Rosa Minine
Veterana nas noites cariocas, a cantora Áurea Martins, aos 70 anos de idade, está em pleno lançamento de seu terceiro cd, pela gravadora Biscoito Fino. Com uma voz rouca que encanta e uma postura que angariou muitos amigos, Áurea é considerada por artistas como Cristina Buarque, Aldir Blanc e Hermínio Bello De Carvalho, uma das mais importantes cantoras do Brasil. Apaixonada pelo samba canção, além da carreira solo, é uma das componentes da Orquestra Lunar, composta só por mulheres.
— Comecei minha carreira em 1962 com meus tios músicos. Um era clarinetista e saxofonista e o outro sax barítono. Minha avó tocava banjo. A princípio, eu fazia bailes no subúrbio. Depois, passei pela Rádio Nacional, cantando no programa do Paulo Gracindo, juntamente com muita gente importante, que na época estava só começando, entre elas a Elis Regina — conta Áurea.
— Fui afilhada do Paulo Gracindo, com quem tive uma afinidade muito grande. Inclusive foi ele e também o Mário Lago que me deram esse nome de Áurea. Na verdade, meu nome é Aldma, mas eles falaram que era muito difícil (risos) — comenta.
— Em 1969, venci um dos festivais de música brasileira, comuns naquele tempo. Uma pessoa me viu em um baile no subúrbio e pediu para me inscrever. Por ter a voz rouca, não acreditaram muito em mim lá, mas isso foi bom porque gosto de desafio. Quando chegou na hora, ganhei o primeiro lugar, sendo eleita por unanimidade. E olha que o júri não era qualquer coisa — diz com prazer.
Entre outros, fizeram parte do júri a atriz, cantora e diretora Bibi Ferreira, a cantora e compositora Maysa, o maestro Guerra Peixe, e o jornalista e escritor Austregésilo de Ataíde. O prêmio foi uma viagem a Portugal e a gravação de um disco, o primeiro de Áurea.
— Ficou lindo. Mas muita gente não sabe de nada disso, porque não deixam saber. É uma mídia massacrante, jogando o que quer para cima do povo e não tomando nem conhecimento das coisas de valor que os artistas fazem. Mas é até bom saber que não caímos no gosto dessa gentalha que trabalha contra o povo. Em compensação, têm uns poucos que reconhecem e valorizam nosso trabalho, como este jornal, o Alfredinho do Bip Bip, o Hermínio Bello, a Cristina Buarque — elogia.
Por conta dos cachês incertos, Áurea precisou trabalhar durante o dia, e acabou entrando para o serviço público. Foi inspetora de classe no colégio estadual André Maurois, que tinha como diretora Henriette Amado, esposa de Gilson Amado, fundador da TV Educativa.
— Quando os alunos se organizaram para promover um festival da canção na escola, me pediram para cantar, e assim, mesmo em outro serviço, eu cantava. Dona Henriette também costumava me chamar em sua sala para me ouvir cantar, em pleno expediente. Mas era época do regime militar e a escola era muito visada, por ser diferente. Então, tiraram dona Henriette e colocaram um general lá no lugar dela. E eu fui embora — diz.
Áurea presenciou o momento em que dona Henriette foi retirada do estabelecimento pelos militares. Traumatizada, não voltou nem sequer para dar baixa em sua carteira. Decidiu que, mesmo com muitas dificuldades, sobreviveria somente com os cachês.
Lutando pelo que gosta
— Foi nas noites que me senti mais à vontade, e consegui somar um público e fazer muitos amigos. A atriz Laura Cardoso, por exemplo, é uma que sempre ia me ouvir cantar. Consegui angariar amizade de uma atriz, uma dama do teatro, não tem preço. Certa vez, inclusive, fui assistir a uma peça sua e ela me homenageou quando acabou. Fiquei emocionada com o carinho — conta com alegria.
— Também ganhei a admiração de gente como Cacá Diegues e Zelito Viana. E minha vida até virou um filme, feito pelo Zeca Ferreira, filho da Cristina Buarque, que já ganhou muitos prêmios por onde passou. Recentemente, esteve em Portugal e em Marrocos — fala.
— É um curta que fala do meu trabalho nas noites. Em quinze minutos, o Zeca contou a minha vida, com uma sensibilidade incrível. Sou de Campo Grande, zona Oeste do Rio, bem afastado do centro, e ia para o Rio de Janeiro inteiro cantar nas noites. Depois, vim para a zona sul, mas morava de vaga, uma situação difícil, até chegar onde estou hoje — acrescenta.
Entre os bares que Áurea trabalhou, está o Carioca da Gema, que ajudou a inaugurar.
— Foram as melhores boates da zona sul que inaugurei, como Antonino e a 77706, famosa casa da década de setenta, umas das primeiras de samba autêntico no Rio de Janeiro. Trabalhava ao lado de Leila Rocha e Ângela Suarez, que é uma grande compositora de samba, parceira de Paulo César Pinheiro — diz.
— Canto música popular brasileira, geralmente samba canção, que amo. Mas não me considero uma sambista, porque canto outros gêneros também. Em meus discos tem samba canção do Elton Medeiros, Nelson Sargento, Dona Ivone, Milton Nascimento, João de Aquino, Dorival Caymmi. Era o que cantava nas noites. Inclusive não cantava nada que não gostasse. Quando alguém pedia, eu falava que não sabia a música e enrolava (risos). Ah, se eu não impuser meu trabalho, ninguém entenderá a minha mensagem — expõe.
Atualmente, Áurea não está mais se apresentando em bares nas noites. Veterana, se dá ao luxo de somente fazer shows.
— Estou circulando com o show do meu disco atual, lançado em dezembro, só com músicas do Hermínio Bello de Carvalho. Recentemente, me apresentei na sala Baden Powell e em Paquetá. E, durante todas as terças-feiras de maio, estarei no Rio Scenarium Bar, a partir das sete da noite. O negocio é não ficar parada — fala Áurea, que tem 1 vinil e 3 cds gravados e está preparando um dvd que deverá sair em breve.
Além da carreira solo, ela participa do grupo Orquestra Lunar, uma orquestra só de mulheres, fazendo voz. Para contatar Áurea: 2556-1029.
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