Antunes Filho, um dos mais importantes e ativos diretores do Brasil,comenta a crise que a sociedade do consumo colocou para o teatro
Por Débora Prado
Antunes Filho nasceu em 1929 e com apenas 20 anos começou a carreira no teatro. Conhecido pela adaptação de grandes obras da literatura nacional, como Macunaíma (de Mario de Andrade) e Triste Fim de Policarpo Quaresma (Lima Barreto), é um dos principais diretores e formuladores do teatro brasileiro. Com 62 anos de carreira, em plena atividade, apresenta um extenso currículo artístico, que conta não só com grandes peças, mas com a coordenação de diferentes grupos teatrais, além de trabalhos no cinema e na televisão.
Para ele, o teatro está colado à sociedade e deve ter um papel de formador de consciências. Crítico da prática da “arte pela arte”, Antunes Filho considera que a libertação só é possível por meio do conhecimento e de uma base cultural sólida.
Hoje, ele atua no Espaço CPT (Centro de Pesquisa Teatral) no Sesc Consolação, na capital paulista. Em entrevista à Caros Amigos, o diretor comentou seu trabalho e as dificuldades que a sociedade do consumo colocam não só para o teatro, mas para as artes em geral. Também criticou a política cultural brasileira - ou a ausência dela - e o assistencialismo, que considerou uma “mordaça” no progresso do país. Confira.
Caros Amigos – Vamos começar falando do seu trabalho e legado para o teatro brasileiro. Você costuma usar muito o trabalho interdisciplinar, que referências você usa de fonte para fazer teatro?
Antunes Filho - O teatro é uma coisa viva na sociedade, então tudo interfere no teatro. Ele fica no cruzamento de muitas situações dramáticas da própria sociedade e, na verdade, essas situações dramáticas são determinantes para os espetáculos. Tem que ter uma sensibilidade para esse cruzamento de coisas e situações para poder sacar o próximo espetáculo a ser feito, principalmente, para sacar como está o nível espiritual de uma sociedade, que tendência ela está seguindo. É preciso estar sempre em busca do contemporâneo. Então, é preciso estar, também, sempre atualizado e aí aparecem diversas fontes, como a filosofia, a física, etc, o importante é estar em aberto. E, no geral, estamos sempre em aberto, né? A não ser que a pessoa se tranque. E no teatro é assim, a gente é vítima disso tudo, as coisas passam através da gente.
O que seria contemporâneo, atualmente?
Hoje em dia está tão difícil, há uma crise tão terrível, que é duro encontrar uma saída para afirmar alguma coisa. As coisas são ambíguas, atualmente. A alta comercialização da arte que gera emprego, ao mesmo tempo, gera um definhamento da arte. Então, há um paradoxo, a arte definha em nome do consumo, sob o argumento de que o consumo gera emprego. E isso não só no teatro, os próprios festivais de cinema hoje em dia estão dando prêmios para os filmes mais artísticos para tentar recuperar alguma coisa. Fica nesse empurra-empurra em que está a sociedade. E aí eu fico com alguns questionamentos: como você se alinha nisso? Como falar a respeito dos espetáculos que estão em cartaz? Eu estou no meio de um tumulto. Acho que, nesse momento, para se ter uma ideia claramente, é preciso se afastar, como fez o Terrence Malick, diretor do filme Árvore da Vida. Ele ficou 20 anos sem fazer um filme, se afastou para refletir, porque no meio desse vozerio todo não dá.
E, por outro lado, esse tumulto gera cada vez menos tempo para pensar nas obras...
Sim, há um estímulo à velocidade e é preciso tomar cuidado para não se perder. Eu mesmo quero fazer um espetáculo e estou vacilando bastante. Aliás, já fiz um espetáculo há algum tempo chamado Irã, ensaiei tudo e parei, porque não estava no caminho. Quer dizer, era o caminho fazer sobre o Irã, mas o ensaio não chegou a alguma coisa a mais a ser dita. Agora, eu estou querendo fazer o Hamlet, e fico nessa onda de fazer pesquisa, pesquisa, pesquisa e não entro no texto nunca, porque eu fico me questionando: por que fazer mais um Hamlet? Tem que ter um sentido que abranja o social, o político, o artístico. Porque, hoje em dia, tentar recuperar o caráter artístico é de certa maneira tentar salvaguardar alguma coisa da sociedade. Mas, também não pode sair num artístico ‘lambe- sabão’, a forma pela forma, isso também não resolve. Então eu me pergunto: o que nós temos que falar, hoje em dia? Criticar a sociedade do consumo ainda mais?
E também me questiono, criticar não adianta, porque quando se critica se faz mais. Quanto mais se critica mais se vende e se fabrica.
Então, o teatro está assim. E o cinema também, mas o cinema agrada, faz fila, lota, e nós como ficamos? De certa maneira, o cinema está tentando recuperar os velhos diretores, as velhas formas para poder sobreviver, procurar uma tendência nova para sair desse marasmo que ficou. Está muito difícil.
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