Jornal do Brasil
As cenas de violência e autoritarismo que chocaram a sociedade na última terça-feira, na Cinelândia, remetem a tempos sombrios da história do país. Repressão, truculência e projetos de lei aprovados a toque de caixa, contrariando a vontade de trabalhadores, são práticas de triste lembrança.
Nos últimos tempos, estas tristes lembranças têm vindo cada vez mais à tona com a diferença de que, hoje, quem reprime não mostra a cara.
As bombas da Cinelândia assustam, e nos remetem à bomba do Riocentro. Policiais militares espancam jovens, como fizeram nos anos 60 no Calabouço, num trágico confronto que culminou com a morte do estudante Edson Luís.
Imagens mostraram um policial militar supostamente forjando um flagrante contra o jovem manifestante na terça-feira. Ele aparece jogando morteiros no chão enquanto o rapaz era acusado de portar artefatos. O jovem, menor de idade, foi imediatamente detido, enquanto vândalos mascarados - mesmo após a criação da lei que os torna ilegais - arremessavam pedras e depredavam o patrimônio público na frente das câmeras.
Por que estes não foram presos? Por que não são identificados? Por que continuam a agir seguidamente em manifestações sem que haja uma ação concreta de poder público contra eles? Estas perguntas continuam sem respostas.
A truculência se repete não apenas em confrontos durante protestos. Nas favelas, moradores também enfrentam a violência de policiais militares que impõem sua ordem e sua vontade.
O pedreiro Amarildo, desaparecido desde julho, teria sido barbaramente torturado com choques elétricos e asfixia, segundo inquérito da Divisão de Homicídios da Polícia Civil. Práticas antigas dos tempos da ditadura que entre outras vítimas levaram Vladimir Herzog e deixaram cicatrizes profundas na história do país. O corpo do morador da Rocinha até hoje não foi encontrado, como o de Stuart Angel, outra vítima dos anos de chumbo cujo desaparecimento não deixou rastros.
A diferença daqueles tempos para os de hoje é que se sabia quem eram os generais que davam as cartas. Hoje, quem dá as ordens não mostra a cara. Pode estar mais próximo dos ditadores de países vizinhos, como Pinochet que levou milhões de dólares para o exterior, do que de nossos antigos generais.
Naquele mesmo tempo, o decreto-lei 477 foi baixado e, em seu artigo 1º, determinava: "Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que alicie ou incite a deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento." Na prática, estabelecia um rito sumário contra quem se opusesse.
Hoje, professores veem aprovado entre as quatro paredes da Câmara de Vereadores, onde a população foi impedida de entrar, um projeto de lei apresentado pela prefeitura e que não atende a categoria. Parlamentares, eleitos pelo povo, ignoraram apelos e protestos, e deram seu 'sim' indiferentes aos gritos dos trabalhadores.
Em 69, o decreto-lei 477 foi considerado ao AI-5 das universidades. Hoje, essa repressão sanguinária que se esconde por trás dos muros do poder público pode enfrentar, nos próximos dias, uma passeata conflagrada em praça pública com mais de um milhão de pessoas. Estas sim, com a cara e a coragem.
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