelo, Cidade do México. Morreu em sua casa, que era ao mesmo tempo seu atelier. Lá atualmente funciona o Museu Casa-Estúdio Diego Rivera e Frida Kahlo.
Liberação do peão

Michelangelo Buonarroti


A Capela Sistina vista de cima em meio a outra
construções do Vaticano
 
 
Nestes dias em que a notícia internacional mais comentada é a renúncia do papa Bento XVI, anunciada para o próximo dia 28 de fevereiro, um lugar especial do Vaticano entrará em destaque mais uma vez: a Capela Sistina. É lá que acontece a reunião (conclave) dos cardeais que vão eleger o papa e é da chaminé do fogão da capela que sairá a fumaça escura ou clara que apregoará a eleição ou não do novo dirigente da igreja católica.

Quando se fala em Capela Sistina impossível não lembrar de um dos maiores gênios da humanidade, o homem que, sozinho, foi responsável pela obra de arte pintada no teto da capela construída pelo papa Sisto IV (daí Capela Sistina): Michelangelo Buonarroti. Nesta segunda-feira, dia 18 de fevereiro, completam-se exatos 449 anos de sua morte com quase 90 anos de idade.

Michelangelo nasceu em Florença no dia 6 de março de 1475. Era filho de Lodovico Simon Buonarroti e Francesca di Neri Buonarroti, que tiveram muitos outros filhos. Sua mãe faleceu quando ele tinha seis anos de idade. Como a família era pobre, o pai encaminhou os filhos para aprender alguns ofícios. Michelangelo aos 13 anos de idade foi aprender desenho e pintura no ateliê de Domenico Ghirlandaio, outro pintor da Renascença.

Desde muito cedo seu talento se destacou. Sua disciplina e capacidade de concentração fizeram com que ele rapidamente atingisse um estágio muito avançado nas artes levando seu mestre Ghirlandaio a reconhecer que Michelangelo era melhor que ele, como diz Giorgio Vasari, um dos primeiros historiadores da arte, em seu livro “Vida dos Artistas” publicado pela primeira vez em 1550. O livro foi publicado aqui no Brasil pela Editora Martins Fontes, em 2011.

Já E. H. Gombrich, no livro “A história da Arte” diz que Michelangelo estudou com Ghirlandaio mas preferiu dedicar-se ao estudo da obra dos mestres do passado como Ghiotto, Masaccio, Donatello. E dos escultores gregos e romanos. “Lhe intrigava como os antigos sabiam representar a beleza do corpo humano em movimento, com músculos e tendões”. Foi aprender as leis da anatomia do corpo humano, dissecando cadáveres, como o tinha feito Leonardo. E fez desenhos com modelo vivo. Ao contrário de Leonardo “para quem o homem era apenas um dos muitos e fascinantes enigmas da natureza” Michelangelo se dedicou basicamente à figura humana. “Não havia postura nem movimento que ele achasse difícil desenhar”, observa. As dificuldades o atraíam.

Tondo Doni, pintada para Agnelo Doni
Lorenzo de Medici, o poderoso homem da família Medici de Florença e patrono de diversos artistas, abriu uma escola de escultura para onde Michelangelo foi enviado. Adolescente, ele fez um busto de mármore usando como referência uma escultura antiga. Lorenzo se surpreendeu com o talento do garoto e resolveu lhe pagar um salário mensal como incentivo e ajuda a seu pai. Enquanto isso, continua Vasari, ele estudou “durante muitos meses” as pinturas de Masaccio, um dos primeiros grandes pintores italianos junto com Giotto. É bom lembrar que a pintura italiana daquela época era feita basicamente em afrescos (pintura feita diretamente na parede com a massa ainda fresca).

Rapidamente a fama de Michelangelo cresceu e, junto com a fama, a inveja, observa Giorgio Vasari. Ao longo de sua vida, o artista passou por diversos entreveros com outros pintores e escultores. Ainda na escola de Lorenzo de Medici, seu colega Torrigiano deu-lhe um soco que lhe quebrou o nariz. Michelangelo levou essa marca até o fim da vida.

Seu temperamento era difícil, impaciente, explosivo. Não se dobrava para ninguém. Certo dia - conta-nos Vasari - um rico mercador florentino, Agnolo Doni, lhe encomendou uma pintura (que hoje está na Galeria degli Uffizi e se intitula “Tondo Doni”). Quando terminou a pintura, Michelangelo enviou-a através de um mensageiro, junto com a conta: 70 ducados. Agnolo, rico e avarento, achou muito caro para uma pintura e enviou-lhe 40 ducados. Michelangelo devolveu o dinheiro e mandou dizer que ou Agnolo pagava 100, ou queria a pintura de volta. Agnolo respondeu que então pagava os 70 ducados iniciais. Michelangelo respondeu-lhe que agora a pintura valia 140. Como o rico mercador queria muito a pintura, pagou os 140...

Logo ele fez o caminho que inúmeros artistas fizeram: mudou-se para Roma. Lá “fez tantos progressos no estudo da arte, que era incrível ver a facilidade com que punha em prática os elevados pensamentos e tornava facílimo tudo o que era difícil...”, observa Vasari.


Pietá, escultura em mármore
Logo, um abade, Jean Bilhères de Lagranles, encomendou a ele uma escultura representando a “Piedade”. Michelangelo esculpiu sua famosa “Pietá” e ele mesmo ficou tão satisfeito com o resultado de seu trabalho que escreveu seu nome no cinto que cinge o peito de Maria, única assinatura feita em suas obras. Sua fama aumenta mais ainda.

Seus amigos de Florença o convidam a voltar para aquela cidade. Um escultor tinha começado uma figura de um gigante em uma pedra e tinha cometido um erro que não dava mais pra corrigir. A pedra enorme estava abandonada. Michelangelo a pediu aos construtores de uma obra, que lhe deram sem nada cobrar. Ele fez um modelo em cera, representando o David da Bíblia bem jovem, com uma pedra na mão. “Fez um tapume de madeira e alvenaria ao redor do mármore e, trabalhando ininterruptamente, sem ser visto por ninguém, terminou tudo perfeitamente”. Estava executada em mármore sua famosa obra David.

David

Nesta época, Leonardo da Vinci, que era 23 anos mais velho que ele,  pintava uma parede na Câmara de Vereadores de Florença. Piero Soderini, um dos administradores da cidade, pediu que Michelangelo pintasse a outra parede.

Em “A História da Arte”, Gombrich enfatiza que quando Michelangelo e Leonardo pintavam ao mesmo tempo essas paredes aconteceu o “momento espetacular na história da arte quando esses dois gigantes competiram pela conquista dos louros e toda a cidade assistiu com excitação ao desenrolar dos preparativos de ambos”.

Logo a fama dele chegou ao papa Júlio II, que lhe pediu a execução de um mausoleu, uma “ obra que em beleza, soberba e invenção superasse toda e qualquer sepultura imperial antiga”. Isso animou Michelangelo, que foi logo para Carrara escolher o melhor mármore. O modelo que ele fez para essa construção era repleto de figuras e adornos complexos. Conseguiu concluir a famosa escultura de Moisés, que faz parte do conjunto. Mas teve que interromper sua obra porque o papa lhe chamou para outra tarefa. Júlio II havia tomado de volta a cidade de Bologna dos Bentivoglio, e quis ter uma estátua que lembrasse esse feito.

Enquanto trabalhava nela, um ourives e pintor foi vê-la. Michelangelo não gostava que o vissem trabalhando, mas fez esse favor por intercessão de uns amigos. Alguém perguntou ao pintor o que ele tinha achado do trabalho de Michelangelo, ao que ele respondeu que a fundição era muito bonita. Michelangelo entendeu que ele elogiava mais o bronze do que seu trabalho e lhe disse: “Vai para o inferno, tu e Cossa, seus dois grandes ignorantes de arte!” Uma senhora da corte de Bologna também foi ver a estátua. Achou-a muito terrível e feroz e observou que ela mais parecia uma maldição do que uma bênção. Resposta de Michelangelo: “Para a maldição foi feita!”
.......

Paredes internas e teto da Capela Sistina
A pintura da Capela Sistina


O papa Júlio II,
pintura de Rafael
Júlio II era sobrinho do papa Sisto IV que havia construído uma capela dentro do Vaticano, a hoje conhecida Capela Sistina. As paredes laterais já tinham sido pintadas por artistas como Sandro Botticelli, Rafael e Bernini. Por isso pediu a Michelangelo que pintasse o teto da capela, que ainda estava todo branco e acertou de pagar ao artista o valor de 14 mil ducados por todo o trabalho.

No princípio, pelo tamanho da tarefa que tinha pela frente, Michelangelo pensou que podia contratar ajudantes, a quem ele iria ensinar como desenhar e pintar “aos artistas modernos”. Para isso, chamou alguns conhecidos pintores. Já na obra na capela, Michelangelo pediu-lhes que pintassem algumas figuras como amostra de seu trabalho. Não gostou do resultado. Certa manhã, diz Vasari, “resolveu lançar por terra tudo o que tinham feito”. E fechou a porta de capela Sistina para eles, que voltaram para Florença. Michelangelo resolveu pintar tudo sozinho.
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Capela Sistina
Lançou-se ao estudo e ao trabalho de forma incansável, durante quatro anos. Ele “tinha de deitar-se de costas e pintar olhando para cima”, diz Gombrich, e com isso seu corpo sofreu muito e ele ficou tão acostumado a trabalhar deitado e olhando para cima que até mesmo para ler cartas ele tinha que fazer nessa posição. A capela tinha poucas e estreitas janelas e a luminosidade é pouca. Mas quando se olha para cima, diz Gombrich, “o teto é simples e harmonioso”, é “límpido todo o arranjo” e as cores “fortes e luminosas”.

Enquanto ele trabalhava, ninguém podia ver o que fazia. Nem o papa. Mas Júlio II estava muito curioso para ver em que pé ia o trabalho do artista. Pensando que Michelangelo estava fora, pediu que lhes abrissem a porta da Capela. Mas nem deu o primeiro passo lá dentro, quando Michelangelo, que trabalhava em um dos andaimes, começou a atirar-lhe pedaços de madeira nas costas. Júlio II saiu correndo, com raiva e medo, e “fazendo ameaças”. Michelangelo desceu do andaime e entregou a chave da porta da capela para Bramante de Urbino, um arquiteto, e foi-se embora para Florença. Ouviu do papa coisas que o tinham ofendido muito e por isso não voltaria a Roma nunca mais.


Mas, diante dos pedidos de diversas pessoas, e não querendo que uma obra como aquela ficasse inacabada, Júlio II resolveu perdoar Michelangelo e o chamou de volta. Vasari completa que Michelangelo estava “firmemente decidido a não voltar, pois não confiava no papa.” Mas os apelos foram feitos e o pintor resolveu voltar e retomar seu trabalho. O papa, a partir de então, o tratou sempre com “presentes e lisonjas”. Michelangelo terminou a obra.

Sobre essa tarefa artística que exigia um gênio para executá-la, resumiu Giorgio Vasari:

“Ó feliz idade esta nossa, ó bem aventurados artistas, pois assim vos deveis chamar, uma vez que em vosso tempo pudestes aclarar as tenebrosas luzes dos olhos na fonte de tanta claridade e assim enxergar tudo o que era difícil, aplanado por tão maravilhoso e singular artista: sem dúvida a glória de seus esforços vo-lo dá a conhecer e honrar, pois arrancou de vós a venda que tínheis diante dos olhos da mente, tão cheia de trevas, e levantou o véu da falsidade que vos turvava as belíssimas estâncias do intelecto. Por isso, deveis agradecer ao céu e esforçar-vos por imitar Michelangelo em todas as coisas.”

A criação de Adão, detalhe do teto da Capela Sistina pintado por Michelangelo
Completada a pintura do teto e da parede frontal da Capela Sistina, Michelangelo voltou a trabalhar na sepultura, que era mais de seu interesse porque ele sempre se disse escultor e não pintor. Enquanto isso, Júlio II morreu e mais uma vez a obra foi suspensa, por ordem do papa eleito Leão X, que preferia que Michelangelo fizesse a fachada de uma igreja em Florença. Diversos outros artistas desejavam executar essa obra, mas Michelangelo “não quis a participação de ninguém mais”.
Moisés, uma das esculturas do conjunto do
Mausoléu para Júlio II

Morreu Leão X, surgiu o papa Clemente VII, que pediu que Michelangelo desta vez pintasse a fachada da Capela de Sisto. Assim que o artista começou a fazer os esboços da fachada, o papa morreu. Sucedeu-lhe Paulo III, amigo de Michelangelo. Este pediu que a obra fosse concluida, pagando a Michelangelo um salário mensal. Estava quase terminando seu trabalho, quando o papa quis ver a pintura. O mestre de cerimônias que acompanhou o papa reclamou que havia muitos nus. O artista não esqueceu isso e pintou o rosto dele “no inferno, na figura de Minos, entre um monte de diabos”, observa Vasari.

Trabalhando nessa obra, Michelangelo caiu do andaime e machucou a perna. Com muita dor e raiva “não quis que ninguém a tratasse”. Mas ele tinha um amigo médico, Baccio Rontini, que ao saber disso foi até ele. Não saiu de perto do amigo e tratou a perna machucada até que ele ficou curado.

Michelangelo era um trabalhador incansável e levava muito a sério cada obra que lhe era encomendada. Mesmo que tenha tido uma vida tranquila do ponto de vista financeiro, detestava a vida nas cortes e os poucos amigos que tinha eram seus colegas de trabalho e profissão. Ajudava financeiramente seus parentes, mas sempre manteve uma certa distância da família. Sempre que algum artista recorria a ele, Michelangelo “sempre que pôde ajudou”. Vasari completa que ele “nunca criticou as obras alheias, a não ser depois de ter sido espicaçado ou ferido.” Teve dois ou três aprendizes. Nunca se casou. Quando já idoso, aceitou como aprendiz a Francesco di Bernardino d’Amadore, que passou a servir e a cuidar dele.

Detalhe de um dos nus pintados por Michelangelo
na Capela Sistina
Michelangelo Buonarroti era avesso à convivência social e sua dedicação à arte era absoluta. Ele dizia mesmo que conviver pouco com os outros era garantia de viver em paz e que “não gostava de gente que parecia esgoto”, ou seja, “que fala como se tivesse duas bocas”. Vasari conta também que “quando um amigo lhe perguntou o que achava de alguém que fizera réplicas de mármore de algumas das mais celebradas figuras antigas, gabando-se o imitador de que superara em muito os antigos, Michelangelo respondeu: ‘Quem anda atrás dos outros nunca os ultrapassa’.”

Gombrich completa dizendo que Michelangelo, já idoso, “enquanto príncipes e pontífices rivalizavam em ofertas” para ele, ele se tornava cada vez mais ensimesmado e mais exigente consigo mesmo. Escrevia poemas, e em algumas cartas escritas se vê que “quanto mais subia na estima do mundo, mais amargo e intransigente se tornava.” Era amado e temido ao mesmo tempo, pois tinha um temperamento forte e não perdoava ninguém, superior ou inferior.

Giorgio Vasari que, além de historiador da arte, também foi pintor explica que “a arte exige pensamento, solidão e comodidade, e não uma mente que vaga e se desvia no comércio humano. Assim, ele (Michelangelo) não falhou consigo mesmo e com seu trabalho deu grande proveito a todos os artistas”.

Michelangelo morreu em Roma no dia 18 de fevereiro de 1564.


Estudo para o Adão de "A Criação de Adão", da Capela Sistina

Os Macchiaioli - realismo impressionista na Itália


MARIANO FORTUNY: Curral de touros, 1866
 
A Fundação Mapfre abriu em Madrid, Espanha, uma exposição, no mês de setembro, que leva àquela cidade cerca de 100 obras dos pintores italianos conhecidos como Il Macchiaioli. Os Macchiaioli foram artistas rebeldes que viveram na Florença do século XIX, especificamente por volta de 1855, todos de origem toscana, mas também haviam aqueles que vinham de Veneza e Nápoles.


GIOVANNI BOLDINI: Retrato de Diego Martelli, 1865 
Macchiaioli significa exatamente “manchista”, uma designação de cunho pejorativo que foi usado para designar o que eram esses pintores rebeldes à academia. O termo foi cunhado em 1862 por um jornalista da “Gazzetta del Popolo”, com o sentido de zombar desses artistas anti-acadêmicos da pintura italiana. Depois eles mesmos adotaram esse título e o utilizavam para designar-se. Estes artistas representaram uma renovação na pintura italiana, pois em sua poética realista romperam com o neoclassicismo e com o romantismo que dominavam as academias e ateliês italianos. Os Macchiaioli são considerados, na Itália, os iniciadores da pintura moderna italiana.


O Museu d’Orsay, de Paris, fez uma primeira mostra desses artistas italianos, contemporâneos dos impressionistas franceses. E a partir do mês de outubro indo até janeiro de 2014, esta mostra se encontra na cidade de Madrid, Espanha, patrocinada pela Fundação Mapfre.

ODOARDO BORRANI: Carroça vermelha em Castiglioncello, 1865-66


Foi no Caffè Michelangelo em Florença que um grupo de pintores, reunidos em torno do crítico Diego Martelli, deu início ao movimento. A preocupação desses artistas era com a renovação da pintura italiana. Eles criticavam fortemente o purismo acadêmico dos pintores neoclássicos e românticos, e defendiam que a imagem do real deveria ser apresentada como um contraste de cores, de sombra e de luz. Por ironia do destino, o Caffè Michelangelo ficava a poucos metros da Academia Florentina de Belas Artes, que foi recebendo pouco a pouco - da parte dos jovens macchiaioli - apelidos como “quartel de inválidos”, “semeador de mediocridade”, “cemitério da arte”, etc.


FEDERICO ZANDOMENEGHI:
Retrato de Diego Martelli com gorro vermelho, 1879
Nesse Café - diz o catálogo da exposição de Madrid - se reuniam os mais “turbulentos da cidade. Os realistas irrompiam com ímpeto desde a Via de Pucci - onde haviam comido pouco e mal na taberna de Gigi Porco - e entravam ruidosamente na Via Larga em direção ao Caffè Michelangelo. Para seus estômagos, acostumados à lenta e pesada digestão de burro cozido, e para seus nervos à flor da pele, até o café se tornava uma bebida insípida. Em agitação coletiva, misturavam rum ao café, bebida que tinha virado moda entre jovens pobres. Os alunos da Academia atravessavam a rua para não ter que cruzar com eles”.

Os jovens frequentadores do Café não só conheciam as ideias que fermentavam naquela Itália em mudança, como participavam ativamente de todo o processo, muitos deles com sacrifícios pessoais. E à mudança que eles reclamavam na estrutura da sociedade era a mudança que queriam implementar no campo da arte. Alguns deles participaram como voluntários em 1848 na Batalha de Curtatone, por exemplo. E Telêmaco Signorini, um destes pintores rebeldes, se alistou como voluntário na artilharia, em 1859. Mas em 1862, enquanto seguia a Garibaldi na tomada de Aspromonte, seu pai faleceu. Signorini escreveu em seu diário: “Aspromonte. Morre meu pai de câncer, precisamente quando eu pensava em ir para Gênova com Garibaldi. Deixo o ateliê e a casa com minha mãe e meu irmão de 11 anos. Volto a ter um ateliê na Via Salvestrina e casa fora da Porta da Cruz, na Torre Guelfa. Faço um curso em Arno com Lega, Langlade e Madier. Fundamos a Escola de Pergentina e pinto o quadro ‘Ditosas são as galinhas que não vão ao colégio’”.

TELÊMACO SIGNORINI: La sirga, 1864


Assim como ele, diversos outros foram voluntários na artilharia e participaram ativamente das campanhas de unificação da Itália. Mas passadas as batalhas e uma vez a Itália sendo unificada, esses pintores desejavam agora representar a nova Itália, como um país que se descobre a si mesmo, sua própria força, sua tradição.


SILVESTRO LEGA:
Cantando uma canção, 1867
Com a unificação da Itália como um país, o que ocorreu no século XIX, foi feita uma Exposição Nacional em Florença. Nesse período, ficou clara a divisão entre a escola acadêmica e os macchiaioli. A polêmica se estabeleceu entre eles, não só do ponto de vista artístico, mas que abrangia toda uma visão cultural e política. Para os bravos macchiaioli, não podia haver diferença entre pintar quadros e derramar sangue nos campos de batalha. Esses jovens pintores sonhavam com uma nova Itália.


A palavra “tradição” - diz a apresentação do catálogo da exposição de Madrid - podia soar como uma blasfêmia para os ouvidos dos macchiaioli. Eles consideravam que a juventude de toda a Europa deveria erradicar todos os velhos sistemas políticos, educacionais e militares, para substitui-los através da construção e do advento de uma nova era. Giuseppe Mazzini, um dos líderes e pensadores desses movimentos de rebeldia que inspiravam os macchiaioli, chegou a criar uma organização chamada “Jovem Europa”, à qual não podiam pertencer pessoas com mais de 30 anos de idade. Essa organização, mais tarde, aglutinou em torno de si as melhores inteligências democráticas, que intentavam destruir o status quo, não somente do ponto de vista de uma revolução nacional, mas sobretudo internacional. Claro que os conservadores de todas as classes detestavam essas ideias e esse líder dos jovens italianos. (Giuseppe Mazzini foi um revolucionário e patriota italiano, fervoroso republicano e combatente pela unificação da Itália, assim como Giuseppe Garibaldi.)


GIUSEPPE ABBATI: Interior do claustro de Santa Cruz em Florença, 1861-62
Mas os macchiaioli viveram e morreram na pobreza. Mantendo-se coerentes por toda a vida, eles sempre se mantiveram críticos em relação ao mundo.


Capítulo à parte merece a velha disputa sobre a relação entre eles e os impressionistas franceses, destaca o catálogo. A verdade é que eles mantiveram uma estreita, fecunda e contínua relação. O texto da exposição madrilenha complementa: “Foi talvez o destino diferente de seus itinerários que fez a diferença real entre os impressionistas franceses e os macchiaioli”. Por parte da França, um reconhecimento grande de seus artistas; da parte da Itália, o esquecimento dos macchiaioli. Enquanto esta escola foi se extinguindo, no Grand Café du Boulevard des Capucines - outro café! - em Paris, os irmãos Lumière já faziam as primeiras experiências com o cinema. Vale salientar que a pintura dos Macchiaioli teve bastante influência em cineastas italianos, como Luccino Visconti e Mauro Bolognini, que encontraram nela uma inspiração iconográfica e uma linguagem especial da imagem.


GIOVANNI FATTORI: Soldados franceses de 1859, 1859
GIOVANNI BOLDINI: Autorretrato, 1892
Participavam desse grupo dos Macchiaioli: Serafino di Tivoli, Eugenio Cecconi, Edward Borrani, Sernesi Raphael, Nicholas Cannicci, Egisto Ferroni, Adriano Cecioni, Giuseppe Abbati, Eugenio Prati, Veronese Vincenzo Cabianca, Domenico Caligo, Giovanni Fattori, Silvestro Lega e Telêmaco Signorini. Em seguida, juntaram-se nesta direção os pintores John Bartolena, Leonetto Cappiello, Vittorio Matteo Corcos, Michele Paris, Oscar Ghiglia, Francesco Gioli, Luigi Gioli, Ulvi Liege, Guglielmo Micheli, Alfredo Müller, Plinio Nomellini, Simi Filadelfo, Adolfo Tommasi, Angiolo Tommasi, Ludovico Tommasi, Lorenzo Viani, Llewelyn Lloyd e Raphael Gambogi.


Além deles, Giovanni Boldini. Em 1862, retratista já conhecido, ele se instala em Florença para completar seus estudos na Academia. Mas ele logo entra em contato com os macchiaioli e também se junta ao grupo em torno do crítico Diego Martelli, que contribuiu para popularizar na Itália os princípios do impressionismo francês.


A mostra intitulada “Os Macchiaioli - realismo impressionista na Itália”, está sendo co-produzida pela Fundação Mapfre e pelos Museus parisienses d’Orsay e de L’Orangerie. As 100 obras são procedentes de coleções públicas e particulares italianas. É a primeira exposição realizada na Espanha em torno do movimento dos Macchiaioli, que também influenciaram a pintura espanhola do final do século XIX. Entre eles, o pintor espanhol Mariano Fortuny, que terá algumas de suas obras nesta exposição.

MARIANO FORTUNY: Velho desnudo ao sol, 1863

sábado, 27 de dezembro de 2014

À maneira de Degas

  Para comemorar os 180 anos do nascimento de Edgar Degas, um dos grandes artistas franceses do século XIX, contemporâneo dos pintores impressionistas, trago aqui um resumo do que sobre ele disse o poeta Paul Valéry em seu livro “Degas dança desenho”, publicado em 1938. Edgar Degas - registrado como Hilaire Germain Edgar de Gas - foi um pintor, desenhista, gravador e escultor francês, nascido em Paris em 19 de julho de 1834.


"Autorretrato com jaqueta verde", Degas, 1855
Valéry, logo no início do livro, explica que não pretende escrever exatamente uma biografia de Degas, pois “o que me importa em um homem não são os acidentes, nem seu nascimento, nem seus amores, nem suas tristezas, nem quase nada do que é observável pode me servir”. Assim como também não pretendo, com este resumo, dirigir meu olhar para esses detalhes de sua vida pessoal, coisa que já foi feita antes aqui neste blog e que pode ser lido aqui.

Meu recorte é coerente com meu pensamento sobre arte. Pincei do texto de Paul Valéry aquilo que pode reforçar a minha visão sobre o pintor e sua obra, no sentido de que ela pode ficar mais compreensível com esses adendos retirados do texto do poeta francês. O recorte também vem do prazer que sinto em saber que Edgar Degas caminhava no mesmo sulco daqueles que se inspiravam no caminho dos grandes mestres.

Degas, o pintor, era absolutamente voltado para seu ofício, que era praticamente o único objeto “de seus pensamentos”. Valéry mostra, em diversos momentos, como nessa sua atitude de profundo devotamento ao caráter mais “científico” do fazer artístico, ele se tornara indócil às críticas, às teorias e aos modismos e superficialidades que já se faziam presentes em seu tempo. Não tinha a menor vontade de agradar a quem quer que fosse. Conhecia muita gente, mas faltava-lhe paciência para contatos sociais, pois era “grande polemista e argumentador terrível, particularmente excitável sobre assuntos de política e de desenho”. Chegava mesmo a ser conhecido como uma pessoa “intratável”, apesar de ter lá seus momentos “encantadores”.


Desenho de Edgar Degas
Seu ateliê, quando Valéry o conheceu, era um cômodo comprido, cheio de janelas de vidro em um dos lados, vidros sujos de poeira, que a luz externa atravessava. O ambiente era um amontoado de coisas úteis a um pintor: cavaletes com desenhos a carvão, uma bailarina de cera, uma mesinha estreita repleta de caixas, frascos, lápis, pedaços de giz pastel e todo tipo de “coisas sem nome que sempre podem servir”. Observando aquela “bagunça” abençoada, Paul Valéry reflete:

“Ocorre-me por vezes de achar que o trabalho do artista é um tipo muito antigo de trabalho; o próprio artista é uma sobrevivência, um operário ou artesão de uma espécie em vias de extinção, que fabrica fechado em seu quarto, usa procedimentos muito pessoais e muito empíricos, vive na desordem e na intimidade de suas ferramentas, vê o que quer e não o que o cerca, usa potes quebrados, sucata doméstica, objetos condenados…”


Pintura de Degas
E mais à frente:

“Até aqui, o acaso ainda não foi eliminado dos atos; o mistério, dos procedimentos; a embriaguez, dos horários; mas não garanto nada.” Em relação ao que viria a ser o futuro, quando essa ideia de artista-artesão foi se tornando uma raridade...

No fim de sua vida, Degas ficou cego. Vivia num apartamento cuidado por uma velha empregada e se alimentava de comidas quase sem tempero, pois temia as obstruções intestinais. Seu quarto dava a impressão, conta Valéry, de que o pintor não ligava para mais nada na vida, com móveis velhos, uma escova de dente ressecada em um copo. Degas idoso vestia calças largas, sempre abertas na frente, calçava chinelos. “Ei-lo velhote nervoso - conta o poeta - quase sempre sombrio, por vezes sinistro e tristemente distraído, com recargas repentinas de furor ou de espírito, impulsos ou impaciências infantis, caprichos…” E cego.

Edgar Degas participou do movimento “naturalista” que influenciou a cultura francesa do seu tempo. Era do círculo de escritores como Émile Zola, Edmond de Goncourt, Louis Edmond Duranty e Théodore Duret. Do seu lado, era um desenhista incansável, insistente, exigente consigo mesmo. Adorava o trabalho tanto de Jean Dominique Ingres como o de Eugène Delacroix. Explorava com seus olhos atentos e seus lápis precisos o “espetáculo da vida moderna”. O fervilhar de interesses que tomava conta da Paris daqueles tempos era acompanhado de perto por ele.


Desenho de Degas
Um outro poeta, Stéphane Mallarmé, fazia parte do círculo de relações de Degas. Os dois eram absurdamente diferentes: enquanto Mallarmé era uma personalidade doce, afetuosa, educada, Degas era deliberadamente duro, direto, bruto. Mas falava de Mallarmé de forma amável.

Quanto a Ingres, Degas não admitia críticas a seu trabalho, pois era para ele um gênio. Vivia repetindo frases que ouvira de Ingres:

- “O desenho não se encontra fora do traço, está dentro dele…”
- “Deve-se perseguir o modelado como uma mosca que corre sobre uma folha de papel.”
- “Os músculos são meus amigos, mas esqueci seus nomes.”
- “Faça linhas… Muitas linhas, ora de memória, ora de observação da natureza”.


Mais de Valéry sobre o desenho:

“Há uma imensa diferença entre ver uma coisa sem o lápis na mão e vê-la desenhando-a.

“Ou melhor, são duas coisas muito diferentes que vemos. Até mesmo o objeto mais familiar a nossos olhos torna-se completamente diferente se procurarmos desenhá-lo: percebemos que o ignorávamos, que nunca o tínhamos visto realmente. (...)

“(...) Não posso tornar precisa minha percepção de uma coisa sem desenhá-la virtualmente”.


Estudo de uma bailarina
A pintura de paisagem jamais seduziu Edgar Degas. “As raras que fez executou em seu ateliê e totalmente de memória”, diz Paul Valéry. Era o tempo em que os pintores impressionistas haviam abandonado seus ateliês e iam para o campo para pintar as paisagens e registrar a influência da luz do sol em diversos horários do dia, em diversas estações do ano. Como o fez Monet, Manet e tantos outros. Degas não; seu modo de vida e de ver a vida e a arte não combinavam com essas aventuras impressionistas ao ar livre.

Valéry, em diversos momentos em seu livro, explicita sua opinião sobre a pintura, que convergia para as opiniões de Degas. Para eles, “sensibilidade” e “técnica” possuem uma relação íntima e recíproca, uma não podendo abrir mão da outra. Elogia o modo tradicional de lidar com o ofício de artista-artesão: era preciso conhecer TUDO, todas as estruturas do trabalho. E criticava: quanto menos se estuda profundamente a parte técnica da pintura e do desenho, menos invenção e criação, pois isso significa “o abandono da ação do espírito na pintura em favor do divertimento instantâneo do olho.” Já no tempo de Degas e Valéry artistas se afastavam do esforço da boa execução de uma obra. Qualquer esforço para uma pintura simples os “exaure”, denuncia Valéry... 

Nada mais contemporâneo!
 
 
 
Continuando a falar sobre o livro "Degas dança desenho", de Paul Valéry, o poeta continua mostrando como era o pintor Degas, aplicado, sério, completamente dedicado ao seu ofício:

“No Louvre, um dia, eu percorria com Degas a Grande Galeria. Paramos em frente a uma importante tela de Rousseau que representa magnificamente uma alameda de carvalhos enormes.

Depois de um tempo de admiração, observei com que consciência e paciência o pintor, sem perder nada do grande efeito da massa de folhagem, executara o detalhe infinito ou produzira a ilusão suficiente desse detalhe a ponto de fazer pensar em um labor infinito.

- É soberbo - eu digo -, mas deve ser tedioso fazer todas essas folhas… Deve ser até muito chato…

- Cale-se - diz Degas -, se não fosse chato não seria divertido.”
Retrato de Edmond Duranty

Degas era coerente com seu pensamento: uma obra terminada era resultado de uma infinidade de estudos. Para ele, nunca uma obra era considerada terminada. “Acontecia de ele retrabalhar telas há muito tempo penduradas na paredes da casa de seus amigos, levá-las para seu antro, de onde elas raramente voltavam. Alguns, de cuja casa era frequentador, chegavam a esconder o que tinham dele.

Degas acompanhava a política de seu tempo. Acompanhou passo a passo o famoso julgamento do Caso Dreyfus (um judeu condenado injustamente de espionagem em 1894 e que foi belamente defendido por um artigo escrito por Émile Zola, intitulado “J’accuse…!”). “Tornou-se quase fanático”, diz Valéry. “Roía as unhas”. Se conhecidos ou amigos discordavam de suas posições políticas, eram cortados de sua convivência.

Mais Valéry:

“Não conheço arte que possa envolver mais inteligência do que o desenho. (...) Quem não mede o intelecto e a vontade de Leonardo ou de Rembrandt após uma análise de seus desenhos?”

Mas hoje “quase tudo é feito sem estudos; ou melhor, quase tudo não passa de estudos, e mais ainda, estudos inutilizáveis” Um bom estudo deve ser mais profundo do que qualquer quadro, e permanecer na sombra do ateliê. Não deveria jamais estar à venda, jamais em Museus”. Aumentou o número dos maus pintores, continua Paul Valéry. 

Ninguém se diverte mais estudando cuidadosamente e com reflexões que podem levar muito longe (Leonardo), um tecido jogado sobre uma cadeira, uma folha, uma mão… nem buscando nesse confronto com o objeto, sem pressa e sem utilidade imediata, certa ciência de si mesmo, da manobra combinada de seu intelecto, de seu desejo, de sua visão e de sua mão sobre uma coisa dada… e com o público ausente. (Este último ponto é capital: deve-se tentar espantar apenas a si mesmo.)”


E prevê, décadas atrás:

“Foi assim que a infeliz Pintura viu-se presa dos métodos rápidos e poderosos da política e da Bolsa”.

Degas era louco por Desenho. “O trabalho, o Desenho, tinham se tornado nele uma paixão, uma disciplina, o objeto de uma mística e uma ética que se bastavam por si mesmas (…)”. Com 70 anos de idade Degas disse a seu amigo Ernest Rouart:

- “É preciso ter uma ideia elevada, não do que se faz, mas do que se poderá fazer um dia; sem o quê não vale a pena trabalhar.” Ou seja, não importa o tempo “perdido” no apuramento técnico, pois ele leva incontestavelmente a patamares muito mais altos que poderão ser alcançados pelos que se dedicam a estudar.

Pois

“A ideia de possuir inteiramente a prática de uma arte, de conquistar a liberdade de fazer uso de seus meios com tanta segurança e leveza quanto de nossos sentidos e membros em seus usos comuns, é daquelas ideias que arrancam de certos homens uma constância, um esforço, exercícios e tormentos infinitos”.

Uma folha de papel, algum lápis ou caneta, é o suficiente para esse mergulho fundo no reino da criação. Tudo é muito simples e tudo muito complexo. Nessa dicotomia, Degas dizia que a pintura é, para os sem conhecimento, algo bastante fácil. Mas quando se tem conhecimento… ah… se torna muito difícil! “Ah! então… É completamente diferente!”.

Se o pintor buscava os caminhos mais fáceis, isso dizia - e diz - muito a respeito de seu próprio caráter. O caminho mais fácil não é o caminho “da obra de um homem completo”. E Valéry complementa: quanto mais o artista se distancia do aprendizado ao qual se dedicaram os maiores mestres, mais “é do homem total que estamos nos distanciando assim. O homem completo está morrendo.”


"Aula de balé", Degas
Arte moderna e Grande Arte

“A arte moderna tende a explorar quase exclusivamente a sensibilidade sensorial, em prejuízo da sensibilidade geral ou afetiva, e de nossas faculdades de construção, de adição das durações e de transformações pela mente. Sabe maravilhosamente bem despertar a atenção e usa todos os modos para estimulá-la: intensidades, contrastes, enigmas, surpresas”. Não é isso o que vemos nos dias de hoje, com a espetacularização da arte?

“(...) observo que o modo de ser da modernidade é exatamente o de uma intoxicação. Precisamos aumentar a dose, ou trocar de veneno. Essa é a lei”!!!! Nada mais atual, não é? E Paul Valéry explica:

“O que chamo de ‘Grande Arte’ é simplesmente a arte que exige que todas as faculdades de um homem sejam utilizadas nela, e cujas obras sejam tais que todas as faculdades de outro sejam invocadas e se interessem por entendê-las…”

“O demônio da mudança-pela-mudança é o verdadeiro pai de muitas coisas…” e em nossos dias atuais.

Passando de um período a outro, de uma moda a outra, sugere “que não há objetos, que é preciso proibir-se a expressar mais do que as propriedades da retina… Tudo começa a vibrar.

O Desenho não é a Forma


“Degas gostava de falar sobre pintura e não suportava que se falasse sobre ela".

Valéry perguntava o que ele entendia por Desenho. Respondia:

“O Desenho não é a forma, é a maneira de ver a forma”. Valéry dizia não compreender o que ele falava. Degas gritava, berrava que o poeta não entendia de nada e se metia em coisas que não eram de sua alçada...

Durante um jantar com Mallarmé, Degas disse que “um artista só é um artista em poucos momentos, por um esforço da vontade”. Isso foi ouvido por Berthe Morisot, a pintora impressionista.

Em sua convivência com o pintor Degas, Valéry foi aprofundando suas reflexões sobre arte, que expõe no livro “Degas dança desenho”. São muito atuais e parecem ter sido escritas para esta época contemporânea. Como um artífice da linguagem, Valéry dizia que “a linguagem do país das Artes é turvada com toda uma metafísica que se mescla de maneira muito íntima às puras noções da prática.” E mais:


“Nunca vi nada de certo e ordenado sobre o desenho, por exemplo, que é antes de mais nada uma arte complexa, cuja análise ótica e motora não foi realizada, nem mesmo iniciada, a meu conhecimento.

“Se tivesse existido, a célebre expressão de Degas, ‘o modo de ver a forma’, teria sido completamente diferente: teria explicado o que ele queria dizer, e não o sentido que cada um pode atribuir-lhe.

“Mas eis a pior consequência da impureza da linguagem das grandes artes: ela leva a não se saber mais o que se quer. Nada mais espantoso do que certos comentários ou programas de artistas, carregados de filosofia, de considerações às vezes matemáticas e frequentemente ingênuas, invocadas com vistas a preparar para o entendimento de suas obras e a dispor o público para suportar sua visão. Mas ao contrário, a visão nas artes deve por si só introduzir a fruição e, se houver alguma ideia a sugerir, conduzir a ela por suas percepções. Um pintor deveria sempre pensar em pintar para alguém que não tivesse a faculdade da linguagem articulada… Não devemos esquecer que uma coisa bela nos deixa mudos de admiração…”

Os medíocres possuem mais certezas

Valéry adiciona a seu texto algumas recordações “muito preciosas” de Ernest Rouart sobre seu amigo Edgar Degas, como estas:

- “Degas não se contentava muito facilmente, e raro achava que uma pintura estivesse no ponto.

- “Para ficar satisfeito, aquilo de que precisava é que sua obra fosse completa, não na perfeição dos detalhes, mas na impressão de conjunto que ela daria; na construção, antes de tudo, e na coordenação dos elementos diversos que a compunham, ou seja, nas relações corretas das linhas do desenho, dos valores e das cores entre si.

- “A necessidade de retomar uma coisa que considerava incompleta jamais o abandonou e, em sua casa, inúmeras eram as telas que tinha a intenção de retocar, não as achando dignas de deixar seu ateliê no estado em que se encontravam”.


"Melancolia", Degas
Como professor de Rouart, era rígido. Um dia mandou o aluno ao Louvre para copiar um quadro do pintor italiano Mantegna, “A sabedoria vence os vícios”. Sua orientação era de que a primeira coisa a fazer era uma imprimação em verde (uma camada de pinceladas em pigmento verde misturado a terebentina, bastante diluídas). E lembrou ao aluno que deveria deixar secar essa primeira camada “durante meses”, pois o próprio “Ticiano esperava talvez um ano antes de retomar um quadro!”.

No fim de sua vida, diz Valéry, Degas tinha se enamorado ainda mais da cor e dos efeitos que ela pode produzir. “Sua admiração pela cor e pela técnica dos antigos levava-o com frequência a fazer pesquisas nesse sentido e a desenvolver teorias e sistemas sobre a execução natural da pintura, sobre a técnica, como ele dizia”.

É lutando sobre a tela que um artista como ele consegue conciliar a teoria e a prática”, observou Ernest Rouart.


"A espera", Degas
No dia 25 de setembro de 1917, Degas morreu. “Morre tendo vivido demais, pois morre de sua luz. O começo de sua lenta diminuição foi marcado pelo enfraquecimento mais pronunciado da visão. O trabalho, pouco a pouco, tornou-se impossível para ele, e sua razão de viver esvaiu-se antes de sua vida. Uma das últimas obras que fez foi seu retrato com barba branca, arrepiada e curta, e com boné. Mostrava-o e dizia: ‘Pareço um cachorro’.”

Era um solitário perene “e o foi em todas as modalidades da solidão. Solitário pelo seu caráter; solitário pela distinção e pela particularidade de sua natureza; solitário pela probidade; solitário pelo orgulho do seu rigor, pela inflexibilidade de seus princípios e de seus julgamentos; solitário por sua arte, ou seja, pelo que exigia de si mesmo”.

Justamente por ter sido o ser “estranho” que Degas foi, é que Paul Valéry questiona: “Não seria hoje uma espécie mais ou menos desaparecida, essa espécie de personagens difíceis e incorruptíveis?” Ele, Degas, era avesso a qualquer tipo de bajulação que foi se tornando cada vez mais um costume nos tempos modernos. Para ele o brilho no mundo moderno era desprezível; odiava - e odiaria ainda mais hoje - esses que se voltam a agradar o mercado e a crítica, fazendo apenas o que se espera deles:

“Uma noite Degas fazia troça de Forain, que corria, chamado por um timbre imperioso, para atender o telefone. ‘É isso, o telefone?... Tocam um sinete e você acorre...’ Seria fácil generalizar essa expressão sarcástica. ‘É isso a Glória?... Você é citado, e acha que é alguém!...”

Nada mais contemporâneo...