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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
A critica social de Charles Dickens
Charles Dickens foi o mais popular dos romancistas ingleses no século 19, autor de uma crítica ácida contra a voragem capitalista, registrada em obras de atualidade permanente. A comemoração de seu bicentenário (7 de fevereiro) é uma oportunidade para rever esta obra memorável cujo prestígio aumenta com o passar do tempo.
Por Maurício Silva (*) e Márcia Moreira (**)
1 - Introdução
O século 19, como é sabido, mudou de forma radical o modus vivendi do mundo ocidental, sobretudo, nos grandes centros urbanos da Europa, tendência que se espalhou, posteriormente, por diversas outras regiões, desencadeando uma transformação efetiva da sociedade em geral. A era industrial, alavancada pela economia capitalista e pela mentalidade positivista, desencadeou, assim, um desenvolvimento tecnológico sem precedentes, resultando não apenas numa nova sociabilidade, mas também em outros modos de interpretar a realidade e seus múltiplos sentidos.
Com todas essas transformações, assiste-se a um processo de reorganização da economia e, consequentemente, da própria experiência social, o que supõe, por um lado, maior acesso aos bens industriais de consumo e, por outro, a exclusão social em grande escala, esta última como reflexo irrefreável de uma modernidade cujas consequências seriam percebidas imediatamente após a racionalização do cotidiano tornar-se a tônica do mundo ocidental desenvolvido. Como resultado mais palpável da nova realidade que se impõe, o ser humano passa – nos termos do materialismo histórico – à condição de mero instrumento de manipulação capitalista, por meio do qual a mais-valia se transforma no principal mecanismo de obtenção de lucro pelos detentores dos meios de produção.
Nesse contexto, conceitos como o sentimento e o humanitarismo perdem cada vez mais espaço, ficando, muitas vezes, reduzidos aos limites incontornáveis do registro literário. E é exatamente no âmbito da expressão literária que surge, nesse período, um escritor inconformado com as atrocidades advindas das mudanças ocorridas na Inglaterra vitoriana, cuja característica principal talvez tenha sido contínuos períodos de industrialização, seguidos de intensa exclusão social. Com efeito, Charles Dickens (1812-1870), que conheceu as mesmas agruras que os trabalhadores de sua época, representou, por meio de obras inesquecíveis, muitas vezes de cunho panfletário, as distorções sociais causadas pelo processo de modernização da Europa, criando personagens-tipos e levando a crítica social ao extremo por meio da expressão literária. Assim, ao narrar o cotidiano londrino, logrou alcançar alto grau de dramatização da realidade, fazendo de sua produção – não poucas vezes – uma representação fiel do processo de modernização excludente de que os trabalhadores ingleses foram vítimas.
O objetivo principal deste artigo é, exatamente, mostrar a relevância da obra de Charles Dickens nesse contexto, destacando-o, não apenas como romancista de grande sucesso no período, mas também como um singular pensador da sociedade vitoriana, cuja produção voltava-se, em particular, para o detalhamento e para a denúncia das situações extremas vividas pelos moradores da Inglaterra finissecular, em especial, por aqueles que compunham a grande massa dos desvalidos da Revolução Industrial, o que está plasmado com inquestionável domínio estético nos romances Oliver Twist de 1837 e Grandes Esperanças de 1860.
2 - A sociedade industrial na Inglaterra de Charles Dickens
O período histórico em que Dickens viveu – entre a primeira e a segunda metade do século 19 – foi marcado por alguns fatos relevantes à fundamentação artística e ao alcance pragmático de sua obra, como a Revolução Industrial (incidindo diretamente no ideário social), o processo de urbanização (refletindo-se na configuração das classes sociais) e o desenvolvimento tecnológico (representado pelo conceito de progresso social).
Tendo, portanto, a sociedade como ponto de partida para a reflexão do período, é na esfera social que se verifica os principais desdobramentos das transformações assinaladas, das quais, o surgimento do proletariado urbano como classe social definida foi, segundo Hobsbawn, uma das mais importantes:
vivendo em condições deploráveis, tendo o cortiço como moradia, salários irrisórios com longas jornadas de trabalho, o operariado era facilmente explorado, devido também, à inexistência de leis trabalhistas”. [O desenvolvimento das ferrovias] irá absorver grande parte da mão-de-obra masculina adulta, provocando em escala crescente a utilização de mulheres a e crianças como trabalhadores nas fábricas têxteis e nas minas (Hobsbawn, 2000, p. 49).
É, portanto, tendo esse cenário como plano de fundo que Dickens começa a produzir suas histórias, apresentando um painel de Londres, muitas vezes, grotesco, já que se tratava de situar suas personagens num cenário decadente, caracterizado pela explosão demográfica e pelo êxodo rural, pela exploração do trabalho infantil, pela situação de pobreza extrema e pela violência urbana (lembrando, a título de exemplo, que é por volta dessa época que se torna célebre, nas ruas londrinas, a figura do temido Jack, o Estripador), enfim pelo esgarçamento do tecido social como um todo. Mas mais do que qualquer outro motivo literário, Dickens eternizariam em sua ficção, as condições degradantes a que estavam sujeitos os trabalhadores nas cidades industriais emergentes, como lembra Anthony Burgess, ao afirmar que:
o mundo criado por Dickens é acima de tudo uma Londres de pesadelo com restaurantes baratos, prisões, escritórios de advogados e tavernas escuras, enfumaçadas e frias, mas muito vivas. Os romances de Dickens são todos animados por um sentido de injustiça e do erro pessoal; ele está preocupado com os problemas do crime e da pobreza" (Burgess, 2008, p. 219)
2.1 - A crítica social em Charles Dickens
Esteticamente, o realismo nasce na França, particularmente com as obras de Flaubert (Madame Bovary, 1856) e Zola (Thérèse Raquin, 1867). Trata-se de uma escola literária que tinha como fundamento ideológico uma série de teorias (filosóficas, científicas, sociológicas etc.), as quais surgem na segunda metade do século 19, todas elas baseadas num ideário cientificista: o positivismo com Comte (Curso de Filosofia Positiva, 1830-1842); o socialismo com Proudhon (Filosofia do Progresso, 1835); o determinismo ambiental, com Taine (Filosofia da Arte, 1865-1869), o determinismo biológico com Darwin (As Origens das Espécies, 1859); o experimentalismo científico com Bernard (Introdução ao Estudo da Medicina Experimental, 1865); e o determinismo social, com Spencer (Princípios de Sociologia, 1877-1886). Todas essas teorias acabaram influenciando diretamente o modo de produção literária dos realistas, os quais adotaram os princípios expostos por esses pensadores (cientificismo, progresso, socialismo, experimentalismo, determinismo) e os incorporaram em suas obras, estabelecendo um vínculo entre Arte e Ciência.
Nesse sentido, a estética realista privilegiava - em tudo contrário à romântica - a objetividade (em oposição à subjetividade), o cientificismo (em oposição ao idealismo), a exterioridade (em oposição à interioridade), o racionalismo (em oposição ao sentimentalismo), a inteligência (em oposição à emoção), o materialismo (em oposição ao espiritualismo). Como afirmou Émile Zola, num dos principais tratados teóricos sobre o naturalismo:
ao estudo do homem abstrato, do homem metafísico, [o naturalismo] opõe o estudo do homem natural, submetido às leis físico-químicas e determinado pelas influências do meio. O romance experimental é, em uma palavra, a literatura de nossa idade científica, com a literatura clássica e romântica correspondeu a uma idade de escolástica e de teologia (Zola, 1982).
O ser humano, desse modo, passa a ser um verdadeiro componente - materializado - da engrenagem da mecânica universal, ao contrário do homem romântico, excessivamente autocentrado e autossuficiente. A arte, portanto, torna-se engajada, contendo nítidos apelos sociais, e antiburguesa, retratando a dissolução moral da burguesia, por meio de casos patológicos. É exatamente nesse contexto da literatura realista, sobretudo no que ela mais apresenta de antiburguesa, de denúncia social e de engajamento ideológico que se insere a produção ficcional de Charles Dickens.
Com efeito, os romances de Dickens eram, entre outros aspectos, obras de crítica social: nas suas narrativas, são tecidos comentários lúcidos e críticas ferinas à sociedade inglesa do século 19, sobretudo, às distorções resultantes de um desenvolvimento excludente, como a pobreza extrema, as más condições de vida e de trabalho e a estratificação de classe, o que torna sua obra uma espécie discurso em que a empatia solidária pelo homem comum, ao par de uma atitude céptica em relação à sociedade, seja flagrante (Miller, 1958).
Fervoroso crítico das injustiças sociais, preocupando-se com questões como a pobreza e a marginalidade existentes em sua época, Dickens – ainda nas palavras certeiras de Burgess (2008) – lutava por essas questões, mas acreditava mesmo que as medidas transformadoras deveriam acontecer no interior de cada um. Além disso, lançando mão de uma linguagem clara e objetiva, pode-se dizer que a importância da sua literatura não reside isoladamente na grandeza textual ou na relevância de análises sociais, mas na conjunção entre forma e conteúdo, a bem da expressão literária. Como ensina Antônio Cândido:
só a podemos entender [a obra] fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto de vista que explicava pelos fatos externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a estrutura é independente, se combinam como momentos necessários do processo interpretativo. Sabemos ainda que o externo, no caso o social, importa, não como causa, nem como significado, mas como elemento que desempenha um papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto, interno (Cândido, 2006, p. 153).
Charles Dickens buscou ainda, por meio de seus personagens propositadamente tipificados, um diálogo com o mundo que, de certa forma, os coloca como estereótipos de uma sociedade que já implantou, através dos valores criados pela era industrial, a ideia de que as novas posições sociais já estão se definindo e que alguns permanecerão à margem, destituindo o caráter de verdade sobre a certeza de um futuro “melhor”, sustentado pelos avanços dessa nova era. Assim, de acordo com Michel Löwy, o escritor inglês faz “uma crítica ao sistema capitalista naquilo que Karl Marx considera a maior alienação: a exclusão da vida humana” (Löwy, 1990, p. 34). A sociedade industrial, tal como é mostrada, de forma quase caricatural, por Dickens, estaria assim “transformando os homens em máquinas de um sistema que o oprime não só economicamente” (Löwy, 1990, p. 35). Nesse sentido, pode-se afirmar, sem exageros, que a crítica de Dickens visa a características mais gerais e profundas da sociedade moderna – o declínio dos valores qualitativos (ética, imaginação, bondade, vínculos humanos) em nome de relações quantitativas e utilitárias.
Isso tudo explica porque, para Charles Dickens, as situações de vida difíceis, as mazelas e as distorções sociais dizem respeito muito menos à carência econômica e muito mais à perda de valores humanos. Por isso, não há dúvidas, segundo Chersterton (2001, p. 82), “de que as histórias de Dickens estão voltadas para os problemas de sua época, mas seu mérito está principalmente no fato de mostrar a sociedade por meio da arte”. Não se deve esquecer tampouco, complementa o mesmo autor, que Dickens escreveu em “um período em que a Inglaterra estava tomada por doutrinas políticas e filosóficas que, se por um lado constatavam a necessidade de melhoria, por outro, se anulavam mutuamente quando as soluções para os problemas eram consideradas” (Chersterton, 2001, p. 82).
Assim sendo, se, como explica Alvaro Pina, as várias teorias presentes na época (marxismo, positivismo, darwinismo, malthusianismo etc.) procuravam explicar as mudanças pelas quais a sociedade estava passando, não se pode esquecer que, por sua própria diversidade, tanto de explicações quanto de soluções dos problemas do período, “eram mais um sintoma dos tempos difíceis em que se vivia e não foram capazes de promover uma explicação para as conturbadas relações sociais que se estabeleceram na sociedade após a Revolução Industrial” (Pina, 1986, p. 55). Charles Dickens, como poucos autores dessa época, foi capaz de traduzir - em textos da mais alta qualidade estética - os anseios, as contrações, as desilusões e as esperanças de toda essa geração.
2.2 - Duas obras de Charles Dickens
O romance Grandes Esperanças, publicado em 1860, conta, em poucas palavras, a história de Philip Pirrip (ou simplesmente Pip), um menino órfão, criado pela irmã mais velha e que alenta esperanças de um dia tornar-se um cavalheiro. A história revela, entre outros temas de fundo social, a reivindicação de um lugar para a criança na sociedade e suas relações com o processo de amadurecimento da personalidade, sempre colocando em discussão princípios morais ligados a determinadas classes sociais. Para A. Sanders “as instâncias narrativas do narrador Pip focalizado tanto pela lente da criança e do jovem quanto pela do adulto maduro participam do processo pelo qual as percepções diferentes de cada uma das partes tentarão impor-se sobre a outra” (Sanders, 1994, p.38).
Fatos como esses podem ser verificados no episódio da humilhação de Pip por é Estella, ou no momento em que Pip recebe promessas de fortuna, tendo suas ações adultas confrontadas com as de sua infância, gerando grande sentimento de culpa. De acordo com Álvaro Pina, tal sentimento ilustra outro aspecto ideológico incrustado no tecido narrativo da obra, amplificado pela caracterização das personagens, o qual pode ser descrito como a necessidade de “abafar aspectos que possam desviar a concentração de esforços pela obtenção de posição social, riqueza e dos valores identificados com o ideal de um homem da classe média inglesa bem-sucedido” (Pina, 1986, p.79).
Há ainda que se considerar - nesse processo de formação da personalidade de Pip, formação esta inserida no complexo social da época vitoriana - a importância da figura de Joe Gargery, que resultará numa amizade e solidariedade imprescindíveis ao andamento do romance (Andrews, 1994), levando Pip a adquirir, pela primeira vez, um verdadeiro senso de justiça, como sugere o trecho abaixo transcrito:
ainda sendo jovem, eu creio que virei uma nova admiração pelo Joe aquela noite. Nós éramos iguais depois, como éramos antes; mas, depois em momentos silenciosos quando sentei olhando para o Joe e pensando nele, eu tive uma nova sensação de me sentir consciente que eu estava olhando para Joe no meu coração. (Dickens, 1982, p.80)
Grandes Esperanças é considerado - por muitos críticos - o mais perfeito romance de Dickens, seja pelo equilíbrio da composição narrativa, seja pelas questões sociais que são, direta ou indiretamente, apresentadas pelas personagens.
A delinquência provocada pela exploração desenfreada do ser humano por outros seres humanos é o ingrediente básico de Oliver Twist (1837). Oscilando entre a crítica ao ideário cultural de sua época e a rejeição a possíveis teorias sociais substitutas, disponíveis nessa mesmo período, Dickens reflete o complexo ideológico da atmosfera política e filosófica em que nasceu e na qual viveu (Löwy, 1990). O contexto do romance demonstra ainda como as pessoas, representadas nessa obra célebre de Dickens, estão expostas aos perigos do trabalho industrializado e como passam a fazer parte do jogo econômico do capitalismo inglês (Pina, 1986). Colocando, mais uma vez, a criança como centro do enredo, Dickens promove uma intensa denúncia das condições a que elas estavam submetidas numa sociedade desigual, na qual era, de fato, o elo mais fraco da sociedade. Ao prefaciar seu romance Oliver Twist, Charles Dickens indaga:
as ruas de Londres à meia-noite, frias, úmidas, desabrigadas; os antros sórdidos e bafientos, onde o vício se comprime e carece de espaço para virar-se; o assédio da fome e da doença; os andrajos que mal se mantêm juntos; onde estão os atrativos dessas coisas? Não encerram uma lição e não sussurram algo além da quase despercebida advertência de um abstrato preceito moral?” (Dickens, 1983, p. 04)
Oliver Twist confronta, assim, a impotência da criança com a crueldade de uma sociedade que não tem mais leis para protegê-la, obrigando-a a trabalhar em condições subumanas.
3 - Conclusão
Nessas duas narrativas de Charles Dickens são feitos, como se pôde observar, comentários críticos a uma sociedade marcada pela pobreza extrema de seus componentes, pelas más condições de vida e de trabalho e pela radical estratificação social, quase sempre em face de uma compreensão solidária das pessoas mais pobres e de uma atitude incrédula em relação à alta sociedade inglesa da segunda metade do século 19. Conceitos como os de utilitarismo, dentro do contexto da Revolução Industrial, são tratados por Dickens de maneira nítida e contundente, sem prescindir de uma revolta pessoal contra a opressão às classes desprivilegiadas, realidade que conheceu de perto.
Personagens como Oliver de Oliver Twist e Pip de Grandes Esperanças possuem características moldadas pela forma singular como o autor as concebeu e refletem a própria reação de Dickens contra o mundo que o rodeia, incorporando aspectos críticos da realidade a que o autor dava voz. Como os impactos da industrialização ainda hoje estão presentes na sociedade, os enredos elaborados por Dickens mantêm sua atualidade, evidenciando belezas, mas também discrepâncias sociais intensas, relatando alegrias e tragédias, de maneira que seus livros ajudam a compreender melhor o mundo atual, convidando a uma reflexão sobre o outro, sobre as mazelas sociais, e sugerindo transformações.
Referências
Andrews, Malcolm. Dickens and the grown-up child. Iowa, Iowa University, 1994.
Burgess, Anthony. A literatura inglesa. São Paulo, Ática, 2008.
Cândido, Antônio. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro, Ouro Sobre o Azul, 2006.
Chesterton, G K. Criticisms and appreciations of the works of Charles Dickens. London, House of Stratus, 2001.
Dickens, Charles. Grandes esperanças. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1982.
Dickens, Charles. Oliver Twist. São Paulo, Círculo do Livro, 1983.
Hobsbawn, Eric. Da Revolução Industrial inglesa ao Imperialismo. São Paulo, Forense Universitária, 2000.
Löwy, Michel. Romantismo e messianismo. São Paulo,Perspectiva, 1990.
Miller, J. H. Charles Dickens: the world of his novels. Cambridge, Harvard University, 1958.
Pina, Alvaro. Dickens: a arte do romance. Lisboa, Livros Horizonte, 1986.
Sanders, A. The short Oxford history of English Literature. Oxford, Oxford University, 1994.
Zola, Émile. O Romance experimental. São Paulo, Perspectiva, 1982
(*) Doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP), Professor do Programa de Pós-Graduação em Tradução da Universidade Nove de Julho (UNINOVE)
(**) Pós-graduanda em Tradução pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE)
Fonte: Linguagens - Revista de Letras, Artes e Comunicação. Blumenau, v. 3, n. 2, maio/agosto de 2009, in
http://proxy.furb.br/ojs/index.php/linguagens/article/view/1880/1302
sábado, 25 de fevereiro de 2012
Carta Aberta à Imprensa - Edital para Contratação Temporária FAETEC/2012
Por Amilcar Brum Barbosa e Leandro Ribeiro em FAETEC Concurso 2010-2011
Prezados Senhores
Em janeiro deste ano, a Fundação de Apoio à EscolaTécnica (FAETEC), organismo subordinado à Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia, responsável pela oferta e desenvolvimento do ensino profissionalizante que se pretende de qualidade no Estado do Rio de Janeiro, lançou Edital 001/2012, abrindo nada menos que seis centenas de vagas (616) para profissionais docentes e especialistas técnico-pedagógicos, segundo regime de contrato temporário (com dispensa de concurso público, e validade de 1 ano, prorrogável por inacreditáveis 5 anos). Ocorre, contudo, que em outubro de 2010 fora lançado pela instituição, edital(006/2010) para contrato efetivo (em regime estatutário), contemplando 459 vagas preenchidas mediante concurso público.
A decisão, portanto, de se lançar edital para contratação temporária (com dispensa de concurso público), em pleno prazo de vigência do ultimo concurso (Edital 006/2010), faltando ainda 1 ano para expiração do prazo de validade deste (fev 2013/), sendo que o edital permite a alternativa de prorrogação por mais dois anos, constitui simplesmente uma solene e desassombrada afronta aos preceitos constitucionais rudimentares que versam sobre o tema – não por acaso, quando o ultimo edital para contratação temporária foi lançado, já havia decisão da Justiça contrária ao descalabro da tão recorrente quanto pantagruélica voracidade da FAETEC na captação de recursos humanos segundo o nefasto artifício de contratação mediante inexigência de concurso público (http://srv85.tjrj.jus.br/consultaProcessoWebV2/consultaMov.do?v=2&numProcesso=2004.001.044727-8&acessoIP=internet).
Recentemente, o Sr Presidente da FAETEC , a respeito deste Edital 001/2012, declarou a publicação de grande circulação - tencionando justificar a supostamente inescapável necessidade de se lançar mão do controverso artifício das contratações “temporárias” - a existência de “demanda vegetativa” (pedidos de aposentadoria, auxílio doença, licença maternidade), de caráter “imprevisto”(ou “imprevisível”); na mesma declaração, o Sr Presidente Pansera lembrou também o vácuo a ser deixado este ano, por mais de 200 funcionários, admitidos em 2007(!), cujos prazos limites de renovação de contrato expiram agora em 2012...
Em suma, das declarações do Sr Presidente da FAETEC é possível inferir duas óbvias e ululantes conclusões:
1) A FAETEC, com este edital para contratações temporárias (001/2012) pretende substituir mais de 200 funcionários temporários por outros funcionários temporários – perpetuando e aquecendo a mal vista e conhecida prática de captação de recursos humanos ao arrepio da exigência constitucional que desde 1988 vem se monstrando a mais saudável à parcimônia, transparência e lisura no trato com os recursos públicos;
2) A FAETEC foi incapaz de demonstrar os requisitos de competência mínima que se esperam de uma entidade pública responsável pela manutenção e desenvolvimento de setor tão relevante às aspirações de crescimento econômico e justiça social no Estado: o ensino profissionalizante de nível fundamental, médio e pós médio – atestando uma surpreendente e rotunda inépcia para estimar minimamente, por ocasião do lançamento do edital 006/2010 (ultimo concurso público), a demanda de profissionais (tendo em perspectiva um prazo mais que razoável de 2 anos)necessários ao funcionamento da Rede com o padrão de qualidade merecido pela população fluminense; recorrendo, “para variar”, à comprovadamente nefasta alternativa das contratações em regime temporário, havendo um robusto banco reserva de concursados (proporcionado pelo Edital 006/2010) à disposição. Aliás, a referida inépcia atinge o cúmulo do desserviço assinado pela disponibilização, através do recente edital para contratações temporárias, de vagas simplesmente não oferecidas pelo edital de 2010...o que significa que no intervalo de menos de um ano entre a homologação dos resultados do concurso 2010 (fev/2011) e o lançamento do funesto edital 001/2012, há brotado um significativo e absolutamente imprevisto contingente de carência de profissionais, a desafiar todas as bases da Teoria Probabilística...
Tendo em vista o belo histórico de bons serviços prestados pela imprensa na defesa da constitucionalidade (por conseguinte, dos legítimos anseios e necessidades dos cidadãos), e na certeza de que vossa empresa é não apenas consciente da alta vocação democrática das agências de comunicação de massa do país, como também sensível às legítimas expectativas dos fiéis leitores, os quais vêem na publicação uma fonte eficaz e digna de crédito, que modestamente agradeço, desde já, pela imparcial divulgação do episódio (contemplando, naturalmente, as justificativas declinadas pela Presidência da FAETEC , e os argumentos contrários, de minha parte, consolidados nesta missiva).
Certo de vossa presteza e atenção, cordialmente subscrevo-me, no aguardo de vosso retorno o quão breve possível.
Leandro Ribeiro
FAETEC
Prof Desenho Industrial 40 h
A memória de Pedro Nava relançada em autêntica literatura
As memórias do escritor e médico reumatologista mineiro Pedro Nava (1903-1984), que começaram a ser escritas em 1968, quando o autor tinha 65 anos, serão relançadas em março pela editora Companhia das Letras - o primeiro e segundo volumes, Baú de Ossos e Balão Cativo, respectivamente, chegam às livrarias dia 2.
Livros serão relançados pela Companhia das Letras
Nessas Memórias, que ocupam sete volumes, Nava revela: não foi só o Visconde de Barbacena (com Genealogia da Família Mineira) seu único modelo e inspiração, mas especialmente o escritor francês Marcel Proust (1871-1922). Todo mundo tem sua madeleine, escreve Nava em Baú de Ossos. A sua, citada no volume seguinte, Balão Cativo, tinha uma casca ardida, vermelha, e uma polpa branca que resistia ao dente. O sabor cru, de terra, dos rabanetes da infância do mineiro, o perfume do sumo de laranja e o cheiro das moringas novas compõem o cenário proustiano de suas memórias frankensteinianas.
O professor e crítico Davi Arrigucci Jr., autor do posfácio da edição de Baú de Ossos, chama a atenção justamente para o caráter cubista, fragmentário, dessas memórias - até involuntárias - que ergueram um monumento literário no Brasil na linha da obra máxima de Proust, Em Busca do Tempo Perdido. Arrigucci, no entanto, prefere associá-lo a dois clássicos da literatura brasileira - Casa-Grande & Senzala e O Ateneu -, mostrando como essas Memórias iluminam o passado histórico brasileiro a partir de uma autobiografia que é, antes de tudo, uma “meditação sobre a morte” - tão forte quanto a lírica de Manuel Bandeira, segundo o crítico. “Cada um compõe o Frankenstein hereditário com pedaços dos seus mortos”, escreve Nava em Baú de Ossos, para em seguida assumir com o leitor o compromisso de “dizer a verdade, só a verdade e, se possível, toda a verdade”.
Toda verdade não foi possível. O sétimo volume, Cera das Almas (póstumo e incompleto), estava a caminho quando Nava recebeu um telefonema, no dia 13 de maio de 1984. Saiu de casa e, por volta da meia-noite, seu corpo foi encontrado numa praça do bairro da Glória, no Rio, onde morou metade de sua vida. Aos 80 anos, com um tiro na cabeça, o escritor se matou. A tragédia é comentada no livro Minha História dos Outros, do jornalista Zuenir Ventura. Na época, chefe da sucursal carioca da revista IstoÉ, ele convocou dois repórteres para investigar o caso e localizar um garoto de programa que estaria por trás da ligação misteriosa.
A história foi abafada. O próprio Zuenir escolheu não publicar a versão do prostituto, que teria chantageado Nava. Se a ameaça de um linchamento moral por causa de um garoto de programa foi a causa do suicídio, é impossível saber. O fato é que, em suas memórias, não há lugar para uma discussão direta sobre o tema homossexualidade, embora cite escritores reconhecidamente homossexuais, como Cocteau, Gide, Radiguet e Proust. O escritor evoca o último na página 341 de Baú de Ossos para atestar que nossa memória não passa de um reflexo em que a ordem dos fragmentos aparece invertida. Inconsolável, ele recorda, em Balão Cativo, o amigo americano Moses Spector, que conheceu no Ginásio Anglo-Mineiro, em 1914, e nunca esqueceu. O garoto voltou para os EUA e, mesmo passados 53 anos, Nava ainda mantinha viva na memória a visão de seu “cabelo arrepiado”, das sardas, dos olhos e da “boca cheia de língua”, ao passar pela ponte de Brooklyn, em 1967, e lembrar-se até do endereço e número da casa do amigo.
As Memórias de Pedro Nava não contam, contudo, apenas a história da educação sentimental e moral do escritor. Arrigucci tem razão ao comparar sua obra ao clássico Casa-Grande & Senzala, do pernambucano Gilberto Freyre, porque, ao falar da própria família, Nava traça um retrato implacável da burguesia brasileira dos séculos 19 e 20, escancarando os bastidores políticos da história do Brasil e dos costumes nas casas-grandes mineiras e nordestinas (um ramo da família é cearense). Impressiona a exposição do passado familiar por Nava, que traz à tona, entre outros personagens, um bandido traficante de escravos, violento, vulgar e blasfemo, cuja história, desvendada por um parente, humilhou a avó. Nava jura que não citou o “celerado” ancestral por cinismo, mas por acreditar que toda família tem uma ovelha negra como “elemento de estabilidade” do núcleo.
Certo é que o escritor acreditava em valores transmitidos pelo DNA. “Ninguém pode compreender nada da história social e política de Minas se não entender um pouco de genealogia”, escreve em Baú de Ossos. Na página 211 do livro, ele resume essa crença numa frase: “Bon sang ne peut mentir” (Sangue bom não mente). E Nava descendia do bandeirante Fernão Dias Paes, que mandou enforcar o próprio filho. “Bandoleiros para os outros, heróis para a família”, justifica o escritor, pedindo aos primos que não se zanguem com a revelação. De Portugal, conclui ele, duas páginas depois, “nos ficou o preconceito contra tudo o que cheira a mouro”. A avó de Nava, Inhá Luísa, que tinha “uma autoridade imanente”, só faz confirmar o neto, por quem nutria o mais absoluto desprezo. Ela não gostava de negros e virou a mão na boca da empregada Justina por deixar entrar em sua casa a mucama da vizinha, dona Maricota Ferreira e Costa. Com a boca sangrando, Justina, para espanto de Nava, cantou. E nunca mais foi vista. O episódio é contado em Balão Cativo.
A honestidade de Nava é inquestionável, mas não se trata apenas de memorialismo. Os mais fascinantes memorialistas, escreveu Paulo Mendes Campos em 1981 (texto reproduzido em Balão Cativo), são pessoas “que não têm muita coisa para contar”. O que teria um menino de Minas “de sala de visita e quintal, inundado de saias familiares e óculos de adultos engonçados, um estudante irrequieto, médico aplicado e poeta bissexto a contar?”, pergunta o jornalista mineiro, para responder ele próprio que foi exatamente nesse material biográfico “ressequido e sem graça” que Nava encontrou “o seu além da toca do coelho”. Como Alice.
O professor de Literatura Massaud Moisés compara o novo capítulo que Nava escreveu na história do memorialismo brasileiro a uma “revolução copérnica, equivalente à que Guimarães Rosa empreendeu no terreno da ficção”. Essa revolução, segundo o professor de Literatura da Unicamp, Antonio Arnoni Prado, diz respeito não só à técnica do autor - “que converte o passado numa espécie de metáfora inacabada das sensações que refundam a experiência do sujeito-que-recorda, como se recriasse o mundo à maneira do grande romance do século 19”. Arnoni Prado destaca ainda a “voracidade heurística” do narrador criado por Nava, “que rearticula a dicção harpejada das vozes que se colam ao estilo livre das citações, das transcrições, da reduplicação documental, dos testemunhos da história e da imaginação”.
Talvez seja conveniente lembrar que o primeiro volume das Memórias de Nava saiu no período mais conturbado da ditadura militar (1972). É mesmo um documento e tanto - não exatamente sobre o regime, mas sobre a herança de um país suscetível a golpes de gente autoritária. “Também tivemos a nossa belle époque, por sinal que feia como sete dias de chuva”, escreve em Baú de Ossos. Com a República começou, segundo ele, a decadência política e estética. Trocaram-se as gravuras imperiais de Debret e Rugendas pelas pinturas “sebentas” de Giuseppe Boscagli - “representando marechais anacrônicos em fardas do tempo da Guerra da Crimeia”. E Nava segue adiante, espinafrando o despudor do marechal Floriano, dos caciques, dos coronelões, da tradicional família mineira, dos parentes e dos contraparentes. Mesmo ele não escapava dessa decadência - Nava começa o livro parafraseando Eça de Queirós, ao dizer que é um “pobre homem do Caminho Novo das Minas dos Matos Gerais”. Ao longo dos sete livros sua figura vai se apagando como uma vela de defunto, preparando-se para entrar na eternidade nas 36 páginas do inacabado Cera das Almas, sétimo e último volume de suas Memórias.
Ele pensara em suicídio anos antes. Numa carta dirigida ao amigo Carlos Drummond de Andrade, em 1975, nove antes de morrer, Nava recomendou que seu cadáver fosse embalsamado com dois litros de formol. Essa fixação em morte e suicídio fica mais clara em O Círio Perfeito: nele, Nava derrama quatro gotas de sangue (na página 280 do texto original) e parece à beira de uma revelação que, afinal, resolve não oferecer ao leitor. Já então deprimido pelas reações negativas de seus familiares aos fatos descritos em suas Memórias, usa o último recurso de criar um alter ego para a revelação derradeira, que viria em Cera das Almas, segundo a biógrafa do autor, Monique Le Moing.
Em A Solidão Povoada (Editora Nova Fronteira, 1996), ela fala dos sinais evidentes de sua tragédia anunciada ao se referir ao personagem do Comendador que, prestes a anunciar uma notícia bombástica, interrompe sua fala e não revela o desfecho - que ficaria para o último volume. Sua ligação extemporânea com o decadentismo, segundo o professor Arnoni Prado, poderia eventualmente explicar muito desse mistério. Ver amigos mortos sentados à mesa ou a própria morte penetrando seu corpo, sugere o professor, deixaria Nava muito à vontade na tradição do dark Gastão Cruls, amigo de sua prima Rachel de Queiroz. Também um médico e bom escritor, nunca é demais lembrar.
Fonte: Estado de São Paulo
Emir Sader: As duas maiores batalhas no Brasil de hoje
Em meio a tanta dispersão imposta pelas manchetes da mídia, não fica claro para os brasileiros, quais são as batalhas centrais que o país tem que enfrentar nestes anos. A nova tendência no país, gerada na década passada e que se estende nesta, é a existência de uma nova maioria política no Brasil.
Se a reeleição do Lula poderia obedecer a uma tendência a reeleger um presidente – como no caso de FHC -, a eleição da Dilma apontou para esse novo fenômeno: classes populares emergentes se constituíram no eixo de uma nova maioria politica, que elegeu e reelegeu o Lula e que elegeu a Dilma (apontando, com grande previsão de se confirmar, sua reeleição).
Por outro lado, as dificuldades para se articular oposição ao governo, com partidos enfraquecidos, tanto à direita, quanto à esquerda, confirmam a hegemonia do projeto encarnado pelos governos Lula e Dilma. O núcleo opositor ao governo se concentra na mídia privada que, conforme confissão de uma diretora da associação que os congrega, substituem aos enfraquecidos partidos opositores.
Mas esse projeto político vencedor tem grandes desafios pela frente, frequentemente obscurecidos para a grande maioria dos brasileiros, pela ação dispersiva da mídia, que insiste em buscar que a atenção das pessoas se concentre em irregularidades da gestão pública. O objetivo é desqualificar tudo o que tenha a ver com Estado, para tentar, por oposição, projetar o desmoralizado mercado e as empresas privadas que tem nele seu território privilegiado.
No entanto, o Brasil tem, entre tantas tarefas, duas que se configuram, no governo Dilma, como as mais importantes. A primeira, a elevação do ritmo de crescimento da economia e de extensão das políticas sociais, mesmo em meio aos efeitos negativos da dura recessão no centro do capitalismo. É uma proeza, mas hoje já possível, devido ao dinamismo de economias do Sul do mundo, mostrando que já existe um mundo multipolar. Sofremos os efeitos da recessão na Europa, nos EUA, no Japão, mas não são mais suficientes para arrastar-nos à recessão junto com eles.
Para isso o governo tem que zelar, antes de tudo pelos fatores que pesam sobre a nossa economia, impedindo que o ritmo de crescimento econômico seja baixo como em 2011, possa se elevar acima de 4%, oxalá acima de 5%, condição da manutenção e expansão das políticas sociais, que permitam que o governo cumpra com o maior os seus compromissos: terminar com a miséria até o final deste mandato.
A outra tarefa central é a de apoiar todos os mecanismos que permitam que a sociedade brasileira deixe de ser dominada pelos valores mercantis, egoístas, individualistas, que acompanharam a instalação do modelo neoliberal no nosso país. Que o acesso justo a bens de consumo, antes sempre negados à grande maioria, possa satisfazer suas necessidades antes reprimidas, mas que a consciência social das razoes pelas quais essas conquistas se tornam realidade possibilite que seja acompanhado dos valores da solidariedade, da cooperação, da fraternidade, do humanismo.
O neoliberalismo projetou a ideia de que a ascensão social tem que se dar necessariamente através da disputa selvagem no mercado de uns contra os outros. Como diminuíam os recursos disponíveis e as oportunidades, a visão malthusiana predominava. (Até agora um partido de direita da Catalunha fazia sua propaganda eleitoral egoísta com o lema: Não há para todos, para propagar que não se deveriam aceitar imigrantes na Espanha.) O famoso “Farinha pouca, meu pirão primeiro.”
As políticas redistributivas dos governos Lula e Dilma, que têm mudado, pela primeira vez, a desigualdade social no Brasil, diminuindo-a, respondem a direitos da massa da população, ate então marginalizadas do acesso a bens fundamentais. São resultado de uma mentalidade diferente, que reconhece o direito de todos e não apenas a capacidade de alguns de se sobrepor aos outros. Se governa para todos, se colocam os recursos arrecadados pelo Estado a serviço de todos. Antes se governava para um terço da sociedade, bastava a demanda desses setores mais ricos para alimentar uma economia que produzia prioritariamente para eles.
Para que novos valores predominem, as grandes camadas populares emergentes são essenciais, porque são elas que agora têm acesso a bens que antes lhes estavam vedados. A geração e socialização de novos valores, coerentes com as políticas governamentais atuais, requer um processo de democratização na formação da opinião pública, quebrando-se o monopólio privado, que bloqueia o processo democrático de informação e de difusão de valores solidários.
Mas requer também a articulação de políticas educativas e de cultura, que cheguem aos rincões mas distantes do país, à todas as escolas, espaços culturais, à vida comunitária da população mais pobre, incorporando-a não apenas ao circuito do consumo, mas também fazendo delas os maiores agentes de valores democráticos e solidários. Aqui se disputa a consolidação dos avanços conquistados, transformando a nova maioria politica em maioria ideológica, mediante a consciência social de todos.
Publicado no Blog do Emir
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
Começa nesta quinta o 1º Forum Mundial da Bicicleta
A capital gaúcha inaugura nesta quinta-feira (23), com apoio da prefeitura, o 1º Forum Mundial da Bicicleta, que segue até domingo com debates, palestras e oficinas. A cidade quer se tornar um centro internacional de discussão sobre o uso do veículo.
Ciclista em Porto Alegre
Depois de escandalizar o mundo com um ato de violência contra ciclistas, que deixou 17 feridos, Porto Alegre quer se redimir e se lançar como centro internacional de discussão sobre o uso da bicicleta.
Para marcar o primeiro aniversário do atropelamento coletivo de ciclistas ocorrido no bairro Cidade Baixa, a Capital recebe, de 23 a 26 deste mês, o 1º Fórum Mundial da Bicicleta.
O evento contará com palestras, debates e oficinas sobre o tema. Será discutido o papel da bicicleta na mobilidade urbana, no turismo, no esporte e na preservação do ambiente.
" A bicicleta não é a grande solução universal para tudo, mas é uma saída viável para diferentes cidades e situações", ressalta Livia Araujo, uma das organizadoras do evento.
O ativista norte-americano Chris Carlsson, que em 1992 fundou o movimento Massa Crítica no mundo, reunindo ciclistas em São Francisco (EUA), participará do forum no painel Cicloativismo como agente de mudança para cidades mais humanas, que também contará com a participação do diretor geral da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), Thiago Benicchio.
O atropelamento de repercussão internacional, ocorrido na noite de 25 de fevereiro, será lembrado durante o evento, para reforçar o apelo pelo respeito aos que optam pela bicicleta como meio de transporte, explica Livia.
A programação do fórum conta ainda com eventos paralelos, entre eles passeios especiais, como o Bike City Tour, passando pelos principais pontos turísticos de Porto Alegre. Está prevista também uma pedalada dominical.
Usina do Gasômetro vai concentrar as discussões
A tradicional bicicletada da Massa Crítica, realizada toda última sexta-feira de cada mês, também está na programação, acompanhada por um ato por cidades mais humanas na Rua José do Patrocínio, na Cidade Baixa, local onde ocorreu o atropelamento coletivo.
Os oóruns e painéis vão se concentrar na Usina do Gasômetro, e pelo menos 25 oficinas já estão inscritas. Os temas incluem ciclismo veicular, mecânica básica de bicicletas, cicloturismo e ciberativismo. A participação nas atividades do fórum — oficinas, painéis e passeios — será gratuita, sem necessidade de inscrição.
Trânsito local
Uma reunião realizada nesta quarta-feira (22), na sede da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), com organizadores do evento, resultou na definição de medidas especiais de trânsito para dar maior segurança aos participantes do evento.
As medidas anunciadas ao final do encontro incluem a implantação de ciclofaixa provisória na Rua Sete de Setembro, no Centro, a antecipação da interrupção de trânsito de veículos automotores na Avenida Edvaldo Pereira Paiva, o fechamento de metade da área do estacionamento da Usina do Gasômetro e a disponibilização de agentes ciclistas da EPTC e da Brigada Militar para escolta de grupos que queiram realizar pedaladas a partir da Usina.
A EPTC também irá bloquear o trânsito na Rua José do Patrocínio, entre as ruas da República e Alberto Torres, no sábado, 25. A data marca um ano do episódio em que um grupo de ciclistas foi atropelado por um motorista durante manifestação do movimento Massa Crítica. A área será palco de ato em memória ao incidente, dentro da programação do Fórum Mundial da Bicicleta.
A ciclofaixa temporária na Rua Sete de Setembro será implantada a partir da manhã desta quintra-feira. A pista será demarcada com cones no trecho entre a Praça Montevidéu e a Praça da Alfândega. A iniciativa, proposta pelos organizadores do Fórum, tem o objetivo de oferecer maior segurança aos ciclistas que se dirigirem à Usina, evitando, assim, o deslocamento pela Avenida Mauá, considerado perigoso para usuários de bicicletas. A ciclofaixa deverá permanecer instalada até domingo.
O bloqueio da Avenida Edvaldo Pereira Paiva, que ocorre todos os fins de semana, a partir das 13h de sábado, será antecipado para as 7h daquele mesmo dia. Na Usina, metade da área de estacionamento controlada pela EPTC terá acesso restrito a pedestres e ciclistas – medida também solicitada pelos organizadores do Fórum. No local, haverá plantão de agentes ciclistas da EPTC e da Brigada Militar à disposição do evento. Na sexta-feira, estes agentes deverão acompanhar a pedalada da manifestação mensal do Massa Crítica.
As ações definidas na reunião ampliam o apoio da prefeitura ao Fórum Mundial da Bicicleta. Além de ceder o espaço da Usina do Gasômetro para realização do encontro, a administração municipal, por meio da Procempa, disponibilizou acesso sem fio à rede mundial de computadores, além de haver instalado máquinas na Usina para uso dos participantes do evento.
Fontes: Jornal Zero Hora e Prefeitura de Porto Alegre (com texto de Poti Campos com edição de Caco Belmonte)
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012
Mário Augusto Jakobskind: Carnaval subordinado ao mercado
É carnaval. Muita gente vai perguntar: e daí? Daí que a maioria cai na folia e muitas vezes não se dá conta que a festa está deixando de ser popular para se institucionalizar na base do deus mercado. As escolas de samba entraram nessa lógica e hoje os desfiles viraram espetáculo industrializado com regras castradoras. E para assistir no sambódromo o custo é alto.
Por Mário Augusto Jakobskind*, no Direto da Redação
O tema é polêmico por natureza. Outro exemplo é dos blocos de rua. Agora, o senso comum anda entoando a cantiga segundo a qual o carnaval de rua ressurgiu com o monobloco etc e tal. Não é verdade, antes da apropriação industrial dos blocos como começa a acontecer, o carnaval de rua sempre se fez presente. Neste 2012 tem até bloco que nem apresenta samba ou marcha, optando pelos Beatles e se dizendo responsável pelo “ressurgimento” do carnaval de rua.
As exigências que a prefeitura cria para permitir o desfile dos blocos são tantas que muitos desistiram de seguir as normas. A burocratização do carnaval faz parte do esquema industrial que visa a tornar a festa apenas uma fonte de lucros para poucos, como determina a lógica do capital.
Mas, enfim, como o tema é muito sério e complexo, tem muito folião que considera tal discussão chata. Prefere então embarcar na festa, sem perceber que com o andar da carruagem em pouco tempo o carnaval vai se afunilar e será para poucos pagando muito, como exige o mercado.
Tem mais. Nestes dias de Carnaval, muita coisa que acontece por aqui e pelo mundo afora fica em segundo plano. A mídia de mercado aproveita o embalo e não divulga questões relevantes. É o caso da repercussão que poderia ter um fato ocorrido na França e que envolve uma empresa conhecida nesta plagas abençoadas por Deus e bonita por natureza.
A empresa estadunidense Monsanto foi julgada por um Tribunal da cidade de Lyon, na França, e considerada legalmente “responsável” pela intoxicação de um agricultor. Foi uma decisão judicial em primeira instância e a empresa deverá apelar, o que retardará a decisão final. Mesmo assim, a primeira decisão pode ser considerada uma vitória, pois remete a questão para o debate e questionamento da Monsanto.
É importante os brasileiros serem informados a respeito do acontecido na França, porque de um modo geral a Monsanto por aqui tudo pode e conta com total apoio dos meios de comunicação de mercado, que ignoram os protestos e denúncias contra a empresa acusada de provocar sérios danos ao meio ambiente e à saúde das pessoas ou manipulam o noticiário criminalizando os movimentos de protesto.
Outro tema que continua a ocupar grandes espaços de discussão e matérias mesmo na mídia de mercado é o que se passa em Cuba. Recentemente, por exemplo, a TV Bandeirantes apresentou uma série de matérias completamente manipuladas e equivocadas.
O repórter ouviu apenas um dos lados, ou seja, exatamente o que faz oposição ao regime e sempre com o estímulo dos setores extremistas radicados em Miami que nunca se conformaram com a perda de privilégios.
Foram mostradas imagens com o objetivo de o telespectador concluir ser Cuba um inferno na Terra e que seu povo vive no pior dos mundos. O repórter apurou mal certos fatos, um deles ao afirmar que o CUC, a moeda do turismo, pode ser convertido em dólar pelos cubanos e assim sucessivamente. Esqueceu de dizer o principal, ou seja, que o turista troca a sua moeda, dólar ou euro, pelo CUC para então usar para os gastos em território cubano. Se reconverter, cubano ou turista, para dólar ou euro vai perder, claro. Mas o repórter ignorou essa obviedade.
Os CUCs deixados pelos turistas, que em 2011 vieram num total de dois milhões e 700 mil, permitem ao Estado cubano aplicações nas áreas de saúde, educação, moradia etc. Ou seja, as divisas do turismo são destinadas exatamente para a utilização em favor do povo. Aí o senso comum prefere dizer apenas que apesar de permitido são pouco os cubanos que têm acesso aos locais frequentados pelos turistas.
Saúde e educação de boa qualidade e de graça é salário indireto. Se contabilizado, utilizando como termo de comparação muitos países latino-americanos, europeus e mesmo os Estados Unidos, chega-se a cifras altas e até astronômicas. E tem mais um detalhe: saúde cara não raramente pouco acessível a muitos assalariados sem condições de pagar planos de saúde de empresas particulares. E em não poucos países com a saúde pública em péssimas condições.
Mas como as reportagens objetivam apenas reforçar o sentimento contra Cuba, mostrar a realidade sem manipulações não interessa à mídia de mercado, muito menos ao esquema Barack Obama, que corre atrás dos votos de Miami, onde os cubano-americanos têm peso eleitoral.
*Mário Augusto Jakobskind é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE.
Ibope da Globo cai 20% durante transmissão do carnaval
A transmissão da Globo dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, no domingo, registrou uma queda de 20% na audiência, na comparação com 2011. Anteontem, a emissora marcou 8,3 pontos no Ibope da Grande São Paulo. A primeira noite dos desfiles cariocas no ano passado marcou 10,4. Em 2010, a média foi de 10,9 e, em 2009, 12,5 pontos.
Com uma programação alternativa à folia, a Record bateu a Globo durante os dois primeiros desfiles. Das 21h às 23h32, o Domingo Espetacular marcou 15 pontos contra 13 da concorrente. Na sequência, o Repórter Record, das 23h32 à 0h21, também bateu o Carnaval da Globo por 12 a 10 pontos.
Com os desfiles do Grupo de Acesso do Rio, o SBT deu 1,3 ponto no Ibope da Grande SP, no sábado. O canal perdeu até para o Fala que Eu Te Escuto (Record). A rede concorrente marcou 5,4 no horário.
Cinema: Escola Darcy Ribeiro abre processo seletivo
A Escola de Cinema Darcy Ribeiro (ECDR) está com inscrições abertas, até 29 de fevereiro, para o processo de seleção dos cursos regulares de Direção e Roteiro Cinematográfico, Montagem e Edição de Imagem e Som. Os cursos, com duração de um ano e meio, são organizados em três módulos semestrais.
As inscrições podem ser feitas na Secretaria da Escola: Rua da Alfândega, 5 – Centro – Rio de Janeiro – RJ. Alunos estrangeiros e brasileiros residentes fora do estado podem se inscrever pela internet. A Escola de Cinema Darcy Ribeiro recebe o apoio do Ministério da Cultura (MinC), por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet).
No processo seletivo, os candidatos serão avaliados por meio de análise curricular, além de uma prova escrita e uma entrevista individual, com critérios que pontuam a disponibilidade, o interesse e a vocação para a área escolhida.
A exigência mínima para a inscrição é a apresentação do diploma de nível médio completo ou diploma de nível superior, no caso do candidato possuir outra formação. Os cursos regulares da escola oferecem formação teórica e prática em funções específicas do setor audiovisual e cinematográfico. São oferecidas 25 vagas por curso e o período letivo vai de março a julho e de agosto a dezembro. As aulas são ministradas no horário das 18h30 às 21h30 e, aos sábados, das 14h às 17h.
Os planos de estudo estão organizados em disciplinas comuns às três áreas oferecidas e a conteúdos específicos de cada uma. Para receber o diploma de conclusão, os alunos precisam ter 75% de frequência. A partir do segundo módulo, os coordenadores dos cursos programam atividades de realização em plataforma digital para equipes integradas por alunos dos diferentes cursos, cada um atuando em sua área de formação.
Os trabalhos audiovisuais realizados pelos alunos são apresentados na Escola de Cinema Darcy Ribeiro durante os eventos de abertura do semestre letivo.
Escritora barramansense recebe homenagem do Literarte
Recentemente a escritora Eliana Neri foi para Curitiba receber uma importante homenagem da Associação Internacional de escritores e artistas (Literarte). Eliana foi indicada após analise do seu perfil, e aprovada pela diretoria para receber o troféu “Prêmio Literarte de Cultura 2012”.
A outorga é uma grande homenagem há todos aqueles que brilharam durante o ano de 2011 no cenário cultural e tem como objetivo central, reconhecer e trazer a público as melhores iniciativas culturais tendo como critério: talento, criatividade, empreendedorismo, respeito e companheirismo e apoio cultural.
O evento também contou com o lançamento da antologia infantil "Histórias para você dormir 3" em Curitiba, o livro terá lançamento em Paris (França) e será divulgado em outros países. A escritora Paola Rhoden será a divulgadora da obra na Itália, uma das autoras Jô Mendonça Alcoforado estará divulgando suas obras por oito países a partir de março. Com isso os autores e o Brasil será cada vez mais reconhecido e valorizado.
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
Jonas Marins cobra conservação do Palácio Barão de Guapi
O presidente do PCdoB de Barra Mansa, Jonas Marins, vai encaminhar um ofício ao Superintendente da Fundação de Cultura de Barra Mansa, Luiz Augusto Mury, cobrando providências com relação ao abandonmo do palácio Barão de Guapi. "O Palácio Barão de Guapi, antiga sede da Câmara Municipal, que completou recentemente 150 anos, está em um estado de conservação lastimável, com paredes descascadas, com infiltrações e mofo, janelas com estrutura e vidros quebrados e detalhes da fachada deteriorados fazem parte da realidade de um dos prédios históricos mais importantes de Barra Mansa", afirma Jonas.
- Apesar de ter recebido, em 2009, uma verba de 300 mil reais do Ministério da Cultura, nada foi feito pela conservação do patrimônio histórico. A verba foi conseguida pelo PCdoB de Barra Mansa, através do ex-deputado Edmilson Valentim que intercedeu junto ao Ministério da Cultura. A proposta cadastrada no SICONV (nº 084947/2009), corresponde a emenda apresentada pelo ex-deputado. O termo de convênio foi gerado e só faltava a assinatura do Prefeito. Agora, passados mais de 2 anos, o superintendente da Fundação de Cultura, Luiz Augusto Mury, fala de um plano de restauração do Palácio Barão de Guapi que estaria prestes a ser posto em prática. Mas, e a verba liberada em 2009, a prefeitura perdeu? Foi gasta como? São respostas que o superintendente fica devendo à população, pois desde que o palácio passou para o controle da prefeitura nada foi feito pela sua conservação, enfatiza Jonas.
O carnaval como resistência cultural
Noemi Osna
Claudionor Cruz, Claudio Ribeiro e Cartola: parceiros no samba
Resistir e sambar, é só para quem pode. Esse é o título de um livro do compositor, carnavalesco, advogado e homem de rádio Cláudio Ribeiro. Embora não seja conhecido nacionalmente, ele tem diversos trunfos no mundo da música e do carnaval: foi parceiro musical de Cartola e Claudionor Cruz, foi o primeiro paranaense aceito como compositor pela Escola de Samba da Mangueira, a convite de Lecy Brandão, em 1977 (junto com um outro parceiro seu, Homero Reboli), fez músicas para todas as escolas de samba de Curitiba, além de ter fundado várias. Também foi o presidente da primeira associação de escolas de samba da cidade, em meados dos anos 70. Conhecido por sua militância política à esquerda, ele justifica: “Quando a repressão da ditadura estava feroz, não podíamos deixar morrer nossa vocação para a organização e nos voltávamos para questões aparentemente apolíticas.”
Agora, na condição de carnavalesco e compositor apaixonado, ele se coloca diante de um desafio, mencionado já na introdução do livro ainda inacabado. O de “transformar apoteóticos desfiles de carnaval numa aula de história, crítica social e conhecimento.”
A presença negra em Curitiba
Com lançamento previsto para o final do ano, o livro traz como sub-título Fatos da manifestação coletiva de um povo expressando sua cultura e faz uma abordagem do carnaval curitibano entre 1900 e 2000.
“Mas Curitiba não tem tradição de Carnaval”, logo dirão os céticos e os mal informados de uma maneira geral. E é justamente contra essa concepção de uma cidade “embranquiçada”, tipicamente européia e, portanto, sem espaço para manifestações populares com raízes africanas ou indígenas, que o autor coloca um dos focos do seu trabalho. Cláudio observa que os historiadores paranaenses e a crônica oficial curitibana, incluindo aí os livros de Romário Martins, sempre trataram de vender a imagem de uma Curitiba branca, onde a escravidão teria tido características diferentes do restante do país: “A verdade é que muitos dos que escreveram sobre o nosso passado, o fizeram para perpetuar a superioridade da raça branca, fazendo com que fosse desaparecida de nossa documentação qualquer vestígio da presença da cultura negra”. Em uníssono com quem refuta a “docilidade e passividade” dos escravos africanos, ele observa que no Paraná o negro tampouco se resignou: “Os jornais da época estão repletos de anúncios de escravos fugidos.”
A história do carnaval de rua
Uma outra face dessa coragem e inconformismo, demonstrada no livro, estava nas Irmandades Religiosas. Também criadas pelos negros do Paraná, essas associações de auxílio mútuo promoviam diversas atividades para levantar fundos destinados à compra da alforria. Entre elas, as Congadas. Essas, que eram uma expressão das tradições e religiosidade africanas, com suas danças, cantos e coroação do rei Congo, vinham vestidas e travestidas dos costumes da fidalguia portuguesa e das exigências do catolicismo, através das procissões a São Benedito e Nossa Senhora do Rosário. As primeiras Congadas de que se tem registro em Curitiba ocorreram em meados do século XIX. São consideradas as manifestações coletivas iniciais de carnaval de rua, tendo dado origem aos ranchos. Ao mesmo tempo, os brancos de classe média alta e da aristocracia paranaense faziam seu carnaval em sociedades calcadas nos tradicionais clubes ingleses.
E não demorou para que os batuques, ranchos e outras manifestações populares de raízes negras fossem proibidas por leis e decretos municipais. Em compensação, surgiram das classes abastadas os “animadores” para um carnaval de rua que se tratava de tornar “culto”, com farta distribuição de máximas e pensamentos impressos. Ou como coloca Cláudio: “As classes dominantes consideravam como atributos seus, tanto a capacidade de “animar”, que também quer dizer “dar vida”, como os da beleza e da sabedoria, implícitos no termo ‘culto'.”
Utilizando as contradições de classe como ferramenta de análise, Cláudio Ribeiro, sem deixar de mostrar o contexto brasileiro, vai traçando a história do carnaval curitibano: a disputa dos blocos; a importância das Associações dos Barriqueiros formadas por artesãos e operários voltados à confecção de barricas para embalar erva-mate; a criação da primeira escola de samba — a Colorado, organizada pelos ferroviários nos anos 40; um caso de discriminação explícita: a sofrida pelo travesti Gilda, figura conhecida que vivia nas ruas, proibido de desfilar em um dos carnavais por determinação de um pretenso dono da avenida.
Estes serão alguns dos fatos e personagens que aparecerão nessa narrativa de um século dos festejos momescos na capital paranaense. Pois, como observou um cronista curitibano em 1900: “O Curitibano é triste. Muito triste. Mas sabe receber sempre com calor o deus Momo.”
Apesar de contar com pouquíssimos registros sonoros, principalmente, dos períodos mais distantes, o pesquisador pretende enriquecer o documento com um CD. Quanto à documentação escrita, conta com periódicos, relatórios de repartição pública, atas de associações, sindicatos, escolas de samba e blocos carnavalescos. E também com sua própria memória, que é a de alguém que participa ativamente do movimento cultural da cidade há cerca de 40 anos. Em todo o caso, Cláudio Ribeiro avisa: “Não é minha intenção aprofundar ou esgotar o tema. Apenas dar alguns subsídios e o pontapé inicial para que outros continuem o trabalho sobre esta arte popular em que o povo produz o show e assina a direção.”
Chorando acompanhado
Rosa Minine
Exímio instrumentista, o veterano chorão Zé Carlos, ou Zé do Cavaquinho, como é conhecido no meio, juntou um grupo de chorões, incluindo experientes e iniciantes, jovens e bem maduros, para formar o Chorões & Cia. Um grupo diferente, tem uma formação distinta em cada apresentação, dando oportunidades para quem está começando agora. Além de tocar fixo em um bar da capital mineira, o Chorões se apresenta em outros eventos na cidade e viaja pelo interior.
— Já toquei em diversos bares aqui em Belo Horizonte e fiz apresentações em teatros, até que fui contratado para tocar com um grupo de músicos, em uma casa chamada Dalva Botequim Cultural, nome em homenagem a Dalva de Oliveira. O rapaz queria um nome de qualquer jeito, e o que me veio na hora foi Chorões & Cia. Ele gostou e assim formei o primeiro o grupo — conta Zé Carlos.
— A princípio foi com amigos chorões, o que seria meu grupo oficial, digamos assim, grandes nomes daqui, como Mozart no violão, o Waldir Silva no cavaquinho, o Zito no pandeiro, o Vilanova no bandolim, e foram chegando os amigos. Depois falei para a Lilian Macedo, curadora do projeto Pizindin — Choro no Palco, que é a nossa madrinha: “Vamos fazer algo interessante? Vou manter o nome, mas quero ir mudando os músicos, e assim dar chance para mais gente” — continua.
Isso acabou ajudando a todos, segundo Zé Carlos, porque os chorões veteranos costumam com muitos compromissos, não podendo ficar presos em um grupo, e os jovens correm atrás de oportunidades.
— Estou tendo o prazer de ir formando grupos, que têm jovens de 18 anos até veterano chorão de 89, caso do Mozart. E vou mesclando, garimpando, chegando a formar um grupo em que o mais novo tem 18 e o mais velho 23 anos. Faço questão de que os ensaios sejam feitos, e gosto muito de obedecer a linha melódica dos autores. Em geral, a garotada respeita muito os chorões veteranos — afirma.
— Além do bar, temos feito apresentações em eventos diversos e festas particulares, como casamentos. Inclusive já fomos para o interior do estado. Posso dizer que tenho uma grande quantidade de músicos cadastrados, incluindo estudantes de música das universidades daqui, e vou montando o grupo dependendo do evento. Geralmente, levo de quatro a oito músicos, porque financeiramente falando, ainda não dá para levar muita gente — explica.
Zé Carlos é um maranhense que já virou mineiro e tem uma vida dedicada ao choro, apesar de ter trabalhado duro, por anos, como técnico químico.
— Nasci em 31 de outubro de 1934, lá em São Bento, no interior do Maranhão. Fui para a capital com onze anos de idade para estudar no colégio interno. Mas, quando jovenzinhos, fazemos as nossas traquinadas, e acabei expulso do internato (risos). Fui morar com meus padrinhos e isso foi bom, porque minha madrinha gostava de tocar violão e cantar umas musiquinhas antigas, e meu padrinho estudava violão erudito — lembra.
— Na casa também morava o irmão de minha madrinha, que era paraplégico. Ele tentava tocar o violão do meu padrinho quando saía, mas tinha muita dificuldade. Vendo isso, minha madrinha comprou um cavaquinho para ele. Deu certo e ele não parava de tocar, o que agradou muito o meu ouvido. Comecei a aprender umas notinhas com ele, umas harmonias, mas fiquei nisso, simplesmente gostando de cavaquinho — continua.
Choro do Maranhão até Minas Gerais
— Passaram alguns anos, até que no final da década de 40, começo de 50, me encantei com um choro do Bonfiglio de Oliveira, chamado Flamengo, gravado pelo Jacob do Bandolim. Depois apareceu o Brasileirinho, do Valdir Azevedo, e vieram surgindo outros, que foram me levando para esse lado — declara.
Além dessas influências, seu padrinho, apesar de ser músico erudito, gostava muito de tocar música popular e fazer uma roda de choro.
— Ele chegou até a formar um conjunto com doze violões. Tivemos uns grupinhos lá em São Luiz e fazíamos as nossas rodinhas, mesmo de brincadeira. Em 1952, vim para Belo Horizonte e a vocação se consolidou, porque meu pai tinha um bar e o pessoal dos conhecidos Regionais, que tocavam nas rádios Guarani e Inconfidência, frequentava e as vezes fazia um toquezinho informal, e eu participava de tudo — conta.
— E fui me aperfeiçoando e me entrosando com diversos chorões daqui de Belo Horizonte, e também de várias partes do país, porque por conta do meu trabalho, paralelo à música, em uma grande empresa de tintas, viajava muito e conheci muitos chorões por esse Brasil afora. Pessoal de Belém, Recife, Fortaleza, Salvador, Brasília, Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro. No Rio, conheci o Dino, toquei com o Jorginho do Pandeiro e muitos outros chorões maravilhosos — fala.
O Chorões & Companhia ainda não gravou discos, assim como Zé Carlos que, apesar de veterano, se prepara para gravar seu primeiro CD.
— Nunca me preocupei muito com esse negócio de gravar um disco meu, até por conta das muitas participações que tenho nos de outros chorões. Além disso, depois que me aposentei foi que realmente pude me dedicar à música. Então, agora, estou planejando e deve sair no segundo semestre deste ano — conclui.
Para contatar Zé Carlos e Chorões: lilila2004@yahoo.com.brEste endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.
Homem da Meia-Noite comemora 80 anos em Pernambuco
O Homem da Meia-Noite, manifestação de destaque do carnaval pernambucano, comemora 80 anos em 2012. Com uma história carregada de misticismo, o boneco gigante de quatro metros de altura atrai uma multidão nos primeiros minutos do domingo de carnaval para a Rua do Bonsucesso, em Olinda.
Homem da Meia-Noite em Olinda (PE) completa 80 anos em 2012 / foto: divulgação
"Quando o Homem da Meia-Noite coloca a cabeça do lado de fora dessa sede, é algo enlouquecedor. Você vê de crianças a senhoras chorando, gente desmaiando de emoção", afirma o presidente do clube, Luiz Adolpho.
Neste Carnaval, a expectativa é arrastar 500 mil pessoas pelas ladeiras de Olinda. E, sem dúvida, essas pessoas estarão cantando uma das músicas mais executadas no período momesco. "Lá vem o Homem da Meia-Noite. Vem pelas ruas a passear. A fantasia é verde e branca, para animar o carnaval".
O Homem da Meia-Noite sai à meia-noite do Sábado de Zé Pereira, da sua sede, na Rua do Bonsucesso (número 132). Na segunda-feira, haverá um desfile que não acontece há mais de 40 anos, com carros alegóricos. A saída é do Largo de Guadalupe, às 16h30, e o percurso passa pelo Largo do Amparo, pela sede do clube e segue pela Cidade Baixa até o Varadouro.
Fonte: G1
Brasileiros participaram menos de atividades culturais em 2011
Pesquisa feita pela Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ) com mil pessoas em 70 cidades do país, incluindo nove regiões metropolitanas, aponta que houve uma redução das atividades culturais dos cidadãos brasileiros, no ano passado, em comparação a 2010.
Isso significa que, em relação a 2010, uma proporção menor de brasileiros participou de alguma atividade cultural, como ler livro, assistir a espetáculo de dança ou de teatro, visitar exposição de arte, ir ao cinema ou a um show de música, disse à Agência Brasil o economista da Fecomércio-RJ, Christian Travassos.
De acordo com o levantamento, em 2011, 45% da população estiveram envolvidos com alguma atividade cultural ante a 53% do ano anterior. Segundo Travassos, a forte desaceleração da economia, que passou de um crescimento de 7,5%, em 2010, para cerca de 3% a 3,5%, no ano passado, contribuiu para a diminuição.
Entre 2010 e 2011, o hábito da leitura entre os brasileiros caiu de 34% para 28%, a ida ao cinema ou a shows musicais mostrou retração de 28% para 24% e de 27% para 24%, respectivamente. De todas as opções sugeridas na pesquisa, apenas a referente a peças ou espetáculos de teatro apresentou crescimento, passando de 7% para 9%.
O economista da Fecomércio-RJ avaliou que a principal razão para que o brasileiro não frequente intensamente ambientes culturais é a falta de hábito. “Não é uma questão financeira. Porque, quando você pergunta qual a razão de não ter frequentado um ambiente cultural, a maior parte diz que é a falta de hábito”.
Dentre os 55% que não foram a ambientes culturais no ano passado, 72% disseram preferiram ficar em casa e assistir à televisão, 20% declararam fazer churrasco com parentes ou amigos, 15% têm na igreja o seu meio de lazer, 11% manifestaram preferência pelo futebol e 8% ir a bares.
A cultura hoje em dia, destacou o economista, já está presente como instrumento de transformação social em muitos projetos e políticas de governo, além de ações de responsabilidade social das empresas e de organizações não governamentais. Travassos acredita que essas sementes irão gerar frutos no futuro. “É um movimento paulatino para os próximos anos”.
Para acelerar esse processo, considerou essencial que ele seja iniciado na escola, no ensino de primeiro e segundo graus. “Para que a gente forme o consumidor da cultura no futuro”. O economista da Fecomércio-RJ esclareceu que o interesse pela cultura está relacionado ao ambiente cultural onde a pessoa está inserida ou aos hábitos culturais da família. “E não tanto com a questão econômica”.
Na opinião de Travassos, o hábito de levar uma criança a um museu, ao teatro, a um cinema pode, no futuro, fazer uma grande diferença. “Faço uma analogia em relação ao meio ambiente. Uma criança que só conhece o meio ambiente degradado, é muito difícil ela entender a necessidade de preservação. Ao passo que, se ela tem contato com um ambiente saudável, preservado, ela vai entender porque é importante preservar os recursos naturais. Na cultura, é a mesma coisa”. É preciso ter acesso a hábitos culturais variados e com diversidade de opções, que tragam a realidade de outras regiões e países, sugeriu.
De acordo com a pesquisa, por ordem de preferência, os brasileiros gostam mais de ler algum livro (63%), ir a show de música ou ao cinema (53% cada), ao teatro (21%) e assistir a espetáculos de dança ou visitar exposição de arte (16% cada).
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Cultura e Educação
Em 2012, MinC e MEC atuarão em conjunto para levar projetos culturais às escolas públicas
O Ministério da Cultura desenvolverá em 2012 vários projetos que promovem a interface entre cultura e educação. Todo esse trabalho faz parte da estratégia elaborada pelo MinC para cumprimento das metas do Plano Nacional de Cultura (PNC), que serão implementadas até o ano de 2020. O Acordo de Cooperação Técnica assinado entre os ministérios da Cultura (MinC) e da Educação (MEC), no final de 2011, com previsão de recursos da ordem de R$ 80 milhões, garante o desenvolvimento de seis ações entre as duas pastas, nas escolas públicas de ensino básico de todo o país.
Para o mês de março, por exemplo, está previsto o lançamento do edital Mais Cultura nas Escolas, programa que irá levar as experiências artísticas realizadas em Pontos de Cultura e Centros Culturais para dentro dos colégios públicos de nível básico. Também está previsto o lançamento, ainda no primeiro semestre deste ano, dos editais Agente de Leitura nas Escola; Cine Educação; Programa Nacional Biblioteca Escolar-Artes; Programa de Pesquisas nas Escolas, Mapeamento e Georreferenciamento; e o Programa de Formação Continuada para Professores de Arte.
As ações
O Programa Mais Cultura nas Escolas vai selecionar duas mil propostas elaboradas em parceria entre as escolas e as instituições culturais, com o objetivo de aproximar experiências artísticas ao projeto pedagógico dos colégios. Cada projeto selecionado irá receber R$ 20 mil para desenvolver um plano de trabalho no período de um ano. O orçamento total para este edital é de R$ 40 milhões.
A ideia, segundo a diretora de Educação e Cultura da Secretaria de Políticas Culturais do Ministério da Cultura (SPC/MinC), Juana Nunes, é a de levar as escolas públicas a desenvolverem trabalhos conjuntos com estas instituições para a realização de projetos culturais. “São ações voltadas para a Educação que vão atuar como base para as políticas culturais”, queremos transformar as escolas em um espaço de produção e circulação de Arte, formando o público consumidor e ampliando o acesso da população aos bens e serviços culturais”, comentou a diretora.
O edital Mais Cultura nas Escolas receberá apoio do Programa Dinheiro Direto nas Escolas, do Ministério da Educação, que vai repassar boa parte dos recursos que serão utilizados no financiamento dos projetos. Segundo Juana, o MEC está entrando como o principal colaborador dos novos programas para Cultura e Educação. Ao MinC coube a parte de conteúdo e criação dos programas.
Agente de Leitura e demais ações
O edital Agente de Leitura nas Escolas tem previsão de lançamento para o mês de maio. É uma ação para ampliar o programa já em andamento no Ministério da Cultura, que agora passará a ter o foco centrado nas escolas públicas. Serão selecionados 4 mil agentes de leitura que vão trabalhar no desenvolvimento do hábito de ler entre crianças e jovens.
O projeto será inserido dentro das ações do programa Mais Educação, do MEC, que alcança 15 mil escolas públicas em todo o país. Os agentes de leitura vão atuar integrados aos projetos de incentivo à leitura, desenvolvidos pelos professores. Para este edital estão previstos R$ 28,8 milhões a serem distribuídos em 4 mil bolsas de R$ 400,00, para um período de 10 meses, além de custear a formação de profissionais e a elaboração do material didático.
O programa Cine Educação, desenvolvido pela Cinemateca Brasileira, instituição vinculada à Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, será fortalecido com um aporte de recursos de R$ 8 milhões. É uma ação que visa à capacitação de professores da rede pública e a disponibilização do acervo cinematográfico nacional de títulos da Programadora Brasil. A entrega dos kits audiovisuais está prevista para abril deste ano e prevê a distribuição de 100 filmes nacionais, acompanhados de um caderno pedagógico, com informações sobre cada título. O processo de formação dos professores está agendado para os meses de abril e maio.
O projeto Pesquisa nas Escolas, Mapeamento e Georreferenciamento irá realizar um levantamento sobre as iniciativas que promovam a interface entre Cultura e Educação. É uma ação que contribui para a aproximação das políticas públicas de Cultura com as escolas e para o diálogo sobre os processos educativos regionais. Será destinado R$ 1,7 milhão para esta iniciativa que deverá abranger o universo de 15 mil escolas de ensino básico, nas cinco regiões do país. A ação deverá ser desenvolvida ao longo do ano de 2012.
O Programa Nacional Biblioteca Escolar do MEC receberá um acervo de obras de arte, que inclui livros, filmes, discografia, mídias e artes digitais. O material será destinado para democratizar o acesso de alunos e professores à Cultura, em todas as escolas públicas do país. Para esta rubrica está previsto o investimento de R$ 78,5 milhões. A ação envolverá curadoria especializada para a definição do acervo, envolvendo MinC e MEC, professores e artistas.
O programa de Formação Continuada para Professores de Arte é uma ação em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e visa à capacitação do corpo docente das escolas públicas, no ensino de Artes, com ênfases na diversidade da cultura brasileira. A previsão inicial é a formação de 1,5 mil professores e ainda não há orçamento fechado para esta atividade.
Metas do PNC
As metas do PNC para o segmento Cultura/Educação estão voltadas para o atendimento a alunos e professores das escolas públicas de ensino básico, numa primeira etapa. Na sequência serão voltadas para o ensino técnico na área das Artes e para a educação de nível superior. Foram embasadas em cima de seis pontos estratégicos para a elaboração de políticas públicas.
A primeira premissa é a implantação de disciplinas de Arte nos currículos escolares de cem por cento das escolas públicas de ensino básico; a segunda é a formação continuada para 20 mil professores de Artes nas escolas públicas; a terceira é a implantação de projetos permanentes de Arte e Cultura em 100 mil escolas públicas de ensino básico; a quarta é o aumento da oferta de cursos técnicos de arte e cultura, reconhecidos pelo MEC; a quinta é o incremento em até 200% na oferta de vagas em cursos de graduação e pós-graduação na área da Cultura, com aumento proporcional no número de bolsas; e a sexta é o reconhecimento do MEC para profissionais com saberes na área cultural.
(Texto: Patrícia Saldanha, Ascom/MinC)
sábado, 11 de fevereiro de 2012
Paulinho da Viola faz 70 anos com material inédito para gravar CD Bloco faz homenagem neste domingo para que jovens conheçam sambas antigos
Paulinho da Viola estará no trio elétrico do Timoneiros da Viola, em Madureira: ele exigiu que não fossem cantadas apenas músicas suas Foto: Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo
Paulinho da Viola estará no trio elétrico do Timoneiros da Viola, em Madureira: ele exigiu que não fossem cantadas apenas músicas suas Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo
RIO - Em meados do ano passado, o jornalista e pesquisador Vagner Fernandes esteve com Paulinho da Viola não para saber se lhe interessava receber uma homenagem, mas para comunicar que ele seria homenageado pelo bloco Timoneiros da Viola, que acabara de ser criado. O compositor se assustou, pois, em função do plano que traçara para o carnaval de 2012 (shows no Sesc Pinheiros, em São Paulo, de sexta-feira a domingo, e descanso nos dois dias restantes), já recusara convite de outro bloco.Acalmou-se ao ser informado que o desfile seria no domingo anterior ao carnaval, data sem compromisso marcado. Mas assustou-se de novo quando ouviu que apenas músicas suas estariam no repertório.
— Isso não existe — rechaçou Paulinho, sugerindo que também fossem cantadas criações de outros autores, "sambas que normalmente não são mais cantados".
Vagner aceitou o argumento, e é em nome dessa ideia que Paulinho estará amanhã sobre um trio elétrico, sob o calor de Madureira, desempenhando o papel de protagonista da primeira ida às ruas do Timoneiros da Viola, com concentração marcada para as 11h na Praça Paulo da Portela e saída prevista para as 13h.
— Será interessante ver a reação do pessoal mais novo em relação a essas músicas que não vêm sendo cantadas, inclusive músicas de grandes compositores da Portela. Isso me motivou — explica Paulinho.
O bloco promete sambas de Bide, Marçal, Candeia, Nelson Cavaquinho, Cartola, Donga, João da Baiana, Ismael Silva, Alvaiade, Manacéa, Chico Santana... Gente, enfim, que Paulinho homenageou na letra de "Bebadosamba".
— Queremos cantar samba durante o carnaval. É só isso, o feijão com arroz — afirma Vagner, ampliando sua ambição ao dizer que "a ideia foi recuperar o romantismo dos antigos carnavais de subúrbio".
Paulinho diz que muitos desses carnavais passaram por sua vida. Ele brincava em blocos por Madureira, Cascadura, Campinho, Marechal Hermes, Vila Valqueire e, também, Botafogo, onde passou infância e adolescência.
— Assisti a muitos ensaios dos Foliões de Botafogo, inclusive o do lançamento do "Tristeza" ("Tristeza/ Por favor, vá embora..."), do Niltinho. Tinha o Carijó, que era da rua em que eu morava, a Pinheiro Guimarães. O bloco cantava os sambas do rádio, como se dizia. Outros blocos tinham compositores, como o São Clemente. Brinquei muito carnaval, fui até a banho de mar a fantasia — recorda-se ele.
Por Paulinho, a Velha Guarda da Portela subirá amanhã pela primeira vez num trio elétrico. Pela Velha Guarda, da qual é padrinho e o pioneiro produtor (disco "Passado de glória", de 1970), e por insistência de outros amigos da escola, Paulinho não faltará ao desfile da Portela, o segundo do domingo de carnaval. Logo após o show do Sesc Pinheiros, pegará um avião e correrá para o Sambódromo.
— Nunca fiz isso — espanta-se ele, que voltou a sair em sua escola em 1995, após 17 anos de afastamento, e desde então só faltou em duas ocasiões.
— Estamos num outro tempo, e muitos dos grandes sambas do passado não podem ser cantados no andamento atual (acelerado) — observa. — Falei demais sobre isso, até compreender que a vida é isso mesmo, a vida muda. Passei a evitar críticas, porque há pessoas envolvidas nesse trabalho o ano inteiro, aquilo (as escolas de samba) é a vida delas. Não tem sentido ficar repetindo o que eu já disse.
Em 12 de novembro, Paulinho completará 70 anos. Com a discrição habitual, diz que não tem planos de comemoração:
— Por mim, não faria nada. E acho que não vai ter nada de especial. Tomara que não.
Mas, ainda que por coincidência, poderá haver. Ele foi sondado para se apresentar pela primeira vez no Carnegie Hall, em Nova York, em novembro. Se confirmado, o show será dentro de um pequeno festival de música brasileira a ser realizado no mesmo palco em que, há 50 anos, ocorreu o concerto que lançou a bossa nova nos Estados Unidos.
E ainda há a possibilidade de acontecer algo cada vez mais raro na carreira de Paulinho: um disco. Ele, que lançava pelo menos um por ano na década de 1970 (em 1971 e 1976 foram dois), foi aumentando os intervalos a partir da década seguinte. O último majoritariamente de inéditas foi "Bebadosamba", de 1996. O último a ser lançado, "Acústico MTV" (2007), tinha quatro canções novas.
— Tenho umas sete inéditas. Mostrei algumas no show do Vivo Rio (em julho passado), mas depois guardei. Estou trabalhando outras, e há antigas praticamente prontas. Pode ser para este ano (o disco). Espero que seja — diz ele, que tem com a Sony, que lançou o "Acústico", contrato para um segundo CD, mas está brigando na Justiça com a gravadora, pois ela alega que o artista descumpriu um contrato de administração de shows ao não repassar uma quantia.
Ser convencido a estar amanhã em Madureira não foi obra do acaso. Portelense que desfila na escola desde os 9 anos, Vagner o conhece há muito tempo. Já publicou um livro — que será relançado este ano — sobre Clara Nunes, um dos maiores símbolos da Portela e presente no enredo deste ano, e concluiu outro sobre Cartola, um dos mestres de Paulinho.
— Tenho verdadeira idolatria por Paulinho. E imaginei o bloco quando estava no Largo de Bangu, no carnaval do ano passado, e vi as pessoas se abraçando e chorando quando tocou "Foi um rio que passou em minha vida" — conta Vagner, que, atendendo a sugestões de Paulinho, pretende que a bateria do bloco toque os sambas com cadência semelhante à dos tempos idos.
O autor de "Para ver as meninas" aguarda a chegada do sexto neto e acompanha as carreiras dos filhos, como Beatriz Faria, atriz e cantora que está no elenco do musical "Sassaricando", e João Rabello, violonista como o tio Raphael e que lançou no final do ano passado, aos 30 anos, seu segundo CD, "Uma pausa de mil compassos".
— Gostei muito desse disco. João poderia até trabalhar menos, mas faz um esforço para criar uma coisa dele. Acho que ele está no caminho certo — aprova o pai.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/paulinho-da-viola-faz-70-anos-com-material-inedito-para-gravar-cd-3942986#ixzz1m76IdUvC
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O dia em que Portinari não pisou em Nova York
No cinquentenário de sua morte, vale (re)ler perfil de pintor que nunca renegou suas convicções políticas, e as atribuía a algo mais profundo que a razão
Estudos para guerra e paz, de Cândido Portinari
Uma agenda extensa de comemorações marcará, em 2012, os 50 anos da morte de Cândido Portinari, que se completaram em 6 de fevereiro. Em São Paulo, o Memorial da América Latina exibe, desde ontem, “Guerra” e “Paz” os murais mais famosos do pintor, cuja instalação permanente é a sede das Nações Unidas, em Nova York. Eles foram restaurados no ano passado, no Museu Gustavo Capanema, no Rio, em trabalhos abertos ao público. Outros eventos ocorrerão em diversas cidades do país.
Há uma bibliografia razoável sobre o pintor. Entre os livros não-esgotados, uma excelente opção é o breve — porém denso — perfil produzido pela jornalista Marília Balbi. Intitula-se “Portinari, o pintor do Brasil” e foi publicado em 2003 pela Editora Boitempo, uma parceira de “Outras Palavras”. Integra a coleção “Pauliceia”, dirigida por Emir Sader. O trecho — curioso e revelador — que publicamos a seguir é seu capítulo inicial.
Portinari, o pintor do Brasil
Por Marília Balbi
Aquela data era aguardada havia muitos anos por todo o mundo. Finalmente, no dia 6 de setembro de 1957, os gigantes painéis Guerra e Paz foram apresentados nas paredes do Hall dos Delegados da sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. A presença daquela obra monumental ali – na casa que deve zelar pelo bem-estar de todos os homens da Terra – era obviamente carregada de sentido. As expressões de dor e esperança pintadas nos dois painéis de 140 metros quadrados simbolizam, de um lado, o flagelo das guerras irracionais e, de outro, o regozijo da harmonia entre as nações. Dois lembretes para a eternidade.
Curiosamente, a cerimônia de inauguração do monumento à humanidade foi discreta, e poucos foram os convidados. Em especial, um esteve ausente: o autor dos dois painéis, Cândido Portinari.
Os tempos eram outros. Os Estados Unidos viviam o auge do macartismo, a doutrina de proteção americana contra ações supostamente subversivas, cujo expoente anti-comunista foi o senador Joseph McCarthy. Portinari, por sua vez, era um declarado comunista e fora candidato à Câmara Federal, em 1945, e ao Senado, em 1947, pelo “partidão”. Duas posturas inconciliáveis nos idos da Guerra Fria. Por isso, desde os anos 1940, Portinari vinha tendo sua entrada nos EUA negada.
Mas como manter aquela proibição no momento em que o artista brasileiro, reconhecido em todo o mundo, tinha sua gigantesca obra em defesa da paz afixada em caráter permanente na “casa de todas as nações”?
O mal-estar crescia. Esperava-se uma posição conciliatória do governo americano. Após a intervenção da diplomacia brasileira, encontrou-se uma solução: bastava que Portinari solicitasse o visto americano no Brasil e este lhe seria concedido. Isso não ocorreria. Homem de personalidade forte, Portinari queria um convite oficial de Washington para pisar em solo americano. Assim era o homem.
O episódio envolvendo Guerra e Paz foi apenas mais um constrangimento a que Cândido Portinari foi submetido durante a vida. Como diversos artistas, ele foi perseguido, cerceado, estigmatizado pelas posições de esquerda. A polícia política brasileira, por exemplo, acompanhou seus passos durante décadas. O Departamento Estadual de Ordem Política e Social – o famigerado Deops – acumulou notícias a seu respeito até mesmo depois de sua morte, em 1962.
Ele explicava a quem perguntasse por que se aproximara da política. A Vinícius de Moraes, confidenciou, em texto publicado postumamente, em março de 1962: “Não pretendo entender de política. Minhas convicções, que são fundas, cheguei a elas por força da minha infância pobre, de minha vida de trabalho e luta, e porque sou um artista. Tenho pena dos que sofrem, e gostaria de ajudar a remediar a injustiça social existente. Qualquer artista consciente sente o mesmo”.
Portinari pintou o povo sofrido, a miséria, o homem de enxada na mão, pés na terra – o trabalhador brasileiro. Pela primeira vez, um artista expressou a tragédia do Nordeste do Brasil assolado pela seca. Ou como sintetiza de maneira brilhante seu único filho, João Cândido, Portinari “fez do pincel sua arma para denunciar as injustiças e os valores sociais e humanos”.
O artista começou retratando sua aldeia. Depois, partiu para o universal. Das crianças brincando na terra roxa em sua natal Brodósqui às crianças dos painéis da ONU. Temas universais também estão presentes na mulher com o filho morto nos braços – a Pietà nordestina – e nos horrores da guerra. Visionário e esperançoso, pintou um judeu e um árabe de braços dados.
As imagens que ele criou são facilmente reconhecidas por todos. Muitas delas nem sequer saem de nossa memória. Assim que tentamos conceber a cena de um trabalhador, imediatamente nos vêm à mente seu estivador, seu lavrador de café, seu sorveteiro, seu operário, seu lenhador ou ainda o sapateiro de Brodósqui. O mesmo ocorre com os pobres e miseráveis: de pronto, suas favelas, seus morros e as figuras esquálidas da série Retirantes nos preenchem a visão.
Reconhecemos nessas obras nossa gente, nossas dores e nossa esperança – além das marcas inconfundíveis de um grande artista.
Monteiro Lobato, um moderno anti-modernista?
Autor com reconhecidas características de vanguarda, foi como anti-modernista que Monteiro Lobato terminou rotulado. Apesar do regionalismo e da denúncia da realidade brasileira de sua obra, ele não se filiou à proposta estética da Semana de Arte Moderna de 22 - que faz agora 90 anos. Lobato via com desconfiança a influência das vanguardas europeias. Era um nacionalista convicto, mas nunca foi um adversário do movimento. A construção da imagem de “passadista” é uma história cheia de equívocos.
De acordo com o historiador Vladimir Sacchetta - co-autor da biografia do escritor Furacão na Botocúndia -, o embate entre Lobato e os modernistas faz parte de uma “cultura da polêmica”, que reinava então. E teve como estopim uma crítica do autor à exposição de Anita Malfatti, recém-inaugurada em dezembro de 1917.
O texto foi publicado no jornal O Estado de S.Paulo e, apesar de elogiar o “talento vigoroso, fora do comum” da artista, afirma que ela foi “seduzida pelas teorias do que ela chama arte moderna”, colocando o seu dom “a serviço duma nova espécie de caricatura”.
Lobato escreveu que existem duas espécies de artistas: "os que veem normalmente as coisas e, em consequência disso, fazem arte pura" e os que "veem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes".
Pronto. As palavras desencadearam o incidente que deu origem à crença que circula até hoje de que Lobato teria sido um opositor da Semana de Arte Moderna e do movimento como um todo.
Para Sacchetta, contudo, o enfoque dado à crítica prejudicou o autor. Na verdade, ele questionava não a inovação contida em Anita, mas o estrangeirismo. “Foi feito um recorte para desqualificá-lo, colocá-lo como um sujeito conservador, retrógrado e careta. Mas, ao fazer a leitura integral do texto, você vai ver que Lobato, na verdade, chama atenção para a reprodução acrítica dos valores estéticos das vanguardas européias”, afirma.
Segundo Lobato, o intelectual brasileiro daquele tempo ficava no litoral, a olhar para a Europa, tendo como bússola Paris. “Ele achava que este grupo (que viria a promover a semana de Arte Moderna de 22) deveria ter uma atitude crítica. Dentro do próprio movimento, (o escritor) Oswald de Andrade vai neste caminho, quando fala na deglutição desses valores estéticos”, completa o historiador, referindo-se ao Manifesto Antropofágico, para mostrar que não havia contradição entre os artistas.
Com esta mentalidade, ele teria sido convidado para participar dos eventos de 1922, mas afirmara que não integraria uma Semana de Arte Moderna naqueles termos. “Participaria sim de uma semana de arte brasileira. Era um intelectual, um cidadão-escritor, com uma alma nacionalista muito forte”, descreve Sacchetta.
O fato é que, na Semana de Arte Moderna de 1922, a questão nacional, que caracteriza o modernismo brasileiro, ainda não era uma bandeira, diz o historiador. Ali, pregava-se principalmente uma ruptura com a arte acadêmica e conservadora, uma inserção do Brasil na ordem moderna, com a absorção de recursos expressivos modernos.
“Existia esse país pensando em francês. E quando Monteiro Lobato passeia pelo Jardim da Luz e vê esculturas de anõezinhos germânicos com chapéus de lã e botas de couro, ele questiona onde estão os mitos brasileiros para enfrentar os mitos importados”, explica o pesquisador.
Para Lobato, esta europeização impediria a criação de um ideal estético nacional.
Sacchetta, afirma que quem melhor pode desfazer os mal-entendidos em relação à postura do criador do Sírio do Pica-Pau Amarelo diante da Semana de 22 é ele mesmo. Em 1926, Lobato escreveu um texto chamado Nosso Dualismo, no qual deixa clara a importância do movimento modernista.
“Esta brincadeira de crianças inteligentes, que outra coisa não é tal movimento, vai desempenhar uma função séria em nossas letras. Vai forçar-nos a uma atenta revisão de valores e apressar o abandono de duas coisas a que andamos aferrados: o espírito da literatura francesa e a língua portuguesa de Portugal. Valerá por um 89 duplo — ou por um 7 de setembro”, diz Lobato.
O autor sempre esteve próximo a Oswald de Andrade, uma das mentes do modernismo brasileiro. Neste mesmo texto, ele afirma que “o futurismo apareceu em São Paulo como fruto da displicência de um rapaz rico e arejado de cérebro: Oswald de Andade”, que, como “turista integral, sentiu melhor que ninguém a nossa cristalização mental e empreendeu combatê-la”.
“Fica claro que não houve rompimento radical entre Lobato e os modernistas. Essa história é bobagem. O que ocorria é que, ao contrário dos modernistas - que discutiam questões formais -, Lobato queria modernizar o país no plano da economia e da saúde, por exemplo. Queria modernizar um país arcaico”, afirma Vladimir Sacchetta.
Ele lembra que o próprio Oswald de Andrade eliminou qualquer embaraço que ainda existisse entre Lobato e os modernistas, no aniversário de 25 anos de “Urupês”, de Lobato. “Você foi culpado de não ter a sua merecida parte de leão nas transformações tumultuosas, mas definitivas, que vieram se desdobrando desde a Semana de Arte de 22. Você foi o 'Gandhi do Modernismo', jejuou e produziu, quem sabe, nesse e noutros setores, a mais eficaz resistência passiva de que se pode orgulhar uma vocação patriótica (...) Sua luta significava a repulsa ao estrangeirismo afobado de Graça Aranha, às decadências lustrais da Europa pobre, ao esnobismo social que abria os seus salões à Semana", disse Oswald.
Também Mário de Andrade, ao rever anos mais tarde o movimento que integrou, cita Lobato como um dos seus, reconhecendo a importância do escritor em toda aquela novidade. “O modernismo no Brasil foi uma ruptura, foi um abandono consciente de princípios e de técnicas, foi uma revolta contra a intelligensia nacional. (...) Quanto a dizer que éramos antinacionalistas, é apenas bobagem ridícula. É esquecer todo o movimento regionalista aberto anteriormente pela Revista do Brasil, todo o movimento editorial de Monteiro Lobato”, diz.
“De fato, Lobato era um grande editor naquela época e está, no ano da Semana de Arte Moderna, editando vários modernistas. Então não se tratava de um opositor do movimento, mas de um interlocutor, alguém que discutia a forma com que o modernismo estava se estabelecendo no país”, diz Sacchetta.
O historiador avalia que toda essa confusão com os modernistas terminou fazendo de Lobato um injustiçado da literatura brasileira. “É um intelectual brasileiro cercado de preconceitos”
Para ele, há no país uma ideia comum de que a Semana de Arte Moderna seria o marco zero da cultura brasileira do século 20. “Questiono esta visão, que coloca tudo que veio antes como pré-modernismo e é, na verdade, uma auto-referência desse grupo. É colocar na lata de lixo da literatura brasileira tudo que veio antes”, critica, destacando que coube a Lobato – como a muitos outros – essa pecha de “pré”.
Da Redação,
Joana Rozowykwiat
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