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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

190 anos da Independência: Ode ao Dois de Julho


A batalha do Pirajá
A Batalha de Pirajá, Bahia, novembro de 1822

Por Castro Alves


Era no dois de julho. A pugna imensa
Travara-se nos cerros da Bahia...
O anjo da morte pálido cosia
Uma vasta mortalha em Pirajá.
"Neste lençol tão largo, tão extenso,
"Como um pedaço roto do infinito...
O mundo perguntava erguendo um grito:
"Qual dos gigantes morto rolará?!..."

Debruçados do céu... a noite e os astros
Seguiam da peleja o incerto fado...
Era a tocha — o fuzil avermelhado!
Era o Circo de Roma - o vasto chão!
Por palmas - o troar da artilharia!
Por feras - os canhões negros rugiam!
Por atletas - dous povos se batiam!
Enorme anfiteatro — era a amplidão!

Não! Não eram dois povos, que abalavam
Naquele instante o solo ensanguentado...
Era o porvir - em frente do passado,
A Liberdade - em frente à Escravidão,
Era a luta das águias — e do abutre,
A revolta do pulso - contra os ferros,
O pugilato da razão — com os erros,
O duelo da treva - e do clarão!...

No entanto a luta recrescia indômita...
As bandeiras — como águias eriçadas —
Se abismavam com as asas desdobradas
Na selva escura da fumaça atroz...
Tonto de espanto, cego de metralha,
O arcanjo do triunfo vacilava...
E a glória desgrenhada acalentava
O cadáver sangrento dos heróis!...

Mas quando a branca estrela matutina
Surgiu do espaço... e as brisas forasteiras
No verde leque das gentis palmeiras
Lá do campo deserto da batalha
Uma voz se elevou clara e divina:
Eras tu— Liberdade peregrina!
Esposa do porvir-noiva do sol!...

Eras tu que, com os dedos ensopados
No sangue dos avós mortos na guerra,
Livre sagravas a Colúmbia terra,
Sagravas livre a nova geração!
Tu que erguias, subida na pirâmide,
Formada pelos mortos de Cabrito,
Um pedaço de gládio — no infinito...
Um trapo de bandeira — n'amplidão!... 


Nota

O poeta Castro Alves

O poeta Castro Alves (1847-1871)  escreveu três poemas em homenagem à vitória dos brasileiros na guerra da independência na Bahia - esta Ode aqui reproduzida, declamada em São Paulo, em junho de 1868 e o poema ”Ao Dois de Julho”, escrito na Bahia em 1867, ambos para o livro Espumas Flutuantes. O outro, o soneto “Ao Dois de Julho”, escrito no Recife em 1864, foi publicado na obra póstuma Hinos do Equador (1921), livro onde consta também outro poema que comemora a independência do Brasil: “Ao Dia Sete de Setembro”, escrito na Bahia, em 7 de setembro de 1861.

Escolhi reproduzir aqui a “Ode ao Dois de julho”, de 1868, pela homenagem que presta a todos os brasileiros que pegaram em armas pela independência mas cuja epopeia ficou oculta pela tese dominante de que a independência não resultou da luta dos brasileiros, tendo sido uma “doação” da Coroa Portuguesa. Ao saudar a “liberdade, esposa do porvir”, o poeta condoreiro saúda aqueles que lutam pelo Brasil e ajuda a desmentir as róseas fábulas que descrevem conquistas sem luta (José Carlos Ruy).


Do livro História Poética do Brasil. História do Brasil Narrada Pelos Poetas. Jamil Almansur Haddad (seleção e introdução). São Paulo, Editorial Letras Brasileiras, 1943

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