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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Esta música ou aquela, por que uns gostam e outros não?

José Ramos Tinhorão   
http://www.anovademocracia.com.br/49/22a.jpg

Embora a maioria das pessoas que gosta deste ou daquele tipo de música jamais chegue a se dar conta dos motivos de sua preferência, a verdade é que isso a que chamamos de gosto tem a sua explicação.

De fato, toda a produção artística, seja ela qual for, constitui uma projeção do nível cultural em que se situa o seu criador, chamado de artista. Ora, como em uma sociedade de classes esse nível de informação capaz de ser sintetizado numa obra artística independente da colocação pessoal do criador dentro da estrutura social, tem-se como resultado que toda obra de arte — e a musical não foge à regra — exprime a cultura de uma classe, que é exatamente a do artista. No caso do Brasil, essa realidade pode ser confirmada pelo perfeito paralelismo existente entre os vários tipos de música produzidos quer na área rural, quer na urbana, e as contradições e diferenças de nível em que se processa o modelo de "desenvolvimento" econômico adotado no país.

Na verdade, observado o quadro sócio-cultural de baixo para cima, podem-se distinguir no Brasil os seguintes grupos ou camadas de cultura:

1a cultura regional, quase sempre ligada à realidade do mundo rural, menos desenvolvido, e, portanto, uma cultura não aprendida em livros, chamada de folclórica;

2 a cultura popular dos pequenos centros urbanos ou das periferias das grandes cidades, a qual — pela origem rural recente da maior parte da população — se configura em subprodutos quer da cultura regional (música "sertaneja" composta por profissionais do disco), quer da cultura urbana de massa (pop rock, baladas românticas e pagodes comerciais);

3 a cultura popular urbana não livresca, e, eventualmente, também impregnada de vestígios da cultura rural, particularmente dos grupos de trabalhadores não qualificados e da gente pobre da cidade em geral (a gente ligada às escolas de samba, por exemplo);

4a cultura popular urbana já impregnada, através da educação escolar, de informações escritas (revistas de artistas, foto-novelas, histórias em quadrinhos etc.) ou oral visual (rádio e televisão), mas ainda sem condições de entender a cultura superior;

5 a cultura popular urbana da classe média emergente, com acesso à universidade, e atualmente influenciada pelos modelos estrangeiros, por sua ligação com a idéia de ascensão social (o que explica a obsessão pelo novo, o moderno, a onda, o quente etc.), e, finalmente;

6a cultura oficial, de elite, representada pelos padrões adotados institucionalmente nos salões, academias, cátedras universitárias, conselhos de cultura, Congresso etc.

Assim, quando uma pessoa diz que gosta de um tipo de música e não de outro, está simplesmente indicando a faixa de cultura a que se liga na quase totalidade dos casos por força de sua posição na hierarquia social.

A conclusão, pois, é que, considerado o ajustamento entre a obra de arte oferecida e o gosto — quer dizer, a cultura — pessoal daquele que a recebe, todas as tendências são válidas, pois correspondem, com suas diferenças de nível de informação e de acabamento, às diferenças sócio-econômicas que dividem as pessoas no sistema de sociedade de classes baseada na hierarquização da divisão do trabalho.

Essa conclusão é importante para que se possam entender certos problemas geralmente muito discutidos, mas quase sempre deixados sem explicação, quando não diluídos em acusações genéricas do tipo "o culpado pela banalidade é a falta de divulgação das boas obras", "o problema é que a maioria do povo não tem escola", "arte virou negócio", "a culpada é a televisão que só transmite o que interessa a ela" etc.

Entre estes problemas levantados na área da música popular após o aparecimento da chamada indústria de massa, um dos mais desafiadores é o seguinte: por que, desde que existe grande variedade na produção musical, tantas pessoas gostam e consomem gêneros visivelmente fabricados, repetitivos, sem criação e banais como os bolerões, os sambões, as toadas supostamente sertanejas, os iê-iê-ês, os sub-rocks etc?

A explicação é simples: como a criação de música se transformou em uma atividade industrial e comercial, é preciso atingir faixas cada vez mais amplas da sociedade, para que os produtos — disco, CD, fita ou tape de televisão — se tornem economicamente rentáveis para quem os produz. Ora, considerando que, como se viu, cada camada da sociedade se encontra em determinado estágio de cultura, a indústria procura refletir não a verdade de cada uma dessas camadas, mas produzir — através da diluição da informação cultural — uma média capaz de ser apreciada e compreendida por uma maioria de pessoas englobadas genericamente sob o nome de massa. Isso é promovido através da comercialização do talento de criadores e instrumentistas ligados à indústria do disco, que são levados a fabricar músicas segundo fórmulas obtidas a partir de sons de sucesso já comprovado, o que não satisfaz de maneira profunda a ninguém, mas garante a aceitação geral.

Realmente, enquanto projeção de verdades, sentimentos ou emoções muito particulares dos homens, definidos como seres sensíveis, toda obra de arte que condensa essas informações vivenciais de maneira muito densa tem tendência a parecer difícil, isto é, a não ser compreendida pelas pessoas que vivem desligadas da realidade. E estas pessoas são aquelas que — por força da sua posição marginalizada em um processo de vida por si só automatizado e sem horizontes — não encontram dentro delas o mínimo de informação vital indispensável para o entendimento (ou decodificação) da mensagem artística exatamente por essa razão julgada difícil.

Assim, o que caracteriza a produção de criações culturais para consumo de grandes massas situadas em áreas sociais onde essa alienação é mais profunda (burocracia, prestação de serviços, trabalho em setores de alta mecanização etc.) é a procura de um padrão que não aprofunde valores ligados às experiências vitais, necessariamente fora do alcance dos pobres compradores sujeitos ao esvaziamento existencial de um dia-a-dia que os brutaliza e automatiza.

A consequência desse processo é o competente rebaixamento dos produtos artísticos enquanto símbolos da riqueza interior do homem ou espelhos de suas mais amplas possibilidades. O que quer dizer, invertendo a imagem, que tais produtos pobres de conteúdo artístico passam a traduzir, apenas, a realidade de gente pobre de conteúdo humano.

Atingido esse nível de garantia de mercado para suas diluições musicais-culturais-vivenciais, a indústria dirigida ao lazer — na área da música representada pelas grandes gravadoras internacionais, com matrizes nos Estados Unidos e na Europa — passa a afirmar que ela não forma o gosto de ninguém, mas apenas atende ao gosto declarado das pessoas, colocando no mercado o que elas desejam consumir. Esse trabalho de manipulação do mercado é conseguido pelas grandes fábricas através da exploração inteligente das expectativas de ascensão social principalmente das camadas baixas da periferia dos grandes centros, e dos grupos emergentes da classe média da própria cidade.

De fato, enquanto os compradores de "música sertaneja" aplaudem duplas vestidas de cowboys americanos, que cantam toadas breganejas à base de sons de guitarras (porque esse é o "moderno" a que pretendem chegar), as classes médias cometem equívoco semelhante.

Colocadas na posição de minorias sociais de ascensão recente, como resultado ao esquema econômico de "desenvolvimento" com base na concentração capitalista, a tendência de grande parte das camadas médias das cidades é entrar em conflito com a própria sociedade, que começam a ver como subdesenvolvida, pobre, ignorante e, por isso mesmo, distante e alienada como um todo dos progressos e maravilhas do "mundo moderno" globalizado, com que a televisão lhes acena.

Situadas assim diante da opção-conflito de ter que escolher entre a aceitação dessa realidade pobre e bitolada e as promessas de um estilo de vida rico de alegrias ao nível da indústria de consumo, as camadas mais altas da classe média não têm dúvida: optam pelo segundo modelo, idealmente projetado pelos anúncios de cigarros e refrigerantes da televisão. E, dessa forma, como num passe de mágica, a realidade geral vigorante para a maioria das camadas se apaga, e o real passa a ser a vida em um circuito fechado dessa minoria com capacidade econômica de acesso aos bens revestidos da aura de "valores modernos".

Ora, como por motivos do próprio modelo econômico montado no país os produtores desses "valores modernos" só contam com mercado entre essas minorias, o círculo de interesses e expectativas se fecha: quer dizer, as grandes massas trabalham e renunciam à sua parte na divisão do produto nacional, para que os investimentos feitos pelo Governo à sua custa possam realimentar o tempo todo o pequeno circuito em que gira a riqueza, envolvendo o comprador com alto poder aquisitivo de um lado, e a indústria de artigos sofisticados de outro. O resultado cultural desse processo não se faz esperar. Assim, como o veículo ideal para o anúncio das virtudes dos produtos industriais de alta sofisticação é a TV, e como — "por coincidência" — esses produtos são todos muito caros (e, portanto, só ao alcance das minorias com poder aquisitivo), a tendência da programação é procurar atender ao gosto e às expectativas desses poucos que constituem o mercado potencial dos produtos anunciados nos intervalos comerciais e não das maiorias pobres que compram aparelhos de televisão pelo crediário.

Ora, como a televisão precisa transmitir, eventualmente, shows e músicas para entretenimento dos telespectadores, os artistas, espetáculos e sons escolhidos são os capazes de projetar — tal como os anúncios dos intervalos — uma idéia de "modernidade" e de "bom gosto", o que os liga necessariamente aos modelos adotados pela classe média dos centros estrangeiros mais desenvolvidos.

A partir daí, e tomando essa sua realidade como o real do país, os componentes da classe média brasileira passam a admitir, por extensão, que o seu gosto é — ou deveria ser — o gosto de todos e, ato contínuo, transforma o particular no universal. Tendo como certo, porém, que os produtos culturais ligados às suas expectativas e gostos são criados e manipulados por grandes aglomerados internacionais, com matrizes situadas nos países mais desenvolvidos, o que se verifica é que o universal da classe média brasileira acaba sendo o regional das classes médias de países mais poderosos economicamente.

A consequência disso é que, atingindo o equívoco da classe média esse limite, no que se refere ao gosto-padrão em torno de boa música popular, por exemplo, tal atitude colonizada conduz a um segundo estágio do processo de entrega ao poder da indústria de massa. E isso porque a indústria internacional do disco, após ditar a partir de suas matrizes os padrões musicais a serem seguidos pelas pessoas desejosas de parecerem atualizadas e modernas nos países menos desenvolvidos, só precisa aguardar um pouco até que os compositores, músicos e cantores dessas nações dependentes assimilem a tal "música universal", e passem a integrar-se nela, produzindo eles também dentro dos modelos estabelecidos. Uma vez alcançado este estágio de integração dos artistas de países subdesenvolvidos na "música do momento", as filiais locais das grandes empresas multinacionais do disco estabelecem um regime de preferência em suas produções e, a partir de então, o repertório da música universal passa a ser enriquecido com grande economia de custos industriais e maiores possibilidades de expansão de mercado, considerando a nivelação do gosto musical obtida por essa técnica de massificação em todas as áreas urbanas do chamado mundo ocidental.

Depois de certo tempo, com a continuidade do processo de dominação econômico-cultural transformando-se em realidade aceita e indiscutível ("vivemos num mundo globalizado", "acabaram-se as fronteiras", "o importante é a música ser boa, venha de onde vier", "as influências sempre existiram", "vivemos a era dos satélites", "ninguém pode deter o progresso"; "tudo evolui, precisamos evoluir também" etc), ainda uma vez o que atende apenas às ilusões dos consumidores manipulados ganha a categoria de real.

Desse momento em diante, os alienados assumem inclusive uma posição de crítica a partir dos enganos aceitos, e quem protesta contra esse status quo da dominação cultural passa a ser apontado como retrógrado, ultrapassado e xenófobo.

Fonte:A nova democracia

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