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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Nordeste em som e imagem: acordeon dá o ritmo, Patativa, o verso!



Em Fortaleza, o espaço Kukukaya comemora 15 anos com festival que reúne grandes nomes da música regional, como Oswaldinho do Acordeon. Em São Paulo, o Sesi inaugura mostra de cinema que vai até dezembro e apresenta clássicos da produção nordestina, como Ave Poesia, Patativa do Assaré, filme de Rosemberg Cariry.

Por Christiane Marcondes*

Museu Patativa do Assaré
Patativa do Assaré

Patativa do Assaré
A pujança cultural nordestina tem dimensão continental, além de fama internacional, por isso corriqueiramente atrai homenagens em forma de eventos artísticos por todo o país. O Sesi-SP promove em setembro a 6ª Mostra Paulista de Cinema Nordestino, que estará em cartaz até dezembro.

A programação valoriza a produção audiovisual e o povo nordestino, destacando a riqueza do cinema nordestino e dos seus personagens retratados na grande tela. Os curtas e longas metragens selecionados serão exibidos no Centro Cultural Fiesp-Ruth Cardoso e em unidades do Sesi-SP da capital e do interior do estado. A entrada é franca.

Fomento

A 6ª Mostra Paulista de Cinema Nordestino dá continuidade ao projeto Sesi Cinema, criado em 2005. O objetivo é fomentar o polo de produção audiovisual nordestino e democratizar o acesso às obras cinematográficas, formando novas plateias.

Paralelamente, o Sesi Cinema promoverá, em cada unidade, oficinas e debates sobre a produção audiovisual do nordeste e sua importância na história do cinema nacional.

O nordeste tem sua tribo

O Kukukaya, espaço cultural de Fortaleza que se popularizou com o slogan “o Nordeste tem sua tribo” , completa 15 anos de atividades ao som de Oswaldinho do Acordeom e Waldonys (este sábado, 17), além de Chico César e Dorgival Dantas.

Para comemorar o aniversário e reforçar a disposição de seguir abrindo espaço para as coisas de cá, o Kukukaya preparou uma programação especial que revisita os melhores momentos desses 15 anos de xote, baião, xaxado, arrasta-pé, carimbó, cantoria – “ sem fronteiras outras, que não a qualidade musical”.

A mudança de endereço, da avenida 13 de maio para a avenida Pontes Vieira, garantiu maior conforto para o público, mas não alterou a grande vocação do espaço, que é colocar todo mundo na dança, sempre sob o acompanhamento de talentos consagrados e revelações.

Primeiros acordes

Dois acordeonistas nacionalmente reconhecidos sobem ao palco no sábado (17) para abrir o evento: Waldonys e Owaldinho do Acordeon; a dupla aproveita para comemorar aniversário de parceria juntamente com o da casa.

Na sexta-feira (23) o show será do cantor e compositor paraibano Chico César, outro nome de primeiro time da música nacional. Chico César contará com o acompanhamento da Orquestra de Sanfonas do Ceará, projeto especial que tem apoio e participação do Kukukaya.

Na sexta (30), o cantor, compositor e acordeonista Dorgival Dantas comanda a noite, que terá a participação de grandes sanfoneiros que fizeram a história destes 15 anos de Kukukaya.

Música e responsabilidade social

Indo além das apresentações musicais, o Kukukaya se destaca por participar ativamente da cena cultural cearense, sempre abrigando iniciativas em prol da música local e estimulando projetos de responsabilidade social e valorização da música, da dança e da gastronomia do Nordeste.

Entre as associações e coletivos que têm o Kukukaya como espaço referencial, estão a Associação Cearense do Forró (ACF), a Associação Cearense dos Músicos (ASCEMUS), a Associação Avoante, o Movimento Pró-Parque e o Grupo Folclórico Arte Popular.

Hokusai, o “louco do desenho”

No último dia 26 de agosto de 2011 aconteceu em Berlim, Alemanha, a abertura oficial da exposição de 440 obras do mestre da xilogravura japonesa, Hatsushika Hokusai (1760-1849). A mostra terá a duração de dez semanas, indo até 24 de outubro, no Museu Martin Gropius Bau de Berlim. Muitos dos trabalhos lá expostos saíram do Japão pela primeira vez e, organizada cronologicamente, mostra todas as fases da carreira do artista.

Por Mazé Leite

Divulgação
Bambu Hatsushika Kokusai

Flores de bambu ao sol
Hatsushika Hokusai inspirou artistas como Van Gogh, Manet e Monet. Gustav Klimt, Degas e Gauguin colecionavam obras do mestre japonês, que morreu pobre, quase aos 90 anos, em sua cidade natal Edo – hoje Tóquio.

Hokusai nasceu na zona rural, uma região chamada de Katsushika, perto da hoje cidade de Tóquio, entre outubro e novembro de 1760. Seus pais não são conhecidos. Ele foi adotado por uma família de artesãos quando tinha entre 3 ou 4 anos de idade. Seu pai adotivo, Nakajima, era um fabricante de espelhos para a corte do Shogun. Desde cedo, Hokusai demonstrou facilidade para o desenho e a pintura.

Com a idade de 13 anos, torna-se aluno de um atelier de xilogravura e em 1778 começa a fazer parte do atelier do mestre Katsukawa Shunsho (1726-1792) que era, entre outras coisas, especialista em retratos. Hokusai começa nesse atelier seu trabalho de desenhista e de ilustrador de estampas. Após a morte do mestre, ele deixa o atelier.

Mas ele vivia em extrema pobreza. Mesmo assim, se dedicou a estudar as técnicas das escolas mais conhecidas da sua época, como a de Sumiyoshi Naiki, por exemplo. Também conheceu a arte praticada no Ocidente através de um artista japonês (Shiba Kokan) que costumava observar os pintores holandeses. Hokusai descobre a perspectiva.

Por volta de 1794 ele se torna aluno de uma escola clássica japonesa, da tradição Rimpa. Faz muitas ilustrações e produz um grande número de desenhos e de estampas. Nessa época ele adota pela primeira vez o nome de Hokusai e ele mesmo se autodenomina, a partir de 1800, “O louco do desenho”. Em 1804 ele pinta, no templo de Edo (hoje Tóquio), com tinta nankin, uma tela gigante de 240 metros quadrados que para ser vista precisava ser içada até os tetos altos do templo.

Em 1812, Hokusai começa a percorrer seu país, fazendo croquis por onde passava, observando e anotando tudo em seus cadernos de desenho. Foram tantos os desenhos dessa fase que, quando mais tarde foram publicados em álbuns, o conjunto todo perfez 12 volumes.

Com 60 anos, Hokusai passa a se chamar Litsu, porque, dizia ele, estava entrando em nova fase da vida. Nesse período produziu muitas ilustrações de livros. A partir dos 60 anos, começou a desenhar mais paisagens, onde começou a usar a cor “azul da Prússia” que tanto inspirou o pintor holandês Vincent Van Gogh.

Ele teve, ao longo da vida, 30 pseudônimos – começou a usar Hokusai mais vezes a partir dos 70 anos de idade, fase que produziu as obras mais conhecidas. Desenvolvia sempre novos estilos e criou novas obras até o fim de sua vida, numa idade em que a maior parte dos artistas param de produzir.

Por volta de 1836, depois de uma longa temporada ausente de Edo, Hokusai volta à sua cidade. Mas a capital japonesa vivia um período de muita penúria, conhecido como o período da “Grande Fome”. Hokusai sobrevive graças a seus desenhos, que ele trocava por comida. Em 1839, um incêndio destruiu seu atelier, queimando o trabalho acumulado de anos!

Os dez anos que se seguiram foram de produção mais lenta, mas Hokusai se esforçava por fazer pelo menos um desenho por dia, coisa que ele fez até o último dia de vida. Ele morreu no dia 10 de maio de 1849, deixando uma obra com cerca de 30 mil desenhos e mais de 500 livros ilustrados. Seu corpo foi cremado e suas cinzas depositadas dentro do templo que fica na região onde ele passou a maior parte de sua vida.

Sobre a caixa que contem suas cinzas, há um epitáfio que ele mesmo escreveu: “Oh! Liberdade, Liberdade bela! Quando será que iremos aos campos do verão para deixar lá nossos corpos perecíveis?”

Conta-se que em seu leito de morte, Hokusai teria dito: “Se eu tivesse mais cinco anos de vida, teria sido um grande artista!”

Obra do compositor é resgatada em livro de músicas inéditas e na remontagem da opereta 'Flôr tapuya'

RIO - Em 1920, Pixinguinha recebeu a missão de fazer com urgência melodias para a opereta "Flôr tapuya" (grafia original). Foi, muito provavelmente, sua primeira encomenda. Ele já criara preciosidades como "Rosa" e "Sofres porque queres", mas era um jovem de 23 anos, editava composições havia apenas seis e ainda nem realizara trabalhos como orquestrador, função em que começaria a fazer história pouco tempo depois.

Era, portanto, um Pixinguinha em preparação para se tornar um artista fundamental o de "Flôr tapuya", peça que volta à cena às 20h desta sexta-feira, no Teatro Carlos Gomes, após a saga de recuperação das partituras, antes dadas como perdidas. Em outro passo para preencher lacunas da história de um músico tão profícuo, o Instituto Moreira Salles (IMS) lançará até o fim do ano "Pixinguinha inédito e redescoberto" (título provisório), livro com partituras de composições não gravadas e outras dez lançadas de forma obscura.

- Temos o sonho de estabelecer o catálogo de obras de Pixinguinha. Mas talvez tenhamos que deixar algo para as futuras gerações, pois é muita coisa - diz Bia Paes Leme, coordenadora de música do IMS, instituição que cuida desde 2000 do Acervo Pixinguinha.

- Gostaria de poder um dia dizer que ele fez x músicas, x arranjos, mas não sei se será possível, porque meu avô nunca se preocupou em organizar as coisas. O que trouxemos para o IMS foi o que meu pai conseguiu reunir - conta o ator e cantor Marcelo Vianna, neto de Alfredo da Rocha Vianna Filho (1897-1973) e filho de Alfredo da Rocha Vianna Neto (1934-2003).

Marcelo tinha esperança de encontrar no material pelo menos alguma das sete operetas que Pixinguinha fez na década de 1920, mas isso não aconteceu. Coube ao flautista José Maria Braga, do conjunto Galo Preto, achar as partituras de "Flôr tapuya".

A história começa em 1975, quando, numa reforma do Teatro João Caetano (antigo São Pedro, onde a opereta esteve em cartaz), um monte de papéis destinados ao lixo foi enviado à Escola de Música Villa-Lobos para ver se havia algo de valor. Ficou tudo numa espécie de arquivo morto até 2002, quando Braga, tendo assumido a direção da escola e ouvido que existiam ali coisas de Pixinguinha, pediu que as encontrassem.

Lá estavam, enroladas por um barbante, as partituras dos dois primeiros movimentos de "Flôr tapuya" - o terceiro foi recuperado por Braga num "trabalho de arqueólogo", a partir das anotações feitas para os músicos do espetáculo. Pesquisando em jornais, ele reconstruiu a trajetória de sucesso da opereta, que também está resumida na biografia "Pixinguinha - Vida e obra", de Sérgio Cabral.

"Flôr tapuya" estreou em 16 de junho de 1920 com libreto de Alberto Deodato e Danton Vampré e músicas do português Luís Quesada. De acordo com anúncio públicado à epóca pelo empresário Paschoal Segreto, 94 mil pessoas viram o espetáculo em um mês e meio. Possivelmente em função de um desentendimento com Segrego, Quesada largou a produção, levando as partituras. Os artistas passaram a enfrentar dificuldades financeiras, e, por sugestão do amigo Donga, Pixinguinha foi incumbido de criar novas melodias. Graças ao seu trabalho, o sucesso voltou, e a peça foi levada a outras capitais.

- Um dos destaques eram os Oito Batutas (conjunto formado por Pixinguinha, Donga e outros, que faria uma célebre temporada em Paris em 1922). Segundo os jornais, eles eram ovacionados pela plateia - diz Braga, que só não conseguiu recuperar uma das 19 composições originais. - Mas achei uma página dela em que estava escrito "não vai". Se não ia mesmo, continuou fora.

"Flôr tapuya" é uma opereta sertaneja, com 20 tipos interioranos vividos por seis atores, entre eles Marcelo Vianna. A trama se assemelha à de "Romeu e Julieta": Lúcio e Rosa lutam para fazer valer seu amor em meio às brigas de seus pais, os coronéis Menezes e Nitão. Mas tudo é tratado com humor e embalado por ritmos diversos, como cateretê, maxixe, polca e tango. Marcelo, Braga e o diretor da remontagem, Antonio Karnewale, que criaram a companhia Maviosa, sonham montar outras das operetas de Pixinguinha.

Criações que não eram escritas

Há a possibilidade de, em 2012, "Flôr tapuya" ser lançada em livro pelo IMS. No ano passado, saiu "Pixinguinha na pauta - 36 arranjos para o programa 'O pessoal da velha guarda'". Já a publicação de 2011 é resultado de uma longa pesquisa, que constatou não haver gravações de dez músicas registradas em partitura. Para "Pixinguinha inédito e redescoberto", elas serão acrescidas de dez praticamente desconhecidas.

- No choro em geral, e Pixinguinha não foge à regra, os compositores não costumam escrever as músicas. Quem faz isso são os instrumentistas, para poder tocá-las. Então, não é fácil localizar todas as obras. Podem haver mais inéditas - diz Bia Paes Leme, que estima em torno de 400 o número de composições de Pixinguinha, sendo incontáveis os arranjos, pois ele atuou muitos anos em rádios e gravadoras.

Segundo Bia, não é possível precisar as datas das inéditas. Ela conta que, no material, há choro, valsa, polca, tango brasileiro e "um lindo one step". O livro terá texto do músico Pedro Aragão, que participou da pesquisa.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

No passado, a fonte para o presente

Em bem-humorada crônica de 1929, Mário de Andrade nos conta a respeito do formidável bote de um jacaré comendo um pato, numa lagoa em Belém do Pará. O ligeiro nhoque do animal era comparado àquele conhecimento rápido e imediato do mundo: “Ver pato, saber pato, desejar pato, abocanhar pato, foi tudo uma coisa só”, exclamava o escritor, maravilhado com o poder da verdadeira intuição. No final da crônica, ele lamenta, por contraste, nossa incapacidade de juntar sensação, abstração, vontade e ação, conformando-se com a lentidão do conhecimento humano. Pitoresca, a crônica resumia o dilema da geração de intelectuais e artistas modernistas: repensar o Brasil em todas as suas peculiaridades, definindo-lhe um lugar cultural no contexto dos países civilizados. Mas o caminho para compreender o País seria pela intuição imediata (tão verdadeira quanto o nhoque do jacaré) ou pesquisando pacientemente as fontes de sua cultura e história?

Esse dilema também marcou a primeira fase da trajetória intelectual do historiador Sérgio Buarque de Hollanda, cujo início se atrelou à pesquisa histórica. Até os 25 anos, atuando como jornalista, ele -voltou-se, -sobretudo, para a crítica literária. Engajado no movimento modernista, o jovem Sérgio Buarque partilhou da mesma inquietação daquela geração de intelectuais, ansiosos por compreender o Brasil. Isto implicava, de qualquer forma, um mergulho na história brasileira, para explicar rapidamente o que era o Brasil e a brasilidade. Publicado em 1936, Raízes do Brasil, o primeiro livro de SBH, integra (ao lado de Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, e Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr.) o trio clássico de interpretações que, por meio do ensaio sintético, respondem ao anseio de explicar rapidamente o Brasil pela sua história.

As “raízes” do título tiveram na época dois significados. O primeiro era uma referência às estruturas mentais mais profundas que forjaram a história brasileira. O segundo, uma indicação mais sutil, ao fato de que qualquer raiz é feita para ser arrancada. Num estilo eminentemente narrativo que sempre o caracterizou, SBH reconstitui, neste livro, o peso das heranças rurais, nos aspectos sociopolíticos e culturais. As raízes brasileiras germinam no solo profundo da decadência do império português no século XVI, no qual surgem sociedades de economia frágil e capitalismo incipiente, incapazes de gerar uma burguesia modernizadora, apta a impor sua dominação sobre a aristocracia.

Homo brasiliensis
Em lugar da colonização fundada no trato paciente da terra, nas virtudes do trabalho e no esforço comunitário, cria-se aqui uma civilização do ócio e da aventura, que enxerga a terra apenas como um meio de rápida riqueza, sem laços de sociabilidades, os quais, ainda mais entravados pela escravidão, regridem às relações familiares e patriarcais. Surgem daí formas de convívio nas quais predominam a familiaridade, o personalismo e a afetividade, que acabam exportadas para a vida pública- e estruturas políticas.

É daí que SBH utiliza a metáfora do homem cordial, que remete, afinal, ao peso das -relações familiares. Tal expressão não era um conceito sociológico, referia-se muito mais a certa maneira de ser no tempo. O universo dos afetos domésticos mistura-se com o universo impessoal do Estado. Daí o homo brasiliensis: o inventor de meios e jeitos sutis, sorridente sabotador tinhoso dos obstáculos abstratos e impessoais da lei ou do Estado, que ele contorna através dos contatos pessoais diretos. Daí também uma leitura da história brasileira sensível aos arranjos e conchavos que passam continuamente da esfera privada para a pública, numa mistura quase irreconhecível. As classes dominantes, desde os tempos da colonização, foram moldadas a tradições autoritárias provenientes do absolutismo da Coroa ou de instituições inquisitoriais – almejando apenas o poder imediato e a -satisfação de interesses adquiridos.

A prosa do historiador
Essa primeira fase, mais intuitiva e ensaística, da obra de Sérgio Buarque de Hollanda, da qual Raízes do Brasil foi exemplar, foi superada quando o historiador, sobretudo após 1946, dedicou-se plenamente às pesquisas históricas e, a partir de 1956, quando se tornou professor da USP. Isto não significa que as questões colocadas no primeiro livro tenham sido abandonadas – pelo contrário, cada um dos temas, apenas indicados em Raízes do Brasil, transformou-se em autênticos programas para novas pesquisas.

SBH possuía um estilo narrativo muito pessoal e sutil de reconstituição e interpretação do passado. Inspirado no filósofo alemão Dilthey, acreditava que a tarefa do historiador era “desocultar” o universal a partir do estudo dos pormenores: as partes é que levariam ao todo e jamais o contrário. Era preciso nos detalhes e hábil em captar com vivacidade pormenores significativos de toda uma época: o dormir em redes, o sentido simbólico dos calçados entre os bandeirantes paulistas, as “veredas de pé posto” que os desbravadores aprenderam com os índios e a facilidade com que os colonos adotaram dos índios as iguarias, os métodos de cura e até o arco e a flecha.

Na sua erudição e memória prodigiosa de historiador, Sérgio parecia já dispor da completa árvore genealógica da figura política, tão logo ela se introduzia na narrativa. No país do compadrio, do familismo e do nepotismo, todas as figuras já aparecem inteiramente nuas, despidas de quaisquer idea-lismos políticos. Mas na sua prosa de historiador não há nada de estritamente biográfico e analítico: ele está sempre contando uma história e os personagens vão brotando naturalmente como cogumelos.

Também nos seus ensaios sobre a história política do País – notadamente aqueles relacionados à passagem da Monarquia à República – reitera-se um cenário que a narrativa do historiador vai progressivamente desmistificando: no alto, um governo absoluto que não assume sequer a sua fisionomia, mascarando-se nas falsas instituições liberais. No meio os deputados, conservadores ou liberais, lutando por manter-se nos cargos, “atiravam uns e outros contra a sombra do imperador” recorrendo, quando muito, a um “liberalismo de emergência”. Na imensa base, o vazio político gerado pela completa ausência da sociedade civil: os “figurantes mudos” da história brasileira, manietados pelo escravismo e pela ética do favor – dois graníticos blocos de pedra a emparedar quaisquer possibilidades de organização.
Raízes fincadas

Setenta e cinco anos depois da publicação daquele primeiro livro intuitivo de SBH, teríamos, afinal, arrancado todas essas raízes-? Como algumas das passagens- do livro- ainda iluminam, de forma inesperada-, muitos episódios da atualidade brasileira, é provável que parte da resposta seja negativa. O personalismo e uma ética de fundo emocional ainda podem ser notados no cenário atual. A persistência do uso costumeiro de facções familiares e de particularismos dificulta a consolidação do Estado e o domínio das leis gerais. O personalismo exagerado, historicamente derivado do peso das relações familiares e da fraqueza das instituições públicas, -ainda continua- –imperando no Brasil recente. Entra governo, sai governo, acabamos nos surpreendendo com a endêmica incapacidade de tratar a coisa pública de forma impessoal. Continuamos tendo receio da distância provocada pela impessoalidade da lei e das instituições. A síndrome de Santa Terezinha (a santa francesa Teresa de Lisieux, único país no qual ela virou diminutivo) continua vigente, até nos apelidos mais comuns.

“Se quiser entender o passado, o bom historiador terá de se esforçar para uma boa inteligência do tempo presente’, escreveu Sérgio Buarque de Hollanda, em 1950. Sem ser completa, era uma descrição quase perfeita da trajetória intelectual de um historiador que sempre viu o estudo do passado fortemente relacionado ao presente. Com um olhar sempre voltado para a visão de uma sociedade aberta no tempo presente, sua obra pode ser definida como um esforço para reconstituir as tensões entre a tradição e a mudança histórica e um mergulho libertário no passado brasileiro. Nesse sentido, seus livros continuam sendo “clássicos”, pois, afinal, são aqueles que – como na definição de Italo Calvino – “nunca terminaram de dizer o que tinham para dizer”.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Teatro popular nas ruas do Rio

Rosa Minine
Comemorando dez anos de trabalho com o teatro de rua, a trupe carioca Será o Benidito?! tem uma pesquisa voltada para a arte de rua, o teatro popular, o circo, a comédia, contos populares, cordéis, música, autores brasileiros e criações coletivas. Nascidos do tradicional grupo Tá Na Rua, criado por Almir Haddad, em 1980, o grupo tem uma linguagem clara e objetiva e a preocupação de ganhar a confiança e aproximação do povo que o assiste, para que melhor possa refletir, brincar e vivenciar o momento.
Começamos nossas pesquisas em 1992 e depois de passarmos por vários nomes, modificações, entradas e saídas, e instabilidades até mesmo na própria pesquisa, já que algumas pessoas foram seguindo outras linhas, em 2002 iniciamos oficialmente nossas atividades com o espetáculo As aventuras de Pedro Malasartes, e adotamos o nome definitivo de ‘Será o Benidito?!’ — conta André Garcia Alvez, que é diretor, ator e pesquisador do grupo.

— E o curioso é que foi exatamente por conta de termos passado por vários nomes, que escolhemos esse, porque um dia, em uma reunião, alguém falou: “mas será o benidito que a gente nunca vai chegar a um nome?” Então chegamos ao consenso que ‘Será o Benidito?!’ seria um bom nome para a companhia e adotamos (risos) — continua.

— Somos oriundos de uma oficina de teatro feita pelo grupo Tá na Rua, daqui do Rio de Janeiro. Inclusive a nossa grande mestra, Ana Carneiro, que hoje também trabalha como diretora e pesquisadora do grupo, foi nossa professora nessa oficina — diz.