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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Povo retratado em chita

Rosa Minine





Entusiasta da cultura popular, como se denomina, filho de camponeses do Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, Gildásio Jardim desenvolve um trabalho de pintura sobre tecidos estampados, as chitas de florzinhas, bolinhas e xadrez que veste a gente pobre do sertão do Vale, remetendo-o a sua própria infância. Conseguiu se formar em Geografia, e hoje, paralelo a sua arte de pintar, dá aulas para adolescentes e promove oficinas de pintura. Crítico, usa a arte para expressar suas ideias e gerar debates.

— Nasci na zona rural do município de Joaíma, aqui no Vale, e até os nove anos de idade morei perto da comunidade de Jardineira, que hoje é um assentamento. Sou filho de trabalhador rural chamado de agregado, aquele que trabalha para os grandes fazendeiros. Somos uma família de sem terra, não do movimento, mas no sentido de agregados nas terras alheias — fala.

— Hoje moramos na cidade de Padre Paraíso, aqui no Vale mesmo, mas meu pai continua trabalhando nos serviços de cerca, curral, cortando madeira para os fazendeiros daqui do entorno. Já meus tios e outros parentes ficaram morando lá no assentamento, depois que a fazenda, que tinha cerca de uns cem agregados, foi desapropriada — continua.

— Dentro dessa realidade muito pobre fui criado e surgiram meus primeiros desenhos. Como meu pai fumava muito e não tinha dinheiro, costumava comprar aqueles cadernos bem baratinhos e usava as folhas para enrolar o fumo, e eu, nessa época com aproximadamente uns seis anos de idade, enchia os cadernos dele de desenhos, e ele fumava um e outro de vez em quando (risos) — lembra com alegria.

Aos treze anos de idade passou a morar na cidade e começou a fazer suas primeiras telas.



— Para ajudar em casa e ter algumas coisinhas, fui vender picolés nas ruas e trabalhar em um botequim bem pequeno. E tinha muito tempo livre lá no boteco, porque a maioria dos fregueses só aparecia nos sábados, então usava as horas vagas para ler e fazer meus desenhos. Consegui ler mais de cem livros e usei tinta pela primeira vez. E como não tinha ninguém para me orientar, fui fazendo experiências mesmo — diz.

— A pintura é algo elitizado, algo distante da realidade de um garoto pobre, camponês, mas, consegui ir em frente porque desenvolvi uma técnica que pude bancar. Desde criança fazia meus próprios brinquedos, com restos de madeira e barro, e pensei que poderia fazer o mesmo com as telas. E deu certo. Comecei usando tintas para tecidos e telas com algodão cru, que são bem baratos aqui no interior. Depois corante líquido e látex, que pedia nas construções — declara.

— A madeira das telas vinha de restos de madeira que encontrava no lixo, nas construções, e assim por diante. Até hoje uso material bem mais barato para realizar meu trabalho, e passo essas técnicas nas oficinas que dou aqui na cidade, e em eventos e festivais, como o Festivale [Festival de Cultura Popular do Vale do Jequitinhonha], que participo desde 2007 — continua.



Pintando cultura popular e pensamentos
Atualmente, Gildásio tem um trabalho bem peculiar de pintar sobre tecidos característicos da sua região.

— Queria retratar as vestimentas que tenho como referência de infância, que é a chita com bolinhas e florzinhas que as mulheres vestiam, e as chitas com xadrez que eram as camisas dos homens. Na verdade esse tecido era sinônimo de pobreza. Contudo, também era uma coisa muito bonita, que me remete a alegria e a simplicidade da minha gente, que tem como principal característica a afetividade — fala.

— Como dava muito trabalho pintar cada detalhe dos tecidos, a partir de 2010 optei por comprar os próprios tecidos e fazer as telas a partir deles, e ficou do jeito que eu queria. Principalmente depois que entrei para a universidade, percebi que o meu universo de cultura popular é riquíssimo e isso refletiu nos meus quadros, porque passei a pintar as vivências da cultura popular da minha região e do meu povo — comenta.

Não foi fácil para Gildásio cursar universidade, só conseguindo 'aos trancos e barrancos', como fala.

— Mesmo sendo pela universidade estadual daqui, tive que pagar, por ter sido terceirizada. Na época eu era camelô e tive que me esforçar muito. Na verdade, não tinha nem condição de estudar, só consegui à força. E não saí desse ambiente depois de formado. Atualmente estou em contato com o pessoal da federal daqui, e desde 2008 exponho por lá. No caso, levo uma linha mais política que faço, com temas polêmicos — declara.

— Gosto de expor o meu pensamento em cada pintura, e deixar que uns concordem e outros discordem. Para mim o que importa é gerar um debate. Porque aqui é uma terra de coronéis, marcada pelo mando de uma classe burguesa rural. Como pertenço ao outro lado, tenho as marcas desse processo da exploração, da perseguição contra o trabalhador, e quero expor tudo isso — continua.

— Sempre fui simpatizante dos pensadores ligados a Marx e a favor das minorias. Me identifico com as ideias comunistas, e com base nisso emito minhas opiniões. Claro que já tive problemas com isso, mas continuo — finaliza.

Gildásio atua também como professor de geografia em uma escola estadual de comunidade rural, para adolescentes entre 15 e 18 anos de idade, sempre usando muitos desenhos nas aulas. Para contatá-lo: (33) 8411-0045 gildasio-35@hotmail.comEste endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo. .

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