Argo, fantasia ou farsa?
Filme do ator e diretor estadunidense Ben Affleck tenta mudar a imagem da CIA e retocar o fracasso dos EUA na ocupação de sua embaixada no Irã, em 1979
Cloves Geraldo
Às claras, sem maquiagem, a Academia de Artes e Ciências Cinematográfica elegeu o filme que escancara o papel de Hollywood, como um dos esteios do imperialismo estadunidense. E com a tentativa de mudar, em décadas de vilania, a imagem da CIA (Central de Inteligência Americana), através do cinema. O ator e cineasta Ben Affleck, com Argo, ganhador do Oscar de Melhor Filme de 2012, se presta a isto com todas as implicações estéticas, narrativas, conteudísticas e, sobretudo, políticas, para contar a história do resgate de “seis diplomatas” estadunidenses durante a ocupação da embaixada dos EUA, no Irã, em 04/11/1979.
Contraditoriamente, Affleck reduz os fatos políticos a breves sequências de rua e de TV, takes de jornais e revistas da época, e de fotografias e quadrinhos. O que lhe interessa é destacar a competência, a frieza e o carisma do agente da CIA Kevin Harkins (Ben Affleck), especialista em resgatar estadunidense sequestrados no exterior. E, portanto, tentar mostrar o quanto a CIA é necessária, quando as vias diplomáticas fracassam, sobretudo em situações como as da ocupação da embaixada dos EUA, por manifestantes pró-Revolução, em Teerã.
Este é o objetivo deste filme de 137 minutos, produzido por Affleck e o também ator e cineasta George Clooney, num instante em que os EUA transformaram o Irã em seu principal inimigo estratégico, devido ao programa nuclear iraniano. Na verdade o que lhes interessa é o controle das ricas reservas petrolíferas daquele país e atender às pressões israelenses. A CIA então se torna o instrumento “salvador”, mistificado por Affleck.
Sidney Pollack, em Três Dias do Condor, 1975, e Francis Ford Coppola, em A Conversação, 1974, trataram-na como um organismo doente, que devora os inimigos e as próprias entranhas. A CIA, como se sabe, não merece retoques ou endeusamento. Está por trás de inúmeros golpes de estado, inclusive a derrubada de Salvador Allende, em 1973, e das tentativas de liquidar Fidel Castro, desde 1959, para ficar só nestes fatos.
Hollywood disfarça suas intenções
Como ocorre nesse tipo de filme, Affleck disfarça suas reais intenções. O agente da CIA é o herói, bom pai, marido exemplar, profissional eficiente, capaz de vencer desconfianças com poucas palavras. Affleck e o roteirista Chris Terrio, com base em relatos do ex-agente da CIA, Antonio J. Mendez/Kevin Harkins, e da reportagem “A Grande Escapada”, do jornalista da revista Wired, Joshua Berrman, preferiram mostrá-lo assim e centrar a narrativa no resgate dos “seis diplomatas” estadunidenses que se refugiaram na embaixada do Canadá. Isto exclui o drama dos 52 funcionários que ficaram retidos na embaixada dos EUA durante 444 dias (04/11/1979/ 20/01/1981), período que Jimmy Carter negociou o fim da ocupação da embaixada.
Desta forma, tentam retocar o fracasso das tentativas de acabar com a ocupação e a imagem de fraqueza de Carter. E usam um fato real que serve ao heroísmo de Harkins e “resgata” a CIA do limbo. As sequências iniciais da ocupação da embaixada servem apenas para situar a história, mostrando os manifestantes entrando pelo prédio principal. A partir daí a narrativa desloca-se para a embaixada canadense e a articulação de Harkins para resgatar os “seis diplomatas”. Parece que eles, sim, são o centro do conflito e das exigências dos manifestantes. Não são, ficaram à margem.
A ocupação da embaixada estadunidense se deu por vários fatores: o controle que os EUA exerciam sobre as reservas petrolíferas do Irã, nacionalizadas pelo premiê Mohammed Mossadegh, em 1951, seu papel na derrubada de Mossadegh, em 1953, a sustentação do Xá Reza Palevi (Teerã, 1919/ Cairo, 1980) no poder, sua resistência à Revolução Iraniana (16/01/1979), liderada por Ruhollah Khomeini (Khomein, 1902/Teerã, 1989) e a proteção dada ao Xá, após sua queda. Daí Khomeini chamá-los de “O Grande Satã”.
Clichês e ralo suspense
Estes fatos não são vistos na tela. Apenas a abertura fala da brutalidade do Xá, como se por trás não houvesse os interesses político-econômicos dos EUA. Tampouco se sabe qual é a real importância política dos “seis diplomatas”. É tão só pretexto para transformar o fracasso das negociações do Governo Carter com o ayatollah Khomeini no sucesso do resgate dos referidos “diplomatas”. Inúmeros filmes trataram de resgate de reféns. A lista é enorme: De Volta Para o Inferno, de Ted Kotcheff, 1983, foi um deles. Argo”é tão só uma variante da realidade ficcionada, em tempos de baixa dos EUA.
Além disso, o suspense do filme é um rol de clichês, com preparação da ação a cada sequência (veja as sequências do aeroporto de Teerã). É repetitivo. Sobra o humor de dois grandes atores: Alan Arkin (Lester Siegel) e John Goodman (o maquiador John Chambers). “A história começa como farsa e acaba em tragédia”, diz Siegel a Chambers. É muito pouco para um filme que recebeu o Oscar de Filme do Ano. “Os Miseráveis”, de Tom Hooper, Globo de Ouro, de Melhor Filme, é superior. Hollywood, sem dúvida, pensa politicamente. Cinema não é só diversão.
Argo. (“Argo”).
Suspense. 2012.
EUA. 137 minutos.
Musica: Alexandre Desplat.
Fotografia: Rodrigo Prieto.
Roteiro: Chris Terrio.
Direção: Ben Affleck.
Elenco: Ben Affleck, Bryan Cranston, Alan Arkin, John Goodman.
Oscar 2012: Filme, roteiro adaptado, montagem.
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