Belas artes: estudos e apreciações, escrito pelo crítico Félix Ferreira, em 1885, ganha reedição comentada por Tadeu Chiarelli
Fundação da cidade do Rio de Janeiro, de Firmino Monteiro (óleo sobre tela, 200x300cm, 1881). (Crédito: Acervo do Palácio Pedro Ernesto.)
Com mais de um século de atraso, repara-se uma grande injustiça:Belas artes: estudos e apreciações, o primeiro livro de História da Arte do Brasil, esgotado desde o século XIX, ganha reedição comentada pelo professor e pesquisador da USP Tadeu Chiarelli. O lançamento acontece nesta sexta, 22/03, às 17h, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, com seminário gratuito com a presença de Tadeu Chiarelli e do editor Alexandre Dias Ramos, tendo como convidadas as professoras Ângela Âncora da Luz e Sônia Gomes Pereira.
Publicado em 1885 pelo crítico de arte Félix Ferreira, Belas artes: estudos e apreciações foi o primeiro livro do país que elaborou uma reflexão sobre o desenvolvimento da arte através do tempo e do espaço, buscando também inserir a produção artística brasileira nesse panorama histórico. “Ele teve dois propósitos: primeiro, introduzir o leitor brasileiro ao legado anterior da arte universal, familiarizando-o com os períodos da história da arte (Origem e Desenvolvimento; Transformação e Florescimento; Grandeza e Decadência; Renascimento e Arte Moderna); o segundo era situar a produção artística brasileira dentro desse conjunto mais amplo, integrando obras e artistas cariocas à tradição forjada pela história da arte que se consolidava no século XIX”, explica Tadeu Chiarelli, que começou a pesquisa em 2004.
A nova edição, financiada pela Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, conta com um longo prefácio, fruto da pesquisa de Chiarelli, além de um glossário com termos específicos da época, bibliografia e biografia de Félix Ferreira. O projeto incluiu ainda um minucioso levantamento iconográfico das obras mencionadas no texto original. A obra será distribuída pela editora Zouk.
Atualmente existem apenas dois exemplares no país: um na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, e outro no setor de obras raras da Biblioteca da UFRJ, no Rio de Janeiro. A pesquisa foi realizada com o exemplar da Biblioteca Mário de Andrade: “Como o livro não pôde sair da seção de obras raras tivemos que transcrevê-lo manualmente e depois o adaptamos para o português atual”, explica o professor e curador.
Félix Ferreira foi um dos mais importantes críticos do século XIX. Segundo pesquisa da doutora em Teoria da Arte Camila Dazzi, sua obra não teve o devido reconhecimento quando foi publicada porque Félix não colaborava com jornais e revistas dedicados a artes e seu livro foi estigmatizado por um dos periódicos mais populares no período: “O fato da obra não ter merecido ainda um estudo aprofundado, sobretudo se comparada à do seu contemporâneo Gonzaga-Duque, se explica, em certa medida, pelo fato de Félix Ferreira ter produzido um número bem menos significativo de publicações voltadas às artes, não tendo atuado, até onde podemos constatar, como colaborador de jornais e revistas do período com críticas sobre assuntos artísticos”.
“Devemos somar a isso o fato de Belas Artes: estudos e apreciações ter sido duramente exprobado, quando da sua publicação, em um dos principais periódicos de então, a Revista Illustrada, uma “producção transborda de banalidade” e “isenta de bom gosto e critério”. Tal estigma possivelmente pesou sobre o livro durante os anos que se seguiram, influenciando posteriores leituras e, mesmo, desestimulando possíveis revisões da obra”, segundo artigo da pesquisadora.
Camila Dazzi explica ainda que, apesar de o texto ser assinado com um pseudônimo, o autor provável dos comentários depreciativos teria sido Angelo Agostini, crítico de arte e um dos primeiros cartunistas brasileiros. Agostini teria questões particulares contra Félix Ferreira, que teceu “injustíssimas apreciações” em relação a artistas com quem Agostino mantinha amizade.
Tadeu Chiarelli, que também é diretor do MAC/USP, concorda com Camila Dazzi e supõe ainda que a falta de aceitação da obra na época se deva a algumas ideias de Félix Ferreira. “O ambiente do Rio era muito provinciano, e o problema que talvez tenha dificultado a recepção do texto é que Félix tinha algumas propostas muito concretas em relação, por exemplo, à educação das massas. Esse tipo de pensamento para alguns setores poderia soar muito aberrante. Félix era um pensador ligado a setores menos comprometidos com uma visão mais oficial da arte”, explica Tadeu.
A reedição permite, portanto, o resgate do autor e de suas contribuições para a historiografia da arte – brasileira e, em particular, carioca. Tadeu Chiarelli comemora a possibilidade de um grande número de estudantes e pesquisadores entrarem em contato com essa fonte, até então desconhecida pela maioria. “Esse é um trabalho que traz muitos dados e questões para uma reflexão mais aprofundada sobre o cenário artístico do Rio no fim do século XIX, para se pensar a crítica da arte, a situação dos museus, do patrimônio, e analisar como a população via essas questões em um momento histórico extremamente significativo, às vésperas da abolição da escravidão e da proclamação da República”, finaliza.
Sobre o livro:
Belas artes: estudos e apreciações, de Félix Ferreira
Editora Zouk – coleção “Arte: ensaios e documentos”, nº 6
2° edição, comentada por Tadeu Chiarelli
306 páginas - Capa dura - 16x23cm
R$ 49,00
Projeto realizado com patrocínio do Governo do Rio de Janeiro e da Secretaria de Estado de Cultura – Edital Artes Visuais 2011.
Produzido e distribuído pela Editora Zouk.
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