Desde 1971, os livros e os hábitos de leitura dos latino-americanos são tema de uma organização extranacional composta de 21 países latino-americanos, ligada à UNESCO, e cuja grande tarefa é encarar os desafios para que a região cresça literariamente em todos os seus potenciais.
Por Camila Moraes, no Opera Mundi
Sobre as conquistas e as dificuldades do panorama do livro por aqui, o colombiano Fernando Zapata, atual diretor do Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e no Caribe (CERLALC), conversou com o portal Opera Mundi.
Opera Mundi: O CERLALC, sediado em Bogotá, existe há mais de 40 anos. Quais foram os avanços mais notáveis em relação ao livro e à leitura na América Latina desde sua criação?
Fernando Zapata: Pela ocasião dos 40 anos do CERLALC, criamos um documento que buscava, através da visão de vários diretores da organização, apontar suas conquistas mais relevantes. Todos concordaram em uma coisa: nesse tempo, foi gerado certo ânimo e ambiente que antes não existiam para concertar as diferentes autoridades de todos os países-membro em torno de temas relacionados ao livro e à leitura na região. Foram então criadas redes que, por sua vez, alcançaram resultados importantes.
Por exemplo, hoje em dia todos têm sua lei do livro, criadas em sua maioria com base em um modelo estudado e definido pelo CERLAC, primeiro em 1991 e depois em 2012. A Bolívia foi o último país a estabelecer a sua. Nesse modelo, o livro é abordado como produto para o desenvolvimento de todo um setor, a leitura e sua necessidade de fomento ganha importância central, e o estímulo aos dois se coloca não só do ponto de vista do governo central, mas dos diferentes agentes envolvidos. Analisa-se a responsabilidade de todos no processo de formação de leitores, incluindo a da família.
Vocês realizam estudos e cursos, contribuem para a criação de políticas públicas e acompanham a realidade literária da região. Como se dão essas missões no dia a dia do centro?
Nosso modus operandi é típico de uma organização extra-nacional, conformada por 21 países-membro e pela UNESCO. Existe um comitê executivo que se encontra anualmente e um conselho reunido a cada dois anos. Os sete países que integram o comitê - Espanha, Costa Rica, México, Chile, Colômbia, Brasil e Argentina - aprovam o orçamento para o ano junto com um programa técnico, cujo objetivo é atacar os principais problemas identificados. São várias frentes, como a área da digitalização, que é um dos grandes desafios do mundo literário hoje.
A realidade do mercado editorial hoje parece ser que existem muitos livros lançados e por lançar, mas muitos não são localizados e terminam engavetados, sem encontrar seu público. Que soluções se apresentam do ponto de vista do CERLALC para enfrentar a visibilidade da oferta de títulos latino-americanos?
Essa é uma das frentes do nosso programa técnico: a visibilidade da oferta editorial. Identificamos a necessidade urgente de construir um catálogo de livros a nível ibero-americano. A ideia é melhorar as plataformas de ISBN, que são as fontes mais importantes e confiáveis de livros em cada país, e criar um “software-mestre” que disponibilize essa informação - buscada internacionalmente por governos, bibliotecas, editoras e usuários que necessitam, obviamente, guiar sua decisão de compra.
Do ponto de vista analógico, as feiras de livros são as que permitem que se expressem os conteúdos locais. Há feiras nacionais, temáticas etc, a maioria delas voltada ao público. Achamos que é necessário não só facilitar a vitrine e o ambiente propício ao autor, mas também aos profissionais que trabalham com a venda de direitos. Assim, mais títulos serão traduzidos e postos em circulação.
Mas o entorno digital continua sendo o grande desafio, por isso a criação de um catálogo digital é essencial. Quem termina funcionando como esse catálogo e se beneficia disso? A Amazon, onde identificamos 70 mil referências de títulos latino-americanos.
Como você analisa o tema dos direitos autorais e da pirataria na América Latina?
A meu ver, o direito de autor está diretamente relacionado à valorização da criatividade na região. Também é um dos grandes temas do programa técnico do CERLALC. Ao contrário do que muitos pensam, valorizar o autor e fazer com que ele receba pelo seu trabalho não é evitar o acesso do público aos conteúdos, mas permitir que os criadores sejam estimulados para continuar trabalhando - e certamente não para o benefício comercial de redes mundiais que comercializam suas ideias sem remunerá-los. No fim, é preciso se perguntar: conteúdo livre e grátis pra quem?
Que razões impedem livros de autores latino-americanos de circular na América Latina?
O interesse em livros latino-americanos na América Latina certamente existe. O que faltam são vias de distribuição. Esse é o gargalo. O editor pequeno não tem como distribuir, e o grande sim, mas com interesses próprios. Essa dinâmica é que determina o mercado. Nesse sentido, a internet poderá ser responsável por uma grande revolução.
Por que, a seu ver, continuamos registrando baixos níveis de leitura?
Sob a luz da digitalização e do desenvolvimento econômico, a leitura e a escrita se reinventaram. As pessoas leem, mas nem sempre o que leem são livros. É preciso questioná-las corretamente nas pesquisas, sobre o que estão lendo e como leem. Por outro lado, é preciso lembrar que já não se mede o subdesenvolvimento pelo número de pontes e viadutos que temos. Os sinais dele estão no tipo de pensamento que se tem sobre como é possível construir melhores nações. É preciso pensar, refletir e não só improvisar. Como diretor do CERLALC, meu maior anseio é que sejamos o centro de pensamento na América Latina desses temas tão importantes.
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