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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Cooperifa: "A gente quer fazer poesia"


No bar do Zé Batidão não faltou cerveja; nem poesia. Por entre as mesas daquela quarta-feira à noite (30 de janeiro) o silêncio também era uma prece. Mas só para deixar que Zumbi ou Nossa Senhora pudessem se transfigurar a partir do microfone. Poderia ser dito,“se pá”, que aconteceu até declaração de amizade em forma de poesia. Entre as declamações como não se comover com a voz possante e pulsante de Dona Edite, uma das estrelas da noite?



Passada uma hora e meia de poesia, um dos maestros da noite, que quando criança passava o dia todo lendo no bazar do pai, pausa a venda de camisas do sarau para “trocar uma ideia” com o Brasil de Fato.

Cem anos de solidão o “chamou” para viver como poesia. Uma vez disse que, quando criança, não sabia que era pobre porque todos ao seu redor eram iguais: “Só quando visitei o Bexiga [bairro central de São Paulo], com seus prédios, compreendi melhor as coisas”. Para ele,“viver dói, por isso o sonho”. E agora, Sérgio Vaz? O que vai nos dizer na esquina do bar do Zé Batidão?

Brasil de Fato: Estou aqui em Piraporinha, zona sul de São Paulo, no Sarau da Cooperifa, quase que me sentindo numa igreja, mas no bom sentido da palavra. Você iniciou o sarau reforçando a necessidade do silêncio para que a poesia fosse escutada.Sérgio Vaz: Comungando a palavra, né... Já são doze anos de Cooperifa.

Eu acho que esse silêncio faz parte desses doze anos, como uma conquista da comunidade. Depois de adorar o deus chamado trabalho, as pessoas vêm aqui para comungar a palavra, a amizade. É isso que a periferia está vivendo, tem a violência mas existe a cultura também.

Brasil de Fato: No final do ano passado, num encontro literário no Sesc Belenzinho, você mencionou algumas influências como Clarice Lispector e Gabriel Gárcia Marques.SV: Minha influência é Clarice Lispector; escritores latinos que tinham uma pegada política, para chegar onde eu cheguei. Eu sempre gostei de ler. Para chegar nessa literatura que eu faço hoje eu tive que beber nessa fonte, essa a grande fonte. Eu acho que surgem poetas novos, jovens, que a gente tem que ler, mas os clássicos são os clássicos. São imprescindíveis.

Brasil de Fato: Você cresceu em meio a leitura?SV: Quem me influenciou foi meu pai. Na minha casa nunca faltou alimentos, nem livros. A gente sempre teve uma vida simples.

Brasil de Fato: Você tem elogiado bastante o livro Um defeito de cor, que conta a história do ponto de vista periférico.SV: Esse é um livro da Ana Maria Gonçalves. Ela investiga alguns escritos da época da escravidão, das pessoas que sentiram na pele aquele período. Ela descreve o que era um país colonial, a Bahia, Minas Gerais, o que era o Rio de Janeiro. É fundamental pra gente conhecer a nossa história da periferia, onde estão os negros e os pobres. Fala de luta. Fala de um monte de coisas que a gente precisa ouvir, mas escritas por aqueles que sofreram. Na verdade, não é o caçador que está contando, é a caça.

Brasil de Fato: Como você vê a mobilização política da periferia? Num sentido mais amplo, este sarau parece mostrar isso?SV: Ainda falta, mas as pessoas já estão se assanhando. Você vê que hoje, um bar, que antes só servia para embriagar, serve para reunir pessoas em torno da poesia. A gente não depende da prefeitura, não depende do Estado pra ter um espaço. A gente transformou o bar.

As pessoas precisam se conscientizar para que a gente não fique só reclamando. Tem que agir também. Reclamar como sempre e agir como nunca. As pessoas estão começando a se tocar que precisam trabalhar com que a gente tem. Continuar reclamando, mas fazendo. Se é uma praça, vamos para a praça; se é bar, vamos para o bar; se é igreja, vamos para a igreja. E eu acho que isso já está acontecendo. As pessoas estão usando o espaço que têm. Surgindo do povo para o povo. Não vindo de fora para dentro, mas de dentro pra fora. A Cooperifa é um movimento que não é meu, é da comunidade. Aqui se pode ler qualquer poesia. Isso era impensável há dez anos atrás.

Brasil de Fato: E, nesse sentido, uma participação maior do poder público seria positivo?SV: A função do governo, do Estado, é fomentar cultura. É obrigação do caras. Agora, cabe a ele entender que tipo de patrocínio deve conceder. Uma coisa é o Estado, outra é o governo. O Estado tem que fomentar cultura, e a gente tem que ir atrás porque é dinheiro nosso. Mas a Cooperifa não tem patrocínio, não tem nada. Ela se movimenta vendendo camiseta.

Brasil de Fato: Como podemos conceitualizar essa literatura que você e outros tantos, como Sacolinha, Alexandre Buzzo, Ferréz, e outros tantos fazem, e que a mídia corporativa não acompanha? É marginal? É alternativa?SV: Todas as nomenclaturas são boas. Suburbana, alternativa, marginal, divergente. Mas eu gosto de literatura periférica, porque nos pertence. Assim como a literatura grega é feita pelos gregos, a literatura negra é feita pelos negros, a literatura periférica é feita pela periferia.

Brasil de Fato: Como você analisa o mercado editorial para os escritores periféricos?
SV:
 A grande dificuldade é a distribuição. Mas uma coisa que a gente tem em comum é que a gente é marreteiro, né cara. A gente vende em escola, em porta de teatro. A gente vai pra cima. Não muda muita coisa. A gente não fica esperando a livraria Saraiva ou a Livraria Cultura. Os livros estão lá, mas a gente vai atrás do leitor. O Sarau da Cooperifa forma leitor, não forma escritor.

Brasil de Fato: Qual é a importância disso?SV: A formação do leitor é super importante porque o cara que lê se torna uma cidadão, e um cidadão muda o seu bairro. É disso que a gente precisa. O cara, quando lê, sabe para onde o ônibus vai, onde para; sabe em quem votar, sabe assinar o cheque. A gente começa a querer fazer coisas que nós queremos, e não o que os outros querem. Porque as pessoas que governam este país leem e leem muito. Então a gente tem que ler também para não sermos dominados.

Brasil de Fato: Como você vê o Hip Hop e os saraus da cidade? Que influência um tem sobre o outro?SV: A gente deve muito ao Hip Hop, que surgiu na periferia. O sarau complementou isso. A gente é convidado para ir ao show de rap e convida os caras para vir aqui. Então, isso é uma grande harmonia, porque todos somos da periferia. E a gente tem gratidão pelo rap que foi o primeiro que deu o grito da periferia. Na verdade, a gente está junto e misturado.

Brasil de Fato: Ao mesmo tempo, o funk também se espalha pela periferia paulistana. Longe de qualquer julgamento moralista, te questiono acerca desse fenômeno.SV: O que é o funk? O funk é o retrato da juventude da periferia. Se você quiser entender a periferia atualmente, você precisa ouvir o funk. Esse funk reflete a educação pública de má qualidade, a falta de segurança, a falta de saúde. Esse é o resultado. As crianças e jovens que tiveram e têm uma educação falida não podem escrever letras sobre Chico Buarque. As pessoas não têm onde ficar, não têm onde ir, aí colocam o som no carro e vão curtir. Agora, o que a sociedade tem que entender é que isso é o reflexo da educação que os jovens estão recebendo.

Brasil de Fato: Você está otimista em relação à ampliação do número de leitores dos escritores periféricos?SV: A nossa ideia é que as pessoas se apropriem da poesia, se apropriem da literatura. A gente não quer dominar o mundo, o país, a gente quer fazer poesia. Nossa ideia é mudar a comunidade. Se atingir outras pessoas, ótimo. Mas nossa ideia é mudar isso aqui. Interferir em nossa geografia, como diz o [poeta] Marcelino Freire.

Fonte: Brasil de Fato

(foto: Sérgio Vaz comemora os 12 anos da Cooperifa / imagem: Marcelo Min/Governo da Bahia)

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