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sábado, 17 de novembro de 2012

Nelson Rodrigues, cronista apaixonado


Nelson Rodrigues
Nelson Rodrigues



No centenário do dramaturgo pernambucano, radicado no Rio de Janeiro, Nelson Rodrigues ganha edição de livro com 71 de suas crônicas esportivas que mostram sua vocação para a polêmica, seu amor pelo Brasil e sua capacidade para penetrar na alma do brasileiro. O grande escritor, teatrólogo e jornalista não tinha medo de confessar seu amor pelo país e pelo jeito de ser brasileiro.

Por Marcos Aurélio Ruy (*)


Organizado por sua filha, Sonia Rodrigues - que se está transformando na mais importante estudiosa da obra de seu pai no país - Brasil em campo (Editora Nova Fronteira) traz as crônicas de Nelson Rodrigues sobre o seu time do coração, o Fluminense, sobre a seleção brasileira, sobre cultura, política, além de críticas contundentes à ignorância e soberba da elite que descrê do Brasil. Ele próprio se autoproclamava, na crônica O Brasil entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética, “de um patriotismo inatual e agressivo”, totalmente “digno de um granadeiro bigodudo” publicada em Manchete Esportiva, 31 de maio de 1958.

Sonia explica que procurou com esse livro “preencher uma lacuna” para resolver uma inquietação e descobrir “em que contexto Nelson Rodrigues disse suas frases lapidares, repetidas à exaustão, até hoje”; ela ainda afirma que “a obsessão dele era o Brasil”. A mais famosa dessas frases é sobre o “complexo de vira-latas”, que atribuía a um sentimento de inferioridade, que só foi vencido com as vitórias da seleção brasileira de futebol em 1958 e 1962. Para ele, por causa dessas vitórias em duas copas do mundo com certo exagero - com lhe era peculiar -, “já ninguém tem mais vergonha de sua condição nacional”.

O autor de clássicos do teatro, teve diversas obras adaptadas para o cinema e para a televisão, que retratam a alma do brasileiro em sua dor, seus amores, sua morte e sua vida (como Vestido de noiva, 1943; A falecida, 1953; Perdoa-me por me traíres, 1957; Toda nudez será castigada, 1974, e tantas outras), e apaixonado pelo futebol - como a maioria dos brasileiros -, defendia um jornalismo atuante no qual se discutisse ideias e temas que considerava para a nação. Não um jornalismo no qual a mentira virou norma, que já era condenado por Olavo Bilac no início do século 20. O dramaturgo decantava aos quatro ventos seu amor pelo Brasil. Coisa fora de moda até nossos dias na grande mídia patronal.

E suas crônicas Nelson Rodrigues, que nasceu em 1912 e morreu em 1980, tecia veemente críticas à imprensa que evocava já criticava o país e enaltecia a Europa e o europeu, inclusive o futebol europeu e seu jeito virulento de jogar, com seus esquemas rígidos, calcados na força física. Dessa forma, a mídia dominante tentava desmerecer o Brasil e o brasileiro como inferiores. Visão que prevalece em mídia hegemônica atual que – como constatou Antônio Gramsci – é um verdadeiro partido político que age contra os interesses nacionais, democráticos e populares. 

Nelson também ironizava a soberba elitista e sua ignorância sobre o país e os brasileiros e, em suas crônicas, não se restringe ao futebol, envolvendo também a política e a cultura.

Reacionário até o dedinho do pé, o dramaturgo defendia o golpe de 1964 e era amigo do general Garrastazu Médici e o elogiava por gostar de futebol. Ao mesmo tempo tecia elogios ao comunista João Saldanha, técnico da seleção brasileira antes da Copa de 1970, segundo dizem demitido por exigência do ditador-general - o mais tirânico dos generais-presidentes da era de 1964. Saldanha foi afastado com beneplácito da ditadura e da imprensa esportiva da época.

Pela leitura do livro, organizado por Sonia Rodrigues, compreende-se a diferença das crônicas do seu pai e os colunistas esportivos e não esportivos atuais. Nelson Rodrigues tinha inteligência, cultura, ideias próprias e amor pelo Brasil. Coisas que se vê muito pouco na mídia comercial dominante. 

A crônica No Brasil, o futebol é que faz o papel da ficção, mostra sua visão sobre futebol, literatura, sobre o país e os brasileiros. Ele finaliza a crônica assim:
 
“eu queria dizer, ainda que o Brasil também está no arremesso lateral de Djalma Santos, o negro. É um grave, um transcendente arremesso lateral. Amigos imaginemos a cena. A bola está no chão. E vem Djalma Santos. Ele se curva. Apanha abola e a carrega, a mãos ambas, como diria o Eça. Não é um esforço leve e frívolo. Não. Djalma Santos parece estar suspendendo um piano. Ele ergue a bola. Balança o corpo. E aí que está o sortilégio: o seu arremesso lateral é solene, forte, herói – como um tiro de meta. É uma bomba. Amigos pode-se ligar a potencialidade manual de Djalma Santos à nossa epopeia industrial”.
 
Ler Nelson Rodrigues serve para compreender o país e a alma do brasileiro, apesar de seu conhecidíssimo reacionarismo.

(*) colaborador do Vermelho

LivroBrasil em campo. Sonia Rodrigues (org). Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2012

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