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sábado, 7 de setembro de 2013

O “O Ser e a Vida” de Oscar Niemeyer

Oscar Niemeyer
Niemeyer: como imaginar o Brasil moderno sem ele?



Pouco depois da divulgação da morte de Oscar Niemeyer, no dia 5 de dezembro de 2012, aos 104 anos de idade, os sites de jornais e revistas no Brasil e no exterior já prestavam homenagens ao arquiteto com reportagens especiais. 

Por Ângela Almeida


O jornal inglês The Guardian, por exemplo, dedicou um espaço generoso em sua capa, com cinco matérias sobre ele. A BBC de Londres também deu grande destaque ao assunto. O jornal italiano Corriere della Seradestacou que o arquiteto foi o mestre do século XX. E o jornal El Mundo, da Espanha, informou a morte de Oscar Niemeyer em sua manchete principal. 

Escrevendo este texto eu penso: há motivo. Pensando outra vez: há motivos.

Há o motivo dos mais de quinhentos projetos criados por ele, dos quais perto de duzentos espalhados por quinze países de vários continentes. Sua arquitetura fez brotar, em concreto armado, belas criaturas, tornando o mundo mais bonito. 

No Brasil, a obra monumental de Brasília, e tantas outras em várias cidades. Segundo Joaquim Cardozo, engenheiro que calculou as obras de Brasília, “os gigantescos trabalhos arquitetônicos de Brasília, por si só bastariam para colocar Niemeyer entre os maiores artistas de todos os tempos, mas, no entanto, representam apenas uma parcela de sua obra imensa, comparável em volume àquela de Picasso”. 


Eric Hobsbawm, historiador cuja reputação dispensa comentários, falecido em 1º de outubro de 2012, sentenciou: “impossível imaginar o Brasil do século XX sem Oscar Niemeyer. É impossível pensar na arquitetura do Século XX sem ele”. 

E o poeta e editor da revista Princípios, Adalberto Monteiro, escreveu sobre a arquitetura de Niemeyer: “Uma arquitetura de formas livres e leves, adversária do ângulo reto e amante das curvas. A imaginação rebentando as grades da razão. Cavalos selvagens, as mãos rejeitam os caminhos sulcados e gastos pela mesmice. Em vez disso, as veredas desconhecidas a que ordena o faro da intuição!” 

Os motivos? Os outros motivos? É a fidelidade aos ideais políticos que abraçou desde a juventude e o seu compromisso com as grandes causas libertárias da humanidade. Como ressaltou Nelson Werneck Sodré, historiador e escritor, Niemeyer estava sempre, quaisquer que fossem as circunstâncias, “ao lado dos oprimidos, dos perseguidos, dos torturados; ao lado dos miseráveis, dos desprotegidos, dos trabalhadores”. 


No livro As Curvas do Tempo, publicado em 1998, Niemeyer escreve: “Sempre acrescentei, nas minhas palestras, que não dava à arquitetura maior importância, e não havia nada de depreciativo nessas palavras. Comparava-a com outras mais ligadas à vida e ao homem, referia-me à luta política, à colaboração que todos nós devemos dar à sociedade, aos nossos irmãos mais desfavorecidos.”

Em 2007, no seu livro O Ser e a Vida – título, aliás, que lembra o diálogo que sempre empreendeu com o pensamento de Sartre e de Marx – o arquiteto reflete acerca da importância da literatura na formação humana e na construção de um país mais justo. Niemeyer fala de como a leitura foi relevante em sua vida pessoal e profissional, de como pouco a pouco ela começou a levá-lo à compreensão dos problemas mais diversos, aos assuntos da política, que então já o ocupavam. 

Niemeyer então confessa seu apreço especial por Machado de Assis, “modesto, a descer todo dia, no bondinho do Cosme Velho, para a sua Academia”; por Graciliano Ramos, seu companheiro de militância no Partido Comunista, “pessimista, seco e realista como a sua obra literária”; e por Jorge Amado, “um velho e querido camarada, alegre e desinibido como as personagens de seus romances!”. 
E conta como ficou preocupado quando ouviu uma estagiária no seu escritório indagar a uma colega: “Você já leu Eça de Queiroz?” E a outra lhe perguntar: “É filho da Raquel de Queiroz?” 

Daquele dia em diante, Niemeyer diz que passou a considerar a urgência de se intervir no processo de formação da juventude em nosso país. Qualquer coisa que impedisse cenas como aquela: palestras paralelas, cursos de extensão etc. “De outra forma, a maioria desses jovens vai ampliar este mundo dos especialistas que se limitam aos assuntos de sua profissão. O resto... a pobreza, a violência, a luta política, a defesa da soberania nacional e da América Latina, tão ameaçadas, não os interessaria muito, provocando a indignação necessária. E esse desinteresse pelos graves problemas da humanidade, deixados de lado como se eles pudessem ser enfrentados e resolvidos sem a sua participação, me entristece”, diz ele.

Foi dessa sua preocupação em influir na situação da juventude que nasceu a “Escola Oscar Niemeyer de Arquitetura e Humanismo” – comentada no livro – e que, sob o comando de sua neta Ana Lúcia Niemeyer de Medeiros, visa atrair pessoas, arquitetos ou profissionais de outras áreas do conhecimento, interessados em discutir e assimilar temas cuja compreensão e aplicação possam contribuir para tornar o homem mais feliz e solidário.

Já no final do livro O Ser e a Vida, Niemeyer afirma qual era o seu desejo: “Ah, como gostaríamos de ter ao nosso lado, a lutar contra este mundo injusto em que vivemos a juventude deste país!”

Alguém um dia disse que uma bela vida pode valer tanto quanto uma bela obra. Oscar Niemeyer é referência humana e cultural inseparável de quanto o Brasil teve de melhor, em que se juntaram a obra e a vida, admiráveis uma e outra. Há, pois, motivos, e não um só motivo. São estes que nos foram propostos por um arquiteto genial, por um cidadão responsável, por uma pessoa humaníssima. A quem homenageamos e agradecemos porque, sim, há motivos! 


(*) Mestra em Direito, doutoranda em Letras e Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil

Fontes

Niemeyer, Oscar. As curvas do tempo: memória. Rio de Janeiro: Revan, 1998.
Niemeyer, Oscar. O ser e a vida. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
Monteiro, Adalberto. Editorial, Princípios, dez.2007/jan.2008, n. 93.

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