Nelson Rodrigues
No centenário do dramaturgo pernambucano, radicado no Rio de Janeiro, Nelson Rodrigues ganha edição de livro com 71 de suas crônicas esportivas que mostram sua vocação para a polêmica, seu amor pelo Brasil e sua capacidade para penetrar na alma do brasileiro. O grande escritor, teatrólogo e jornalista não tinha medo de confessar seu amor pelo país e pelo jeito de ser brasileiro.
Por Marcos Aurélio Ruy (*)
Organizado por sua filha, Sonia Rodrigues - que se está transformando na mais importante estudiosa da obra de seu pai no país - Brasil em campo (Editora Nova Fronteira) traz as crônicas de Nelson Rodrigues sobre o seu time do coração, o Fluminense, sobre a seleção brasileira, sobre cultura, política, além de críticas contundentes à ignorância e soberba da elite que descrê do Brasil. Ele próprio se autoproclamava, na crônica O Brasil entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética, “de um patriotismo inatual e agressivo”, totalmente “digno de um granadeiro bigodudo” publicada em Manchete Esportiva, 31 de maio de 1958.
Sonia explica que procurou com esse livro “preencher uma lacuna” para resolver uma inquietação e descobrir “em que contexto Nelson Rodrigues disse suas frases lapidares, repetidas à exaustão, até hoje”; ela ainda afirma que “a obsessão dele era o Brasil”. A mais famosa dessas frases é sobre o “complexo de vira-latas”, que atribuía a um sentimento de inferioridade, que só foi vencido com as vitórias da seleção brasileira de futebol em 1958 e 1962. Para ele, por causa dessas vitórias em duas copas do mundo com certo exagero - com lhe era peculiar -, “já ninguém tem mais vergonha de sua condição nacional”.
O autor de clássicos do teatro, teve diversas obras adaptadas para o cinema e para a televisão, que retratam a alma do brasileiro em sua dor, seus amores, sua morte e sua vida (como Vestido de noiva, 1943; A falecida, 1953; Perdoa-me por me traíres, 1957; Toda nudez será castigada, 1974, e tantas outras), e apaixonado pelo futebol - como a maioria dos brasileiros -, defendia um jornalismo atuante no qual se discutisse ideias e temas que considerava para a nação. Não um jornalismo no qual a mentira virou norma, que já era condenado por Olavo Bilac no início do século 20. O dramaturgo decantava aos quatro ventos seu amor pelo Brasil. Coisa fora de moda até nossos dias na grande mídia patronal.
E suas crônicas Nelson Rodrigues, que nasceu em 1912 e morreu em 1980, tecia veemente críticas à imprensa que evocava já criticava o país e enaltecia a Europa e o europeu, inclusive o futebol europeu e seu jeito virulento de jogar, com seus esquemas rígidos, calcados na força física. Dessa forma, a mídia dominante tentava desmerecer o Brasil e o brasileiro como inferiores. Visão que prevalece em mídia hegemônica atual que – como constatou Antônio Gramsci – é um verdadeiro partido político que age contra os interesses nacionais, democráticos e populares.
Nelson também ironizava a soberba elitista e sua ignorância sobre o país e os brasileiros e, em suas crônicas, não se restringe ao futebol, envolvendo também a política e a cultura.
Reacionário até o dedinho do pé, o dramaturgo defendia o golpe de 1964 e era amigo do general Garrastazu Médici e o elogiava por gostar de futebol. Ao mesmo tempo tecia elogios ao comunista João Saldanha, técnico da seleção brasileira antes da Copa de 1970, segundo dizem demitido por exigência do ditador-general - o mais tirânico dos generais-presidentes da era de 1964. Saldanha foi afastado com beneplácito da ditadura e da imprensa esportiva da época.
Pela leitura do livro, organizado por Sonia Rodrigues, compreende-se a diferença das crônicas do seu pai e os colunistas esportivos e não esportivos atuais. Nelson Rodrigues tinha inteligência, cultura, ideias próprias e amor pelo Brasil. Coisas que se vê muito pouco na mídia comercial dominante.
A crônica No Brasil, o futebol é que faz o papel da ficção, mostra sua visão sobre futebol, literatura, sobre o país e os brasileiros. Ele finaliza a crônica assim:
“eu queria dizer, ainda que o Brasil também está no arremesso lateral de Djalma Santos, o negro. É um grave, um transcendente arremesso lateral. Amigos imaginemos a cena. A bola está no chão. E vem Djalma Santos. Ele se curva. Apanha abola e a carrega, a mãos ambas, como diria o Eça. Não é um esforço leve e frívolo. Não. Djalma Santos parece estar suspendendo um piano. Ele ergue a bola. Balança o corpo. E aí que está o sortilégio: o seu arremesso lateral é solene, forte, herói – como um tiro de meta. É uma bomba. Amigos pode-se ligar a potencialidade manual de Djalma Santos à nossa epopeia industrial”.
Ler Nelson Rodrigues serve para compreender o país e a alma do brasileiro, apesar de seu conhecidíssimo reacionarismo.(*) colaborador do Vermelho
LivroBrasil em campo. Sonia Rodrigues (org). Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2012
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