O dramaturgo, diretor teatral e ensaísta Augusto Pinto Boal nasceu em 16 de março de 1931 no Rio de Janeiro. Um dos nomes mais importantes do teatro brasileiro, caso estivesse vivo, ele teria completado 81 anos nesta sexta-feira (16). Boal foi um dos principais líderes do Teatro de Arena de São Paulo nos anos 60 e foi o criador do teatro do oprimido, metodologia que reúne teatro a ação social.
Durante sua vida, escolheu fazer um teatro que não só expressasse as desigualdades sociais, mas ajudasse a modificar a estrutura social em favor dos menos favorecidos. Suas lições sobre o teatro são estudadas nas principais escolas do mundo.
Formado em química na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1950, ele viajou para Nova York para estudar teatro na Universidade de Columbia. Ao retornar ao Brasil, passou a integrar o Teatro de Arena de São Paulo, dividindo a direção com José Renato.
Na companhia, ele adaptou o método de Stanislavski à realidade brasileira e ao teatro de arena, além de influenciar o grupo na defesa de uma ideologia de esquerda. Sua estreia na direção no Teatro de Arena com "Ratos e Homens", de John Steinbeck, lhe rendeu o prêmio de diretor revelação pela Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA), em 1956.
Na sua parceria com o Oficina, resultou a adaptação de "A Engrenagem", de Jean-Paul Sartre, concluída por ele e José Celso Martinez, em 1960. Boal se tornou neste mesmo ano um dos grandes dramaturgos brasileiros com "Revolução na América do Sul", com direção de José Renato. Em 1962, ele virou o principal nome do Arena, encenando "A Mandrágora," de Maquiavel, e "O Noviço", de Martins Pena.Outro marco em sua carreira foi "Um Bonde Chamado Desejo", de Tennessee Williams, nova colaboração com o Oficina.
Durante a ditadura, Boal dirigiu o show Opinião, com Zé Kéti, João do Vale e Nara Leão (depois substituída por Maria Bethânia), no Rio de Janeiro. O evento passou a influenciar a cena artística brasileira do período e lançou a semente para o nascimento do Grupo Opinião.
No mesmo período, Boal chegou a ser preso e torturado. Ele, então, foi para o exílio, e retornou para o país em 1984. No ano seguinte, dirigiu o musical "O Corsário do Rei", com músicas de Edu Lobo e letras de Chico Buarque.
Em seu trabalho como teórico teatral, Boal escreveu títulos como "O Teatro do Oprimido e Outras Políticas Poéticas", "Exercícios para Ator e o Não-Ator com Vontade de Dizer Algo através do Teatro" e "Jogos para Atores e Não Atores".
Sua atuação na cena teatral fez com que a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) o nomeasse Embaixador Mundial do Teatro pela Unesco em março de 2009, pouco antes de falecer.
Para homenagear o dramaturgo, até o próximo dia 23 de março serão realizados diversos eventos para resgatar a trajetória do artista. No último dia, será concedido a ele o título de doutor honoris causa (post mortem) pela Faculdade de Educação (FE) da UFRJ. Mais detalhes sobre os eventos pode sem adquiridasaqui.
Como forma de marcar o aniversário de Boal, o Vermelho reproduz a última grande entrevista de Boal, concedida a Ana Paula Sousa creca de um mês antes de sua morte e publicada na Carta Capital. Apesar de alguns temas abordados terem envelhecido com o passar do tempo, outras questões se mostram extremamente atuais. Leia abaixo:
Ativista Teatral
Por Ana Paula Sousa
Foi no Thèatre de Ville, em Paris, que Augusto Boal celebrou, na sexta-feira 27 de março, o Dia Mundial do Teatro. Homenageado pela Unesco, o diretor, dramaturgo e ensaísta brasileiro via o trabalho que realiza desde os anos 1960 ser mundialmente aplaudido.
O Teatro do Oprimido, o método que Boal desenvolve desde os anos 1960, é tão conhecido quanto impalpável. Muita gente já ouviu falar dele. Mas o que é, de fato, esse teatro que se propõe a ser, a um só tempo, arte, ação social e movimento político?
Boal, ex-integrante do Teatro de Arena e escritor incansável, diz, na entrevista a seguir, que se trata de uma ação capaz de transformar a sociedade e de fazer à estética dominante.
Carta Capital: Em poucas palavras, como o senhor definiria o Teatro do Oprimido?
Augusto Boal: Defendemos que todos nós podemos fazer teatro, que todos podemos ser personagens, de fato, de nossas próprias vidas.
Por que temos de seguir a estética determinada pela classe dominante? O Teatro do Oprimido traz consigo a estética do oprimido. Ou seja, queremos que as pessoas retomem suas próprias palavras, imagens e sons.
Carta Capital: Na prática, isso significa o quê?
Augusto Boal: Significa compreender que, hoje, todas as formas de expressão e comunicação estão nas mãos dos opressores.
O que a televisão oferece é um crime estético. E ainda acham estranho que alguém saia matando 15 pessoas de uma só vez. O cérebro das pessoas está impregnado dessas imagens.
As rádios também repetem o mesmo som o tempo todo. Sem falar no tecno, que desregula até marca-passo, e é pior que ouvir gente quebrando tijolo em construção. O que a gente quer, no Teatro do Oprimido, é lutar nesses três campos : palavra, imagem e som.
Carta Capital: Nos dê um exemplo desse trabalho. Como ele é feito, que resultados proporciona?
Augusto Boal: O Teatro do Oprimido é seguido, por exemplo, pelo MST. Há uns 10 anos, eles fundaram um grupo e quase 30 camponeses vieram conhecer o nosso trabalho. Passamos pra eles tudo que podíamos.
Eles não vieram para consumir uma técnica, mas para receber instrumentos que pudessem usar em suas terras. Essa é também a ideia do Teatro do Oprimido ponto-a-ponto, que difunde o trabalho pelo Brasil. Temos multiplicadores do que fazemos aqui no Rio de Janeiro. Estamos em 16 Estados.
Carta Capital: O que significa, para uma organização como o MST, ter grupos de teatro?
Augusto Boal: Significa ter o direito de tratar de certos assuntos a partir da visão deles, expor uma visão dos acontecimentos que não é aquela dos jornais, que coloca o MST como um bando de brutamontes. O teatro permite que o pensamento que está por trás do movimento seja exposto, retrabalhado.
Carta Capital: Em linhas gerais, qual a sua avaliação do teatro brasileiro hoje?
Augusto Boal: Existe um mundo de teatros no Brasil. Nunca vi um espetáculo no Amazonas ou no Pará, então não posso avaliar. O que posso dizer é que a Lei Rouanet assassinou a criatividade do teatro. Ao transferir do governo, que representa o povo, para as empresas a decisão de onde investir, a Lei substitui o pensamento criativo pelo publicitário. Essa lei tem que acabar.
Carta Capital: Muitos produtores dizem exatamente o oposto: se acabar a lei, acaba o teatro.
Augusto Boal: Não é a verdade. Há muitos grupos produzindo por aí. Esse dinheiro da lei deveria ser transferido para um fundo.
A verba do fundo seria distribuída de acordo com a avaliação de comissões constituídas pela sociedade. A Lei não incentiva companhias como a minha, ou as de Zé Celso (Martinez Corrêa), Antunes Filho, Aderbal (Freire Filho) ou grupos como o Tapa.
Ela só funciona para projetos isolados, individualistas. Se eu depender do apoio de uma empresa de macarrão, como vou produzir uma peça como Ralé, de Gorki, que fala sobre a fome?
Carta Capital: Qual a sua avaliação do Ministério da Cultura?
Augusto Boal: Desde que o Gilberto Gil assumiu, temos, pela primeira vez, um Ministério da Cultura. Antes, até houve pessoas interessantes na pasta, mas nunca um Ministério de fato.
Também acho que, pela primeira vez, deixou-se de pensar em cultura apenas como erudição, no sentido dos grandes clássicos literários, dos grandes pintores. O governo indicou que o Brasil deveria se apropriar do que já existia, daquilo que o povo faz.
A cultura não é apenas o que o povo consome, é também o que o povo produz. Os pontos de cultura são isso, eles apoiam o que já existia.
Carta Capital: O Teatro do Oprimido também foi beneficiado, não?
Augusto Boal: Sim, e o Gil disse até que servimos de inspiração para os pontos de cultura. Mas também trabalhamos com outros Ministérios, como Educação e Saúde. Fizemos um trabalho em escolas de cinco cidades, nas proximidades do Rio, e vimos o poder de transformação que o teatro exerceu sobre os alunos.
Carta Capital: Nos dê um exemplo dessa transformação proporcionada pelo teatro.
Augusto Boal: No caso dos hospitais psiquiátricos, há uma diminuição absurda no consumo de medicamentos. Trabalhamos com a saúde e não com a doença mental.
Procuramos ativar a parte saudável do cérebro doente, estimulá-lo no que tem de vivo e criativo. Com isso, o teatro é capaz de devolver ao convívio social alguém que tinha se isolado. Nas comunidades carentes acontece o mesmo.
Os programas populares da televisão são um massacre, impedem que as pessoas percebam o que está dentro delas. Elas apenas consomem o que lhes é imposto. O Teatro do Oprimido procura ajudá-las a encontrar seus próprios meios de expressão.
Carta Capital: Que episódios, nessas andanças, mostraram ao senhor o sentido do seu trabalho?
Augusto Boal: Vários. Me lembro de um presídio, no interior de São Paulo, que funcionava como um leprosário. A população da cidade queria o isolamento total daqueles presos.
Resolvemos fazer uma peça de teatro, com os presos, no meio de uma praça pública, e um morador era chamado para entrar em cena. Isso amenizou aquela relação conflituosa e violenta.
Também de lembro de um preso, que era engraçado, e, numa cena, fez uma menina de 10 anos rir. A menina foi elogiá-lo. Ele se vira pra mim e diz: “É a primeira vez na minha vida que alguém me diz que eu sirvo para a alguma coisa”.
Carta Capital: O senhor receberá, na França, uma homenagem da Unesco. Aqui no Brasil o senhor se considera reconhecido?
Augusto Boal: Sou reconhecido no meu trabalho, mas pela mídia, não. A imprensa só se interessaria pelo nosso grupo se formássemos três bailarinos que fossem dançar no Bolshoi.
A mídia gosta de campeões. Campeão de Fórmula 1, filme campeão de bilheteria, qualquer coisa que chegue na frente, que represente a vitória. Mas o ser humano não é cavalo de corrida.
Carta Capital: Nos anos 1950, o senhor fez parte do Teatro de Arena, que teve grande projeção e, ao seguir o caminho do Teatro do Oprimido, mudou o rumo da sua carreira. Foi consciente essa escolha?
Augusto Boal: Totalmente. A escolha individualista nunca esteve no meu horizonte. Quando era pequeno e trabalhava na padaria do meu pai, eu via aqueles operários que passavam o dia com um pão com manteiga e uma média e pensava: “Isso não pode continuar assim”. Eu acredito na solidariedade.
Estou com 78 anos. Isso é muito tempo. Foi outro dia que nasci e não deu tempo de fazer nem metade do que eu queria. Mas, mesmo com todas as dificuldades, o Teatro do Oprimido me realizou.
Cidadão não é aquele que vive em sociedade, cidadão é aquele que transforma. E acredito que o Teatro do Oprimido tenha deixado alguma coisa para o mundo.
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