Construindo e tocando rabeca
Rosa Minine
Uma das maiores referências da cultura popular do norte das Minas Gerais, Marimbondo Chapéu, menino pobre nascido em Guaraciama, mudou-se ainda pequenino para Montes Claros, a poucos quilômetros da casa do lendário Zé Coco do Riachão, com quem aprendeu a fazer rabecas. Hoje, aos 28 de idade, viaja pelo país promovendo oficinas para futuros luthiers*, e também tocando o instrumento.
A família de Ivanildo da Silva, o Marimbondo Chapéu, apelido que ganhou do cantor, compositor e pesquisador Téo Azevedo, é composta de artesãos, vivendo da venda dos pequenos objetos que produz, como chaveiros e enfeites para estantes. Ele herdou esse gosto, mas, bem mais apurado: a arte de fazer instrumentos musicais.
— Comecei bem criança a fabricar umas violinhas pequenininhas, coisa de menino mesmo. Até que, aos oito anos de idade, conheci o mestre 'seu' Zé Coco, e ele me disse: 'Já que você leva jeito, por que não faz um instrumento grande?', e me ensinou a fazer rabeca — lembra Marimbondo.
— 'Seu' Zé Coco era um autodidata, faleceu em 1998, um artista nato, sensacional, que no Brasil nem sempre é valorizado, as vezes nem conhecido, mas que na Alemanha é considerado como 'Beethoven do sertão'. Fui fazer um estágio com ele, que acabou gostando de mim, até porque eu já tinha o jeito de trabalhar, e foi me ajudando em tudo que sei até hoje — confessa.
A distância que separava as residências do então menino Ivanildo e Zé Coco do Riachão era de aproximadamente três quilômetros, e por facilidade de acesso 'a pé', passou a frequentar sua residência todos os dias.
— Fomos na sua casa pela primeira vez, eu com meu pai, porque gostava muito de ouvir suas músicas tocando no rádio, isso há 20 anos. Como nos recebeu muito bem, não saí mais de lá, e assim fui aprendendo a fabricar viola, rabeca e cavaquinho, e tudo mais que ele queria me ensinar. Aprendi com ele, por exemplo, a fazer som de folia de reis. Foi durante o tempo ao seu lado que aprendi a gostar das folias — conta Marimbondo, que aprendeu a tocar 'de ouvido'.
— Depois conheci o Téo Azevedo, Jackson Antunes, Sinval da Gameleira, e muitos outros amigos, e fui aprendendo mais coisas para minha carreira com cada um deles — declara com alegria.
Há dez anos Marimbondo Chapéu iniciou sua carreira musical pelas mãos de Téo Azevedo.
— Téo me convidou para ir com ele para São Paulo. Lá, conheci fabricantes de instrumentos, a música da região, mostrei meu trabalho, fiz shows, e consegui gravar meu primeiro disco, que foi um tributo ao seu Zé Coco. O disco tem uma poesia minha e Tião do Carro, e também do Jackson Antunes. O segundo saiu em 2006 só com músicas bonitas, o 'Antologia de músicas caipiras do norte de Minas' — fala.
LUTHIER E MÚSICO POR PRAZER
Somado ao grande prazer no ofício de luthier, Marimbondo usa esse talento para garantir o seu sustento, como uma fonte mais segura de sobrevivência do que sua outra alegria: a música.
— Hoje em dia, com essas músicas que estão aparecendo aí na mídia, eu acho que as rabecas estão me valendo mais que os shows. Porque querem contratar somente esses que chamam de 'artistas que fazem sucesso' para 50 mil pessoas, se não atingir esse nível, não é um show, é sim uma apresentação. Só que não temos como atingir isso sem boa divulgação — comenta.
— Mas continuo insistente fazendo meus 'showsinhos' aí pela vida, e tenho um pelo menos duas ou três vezes por mês. Faço shows com Téo Azevedo, Jackson Antunes e sozinho também, e vou vivendo. Entretanto, o que mais faço é fabricar instrumentos. Além de rabecas, que é o meu forte, estou fazendo muita viola, violão, cavaquinho, enfim, faço de tudo. Já para tocar, uso a rabeca e às vezes a viola também — acrescenta.
— Gosto de tocar 'aquela' música mais regional, o que aprendi com o pessoal que fez parte da minha vida até agora, porque nós que gostamos de 'raiz', temos que guardar isso para sempre. É o coco, o calango, o forró pé de serrá, o lundu, a folia de reis, catira, cantigas de rodas e outros, tudo isso que chamo de regional — continua.
Marimbondo Chapéu tem feito shows em São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Brasília, Goiânia, Porto Alegre, Vitória, além de Belo Horizonte e outras cidades de Minas. E está com um convite para ir se apresentar na Europa.
— Fomos convidados, o Téo, que está vendo tudo, para ir fazer shows na França, estamos aguardando para poder fazer isso. Gostaria de realizar meu trabalho também fora do Brasil, porque lá eles gostam muito da nossa música — diz.
Em toda parte que Marimbondo vai se apresentar, leva seu ofício de luthier e descobriu que em toda parte do país tem gente querendo aprender fazer instrumentos musicais.
— Com a madeira, as cordas, um facão, um estilete, serrote e uma furadeira, faço uma rabeca até debaixo de um pé de manga (risos). Por isso, agora em toda cidade que vou tocar, consigo um local para realizar uma oficina. Eu mesmo monto e procuro um jornal para divulgar o trabalho de ensinar uma pessoa fabricar seu próprio instrumento, ou quem quer aprender a tocar, ou mesmo aquele que quer aprender para fazer disso o seu ganha pão — conta.
— As oficinas duram de 15 a 20 dias, que é tempo suficiente para o aluno pegar sua própria madeira, as cordas, construír seu instrumento, e levar para casa com orgulho, aquilo que conseguiu fazer. E normalmente eles conseguem aprender tranquilamente. Tenho conseguido fazer o show e a oficina juntos, mas quando não tem show, faço só a oficina — acrescenta.
— Além disso, faço rabecas por encomenda e também levo algumas para vender em meus shows, e vende bem mesmo (risos). E não só a rabeca, mas também os outros instrumentos de cordas. Minha família é gente de baixa renda. Viemos da roça para a cidade, ficamos aqui, e estamos batalhando até hoje para sobreviver. E vamos fazendo isso cantando, vendendo uns artesanatos e umas rabequinhas. E quando a coisa aperta, faço muitas e vendo mais baratas, tudo para poder comer e pagar as contas — continua.
Marimbondo tem planos de gravar um novo disco, porém, ainda não tem condições para isso.
— Téo produziu meus dois trabalhos, eu não gastei um centavo, até porque não tenho condição financeira. É muito dinheiro para se gravar um disco. Até procurei patrocínio, mas é difícil encontrar alguém disposto a isso. Se hoje eu tivesse um patrocinador para o meu trabalho, seria maravilhoso, e poderia ver uma obra minha lançada mais uma vez pelo Brasil. Mas vamos devagar, lutando — comenta, acrescentando tem projetos para um novo cd.
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*Luthier vem do francês luth, que quer dizer alaúde, ou seja, instrumento de corda. O luthier é o artesão que fabrica ou repara instrumentos de corda com caixa de ressonância.
Tecnologia e colonização
José Ramos Tinhorão
As relações entre a música popular brasileira e os meios de comunicação comportam uma visão histórica (ou seja, o levantamento, ainda incompleto, de informações destinadas a revelar os meios que têm tornado possível, até hoje, a divulgação das criações musicais do povo) e uma visão crítica (ou seja, uma interpretação de significado e conseqüências dessa relação crescente entre a arte musical popular e os meios tecnológicos de recolher, guardar, reproduzir e divulgar sons).
Em primeiro lugar, é preciso estabelecer que, quando nos referimos a musica popular brasileira e meios de comunicação, estamos nos referindo à música popular das cidades, composta por autores conhecidos, e destinada ao comércio do lazer predominantemente urbano (normalmente gravada em cilindros, discos, CDs, fitas magnéticas, filmes sonoros de cinema ou videotapes, com a finalidade de ser reproduzida por meios mecânicos, elétricos ou eletrônicos). E isto porque a música popular, no nível das populações rurais, ainda presas a um modo de transmissão oral, tradicional, obedece a mecanismos próprios, uma vez que não se liga a processos de evolução sócio-cultural-religiosos particulares de cada região.
De fato, enquanto a música popular rural, folclórica, é sempre um fenômeno local — só se explicando sua eventual expansão pelos movimentos migratórios das populações que a praticam -, a tendência da música popular urbana é tornar-se nacional (e até internacional), exatamente por relacionar-se com a base industrial-comercial representada pelos meios tecnológicos de comunicação, notadamente o disco, o rádio, o cinema, a televisão e, a partir do final do século XX, também o computador.
Assim sendo, pode-se dizer que a história da música popular, entendida como a música destinada ao lazer urbano, a partir de fins do século XVIII, é, na realidade, a história das relações desse tipo de música com instituições e mecanismos determinados de comunicação, a saber: o teatro musicado, os pianos dos particulares, as bandas de música, os pequenos grupos instrumentais denominados choros, e, já a partir de fins do século XIX, todos os meios tecnológicos postos à disposição dos criadores de música para a captação de sons e sua transmissão, inclusive incorporando a imagem, como aconteceria a partir do cinema falado, da televisão e dos computadores.
De um ponto de vista crítico, conclui-se, portanto, que a história dessas relações só pode ser a das interinfluências entre a matéria-prima cultural configurada na música popular e o complexo industrial e de diversões, que a manipula para fins comerciais.
De fato, uma outra colocação para o problema do relacionamento entre música popular e os meios de comunicação só tenderia a deslocar o centro de interesse do problema para o campo das especulações teóricas, quando — ao menos do ponto de vista da cultura brasileira — o mais importante é determinar a realidade que se estabelece quando alguém cria um produto cultural (no caso a música popular) e outro se propõe a transformar essa criação num produto industrial-comercial, possibilitando sua divulgação para amplas camadas, e sua colocação no mercado sob a forma de artigos de consumo.
As informações históricas de que dispomos sobre as relações entre a música popular e os meios de comunicação, embora incompletas em muitos pontos, já permitem estabelecer algumas conclusões. E a principal é esta: a dependência de um produto cultural em relação aos meios de comunicação destinados a divulgá-lo, determina um crescente poder de influência dos segundos sobre os primeiros, à maneira que a tecnologia dos citados meios de comunicação se sofistica.
Para comprovar essa afirmação, basta um pequeno levantamento histórico das condições em que se tem processado no Brasil esse relacionamento entre a música popular e os citados meios de comunicação, a partir de meados do século XIX.
Como se sabe, a moderna música destinada ao lazer das populações das grandes cidades, desvinculadas da cultura folclórica predominantemente rural, é uma criação européia contemporânea da Revolução Industrial. Realmente, foi para atender ao gosto e às necessidades de novas camadas citadinas, surgidas com a diversificação social provocada pelas grandes concentrações urbano-industriais, que, principalmente a partir da primeira metade do século XIX, começou a aparecer uma série de músicas de dança de salão: as valsas vienenses, schottisch, a polca, a quadrilha, a mazurca, etc.
No Brasil, cujo processo de diversificação cultural só se acentuaria a partir do Segundo Império, esses gêneros começaram a se tornar conhecidos e cultivados com a popularização dos pianos, a partir da segunda metade do século XIX. E foi assim que, com o surgimento de pianeiros profissionais, pagos para animar bailes em casas de família, esses gêneros de música de dança européia passaram definitivamente à área da incipiente classe média urbana brasileira.
Já aqui, porém, cabe submeter à informação histórica ao exame crítico, a fim de determinar em que nível de dependência se processava esse relacionamento entre o tocador de piano brasileiro e os gêneros de música importados. E a análise desse relacionamento leva a uma primeira conclusão curiosa: apesar daquela informação estrangeira transmitida pela partitura, a forma culturalmente descomprometida de tocar dos pianeiros, muitos deles mestiços, acabava modificando a tal ponto as músicas importadas que em poucos anos estavam nacionalizadas. Foi isso o que aconteceu, principalmente a partir de 1870, quando, passando a ser compostos por músicos do povo, alguns desses gêneros — como a valsa, a polca e a schottich -, popularizando-se entre os grupos de flauta, violão e cavaquinho, que tocavam de ouvido, distanciaram-se ainda mais dos signos registrados nas partituras. Realmente, seria do estilo chorado de tocar essa música européia (inicialmente divulgada pelos pianos dos salões) que nasceria o primeiro estilo de música instrumental reconhecidamente urbano brasileiro: o choro. E isso embora a partitura de piano continuasse a constituir o meio de comunicação musical mais difundido até o fim do século XIX, quando a divulgação de sons musicais passou, finalmente, a contar com meios de reprodução mecânica.
De fato, só com a criação do fonógrafo de cilindro pelo inventor americano Thomas Alva Edison, em 1877, iria se realizar o velho sonho de captar sons, previsto inclusive por Rabelais o século XVI, no episódio do livro de Pantagruel em que palavras congeladas anos antes se desprendiam de seu invólucro para reviver e soar quando o gelo se desfazia.
Os primeiros cilindros gravados com vozes e música foram exibidos no Brasil já a partir de 1879, e quando, afinal, pouco mais de dez anos depois, o pioneiro do comércio de aparelhos de som Frederico Figner, iniciava a venda sistemática de fonógrafos no país, a história das relações entre a música popular e esse meio de comunicação sofreria uma mudança fundamental. Agora, ao contrário do que acontecera com as partituras de piano, não era mais possível "reinterpretar": a música importada era exatamente aquela que soava pela boca do fonógrafo, ao ser acionada a manivela que fazia girar o cilindro gravado.
E foi assim que, quando a esse sistema de gravações em cilindros, ainda muito precário, se acrescentou à novidade do disco, a partir do início do século XX, a música estrangeira, divulgada pelos gramofones, começou a disputar o mercado brasileiro, efetivamente, ao lado da música nacional.
Estabelecida essa possibilidade de competição industrial-comercial, a música popular brasileira, enquanto produto cultural passou a sofrer a influência do concorrente estrangeiro. E como a nascente classe média urbana da nova era industrial do início do século XX entrava a identificar-se com os padrões do equivalente da sua classe nos Estados Unidos, o disco — primeiro grande instrumento de divulgação de música na era tecnológica — passou a contribuir para a popularidade, não da música popular brasileira, mas exatamente da importada.
Graças à guinada em favor da música popular estrangeira, proporcionada pelo advento do disco (predominantemente a música americana, representada pelo one step, o two step, o black bottom, shimmy, o charleston e o fox-trot), o estilo choro passou ao segundo plano, e a partir da segunda década do século XX instaurou-se no Brasil a era do jazz-band.
Tal como acontecera pouco menos de um século antes com o advento dos gêneros musicais europeus em partituras para piano, os primeiros grupamentos de jazz-band brasileiros ainda apresentavam, em todo o caso, alguma particularidade nacional. No entanto, a partir de fins da década de 1920, novo salto tecnológico veio aprofundar o processo de dependência cultural no plano da música popular: os filmes americanos passaram a ser sonoros, e os primeiros musicais — que na realidade eram espetáculos da Broadway filmados — levaram os músicos brasileiros a reproduzir mimeticamente sobre os tablados até mesmo os trejeitos dos colegas norte-americanos.
Desta forma, quanto trinta anos depois, ao iniciar-se a década de 1950, a televisão fez sua entrada no Brasil, esse novo meio de comunicação — que agora trazia o cinema para dentro da casa dos espectadores — nada mais fez do que aprofundar, com a massificação dos seus tapes enlatados, aquele processo de invasão cultural, já efetivado com a aceleração dos progressos tecnológicos no campo da reprodução e divulgação dos sons e das imagens. Era a instauração da era do rock e, logo em seguida, dos experimentos da tecno-music.
Tudo isso bem interpretado, o que se comprova com o princípio da dependência crescente da música popular aos meios de comunicação é que tanto maior é a dependência (e a conseqüente descaracterização do produto cultural nacional) quanto maior a distância entre as possibilidades tecnológicas do país e a dos centros industriais que criam aqueles meios.
No caso do Brasil, tal distância é tão grande que só poderia levar a uma conclusão: os modernos meios de comunicação, considerando-se sua origem estrangeira, continuarão a trabalhar contra a cultura brasileira, de uma maneira geral, e contra a criação de uma música popular de caráter local, em particular.
Retirado da obra Cultura popular: temas e questões, de 2001
Brava luta por cultura popular
Rosa Minine
Com 11 anos de existência na periferia da zona sul de São Paulo, a Brava Companhia Teatral mantém um diálogo constante com a comunidade local, que a ajudou a ter uma sede onde acontecem apresentações teatrais, oficinas, debates, sempre tendendo para a criação junto ao povo e para ele. Com 7 atuadores, a trupe acredita que 'fazendo se vai entendendo o seu próprio fazer', e além das apresentações 'em casa', circula pelas ruas e espaços fechados do país.
Os espetáculos que a Brava encena nas ruas
criam diálogos vivos com a platéia
— Há aproximadamente quatro anos existiu uma luta no Jardim São Luis, que pertence administrativamente à subprefeitura de M'Boi Mirim, pela ocupação de um espaço abandonado, que havia sido um 'sacolão'. A sociedade se organizou para exigir do poder público a liberação do espaço para a cultura, e como já existia a nossa ação no bairro, com um trabalho intenso ao lado de outros grupos organizados, movimentos e associações de bairro, fomos convidados para essa ocupação, passando a fazer dele a nossa sede — conta Fábio Resende, ator do grupo e diretor do último espetáculo.
Até então a Brava tinha uma casa que fazia de escritório e seus ensaios se davam em locais emprestados. Na nova sede, o grupo fez melhorias materiais, como a construção de uma parede, para que outros grupos pudessem usar o local simultaneamente em ensaios, oficinas, apresentações.
Segundo Fábio, a participação do povo com criação de um pensamento crítico e consciência política é notória, contudo, a partir deste ano aconteceram várias tentativas, por parte do poder público, de despejar o grupo.
— A mesma subprefeitura que um dia permitiu que ocupássemos, passou a investir para nos tirar daqui. Derrubaram a parede que construímos alegando que não tínhamos um projeto arquitetônico registrado, e colocaram uma série de empecilhos para nossas atividades — conta.
— Várias tentativas de pressões políticas contrárias aconteceram, mas, para surpresa deles, novamente a sociedade se organizou, incluindo a comunidade local, parceiros, grupos teatrais de São Paulo e até outros estados. Unimo-nos, fizemos um manifesto, isso repercutiu e permanecemos no local. Voltamos a reformar o espaço e reconstruir o que eles destruíram — continua.
Todos os componentes da Brava nasceram em bairros proletários na periferia, e sua ação sempre foi junto às comunidades distantes do centro e bairros com melhores condições de saúde, educação e cultura, optando por um teatro de arena, para ficar mais próximo do povo. O teatro de rua, que apresentam também no centro da cidade e em várias partes do país, surgiu exatamente por esse seu estilo de apresentações.
— Somos um grupo de teatro com uma posição de pesquisa em relação à rua, e cada espetáculo nosso dialoga de um jeito com ela, porque acreditamos que é um espaço amplo com muitas possibilidades estéticas a serem exploradas de fato. Dentro disso temos diálogo vivo, então mutável, com a platéia, e o que fazemos para a rua também pensamos para o nosso espaço e outros que existem pela cidade — declara.
— Nesses anos de existência, já montamos nove espetáculos, com os quais circulamos pelas comunidades das periferias da cidade, em um total de mais de trezentos bairros, sendo que na maioria, voltamos mais de uma vez. Também já fizemos vários trabalhos de oficinas regulares e não regulares nesses locais — acrescenta Fábio, que esteve também se apresentando nas ruas de Florianópolis recentemente.
FALANDO PARA O POVO
— Temos claro com quem queremos falar em nossos espetáculos, que são os trabalhadores, o povo, mantendo discussões e provocando novas outras, em locais fechados ou nas ruas das periferias, centro ou outras partes, sendo que o nosso discurso é de onde viemos e qual o nosso entendimento de mundo, mantendo essa relação com o povo, através de um teatro não comercial — continua.
Fábio diz que o teatro da Brava apóia-se em opções estéticas diversas, como o teatro épico Brechtiano, mas com uma pesquisa e criação própria.
— Ás vezes nos apropriamos de coisas que estão profundamente arraigadas, impostas pela TV e algo no gênero, para discuti-las, mas não reproduzi-las, porque procuramos fazer um teatro que traga uma discussão vinda da sociedade no tempo histórico em que vivemos, dialogando com questões que deveriam ser populares. Queremos um teatro que tenha uma função social, e só isso já nos causa vários 'problemas' positivos — fala.
— A Brava, nosso último espetáculo, que estamos encerrando agora, surgiu em um momento complicado, quando estávamos sem sede, local para ensaiar, e sem nosso repertório antigo. Isso fez com que pensássemos em tudo que estávamos fazendo até então, e trouxéssemos uma discussão à tona no espetáculo: 'para que estamos lutando hoje e qual a nossa busca'? — declara.
— Fica claro que nos colocamos em xeque no espetáculo, que se apropria da história da Joana D'Arc para poder dizer o que queremos de uma maneira épica, e trazer discussões. A peça também trata de maneira simbólica da imposição cultural americanizada, através de vários elementos que aparecem durante o trabalho — continua.
O próximo espetáculo da trupe O errante, que estréia no final deste ano, tem como eixo de pesquisa o mundo das imagens, usadas para atrair e iludir o povo.
— São as 'imagens que nos cercam, imagens que nos cegam', uma crítica que fazemos à maneira espetacular de ver a vida, conduzida por uma coisa chamada mercadoria. É uma discussão que trazemos para o povo sempre cercado de imagens, através de um andarilho que se apaixona por uma imagem de uma grande atriz, que é a mercadoria. Então segue essa imagem pensando que ela também o ama, e no decorrer da peça percebe que tudo aquilo era uma ilusão programada e, conscientizado disso, tenta fazer uma revolução — antecipa.
— Usamos elementos completamente espetaculares para criticar o próprio espetáculo, sempre nos colocando em xeque, para que o povo não nos veja como uma verdade absoluta, mas também possa nos criticar, e isso também gerar críticas e descobertas neles próprios — diz.
— Quando falamos de teatro popular, caímos em um entendimento desse teatro que a reprodução de contos populares, e começamos a reproduzir isso, de certa forma, seguindo uma ordem estabelecida. Mas quando nos propomos a revelar coisas escondidas na sociedade, trazemos uma discussão mais ampla e com esta, surgem descobertas e um deslocamento de quem assiste e de quem faz — acrescenta.
No final dos espetáculos, a Brava sempre faz um debate, mesmo quando na rua.
— Normalmente conversamos sobre o tema, as pessoas questionam como chegamos a tal idéia, e cai na temática do espetáculo colocada no tempo atual e as questões sociais, virando uma rica discussão. Mas uma coisa que temos colocado nos últimos tempos é a maneira como o grupo se organiza, de forma coletiva, sem a importância ou a corrida desenfreada pelo lucro, colocando a arte, o coletivo, o social na frente do benefício próprio individualista. Isso causa um grande interesse no povo, acostumado com visão capitalista de mundo — finaliza Fábio.
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