Basta ler o que decora as primeiras frases sobre o debate entre “partes” interessadas, em especial, a do mercado, para topar com um tipo comum de patuá violento e de objetivos perceptíveis. Assim tem sido a nossa história. A política, quando lírica e idealista, fala em cultura pela ideia da transformação social entendida sempre de forma simplista.
Por Carlos Henrique Machado Freitas*
Mas a consciência do fato da tal cultura transformadora acaba sendo o mesmo processo histórico que caminha pela subjetividade ou se prende dialeticamente à ideia de redenção escondida em sua tradicional linha do tempo.
Pouca relevância e nenhum projeto de transformação infraestrutural em andamento. Este é o problema, e parece que nenhum partido quer por a mão ou passar os olhos nessa leitura, digo, leitura rigorosa do mundo brasileiro. Alguns até estimulados pelas bases populares tentam uma escrita própria, mas acabam renunciando e naturalmente rejeitando a inocência da cultura popular. Então, não conseguem distinguir Estado e sociedade nas relações burocratizantes. E quando isso é posto em prática, o resultado é um rigoroso gesso, fruto da adesão de um Estado cada vez mais conduzido por um tipo de gestão ditada pelas normas dos grandes grupos econômicos.
Mas não é só isso. Há uma comissão virtual, melhor dizendo, existem várias comissões que coordenam círculos, guetos de debates e, por mais que a intenção não seja esta, a história real vai sendo medida e utilizada dentro dos antigos moldes dos feudos. A operação realmente libertadora desaparece e vamos criando centelhas de uma aristocracia de poder implícita que pratica as mesmas mazelas e inviabilidades do Estado-corporação. Até os cacoetes chegam a ser idênticos.
Enquanto isso o mundo se torna cada vez mais globalizado e o reconhecimento dessa estrutura fica ainda mais difícil para a sociedade. Não há visualização de um projeto nacional, pois o debate é dia após dia mais obscuro.
Talvez por isso os projetos das grandes empresas impostos pela tirania das finanças trombeteadas pela mídia, como disse Milton Santos, acabam de um jeito ou de outro, guiando a “evolução” dos países, já que a subserviência é que tem desenhado a geopolítica do universo cultural brasileiro que conta, entre outras características, com interesses de classes artísticas, partidos políticos, editoras, gravadoras e corporações que utilizam a Lei Rouanet. Ou seja, todas as determinações do processo atual de globalização estão inseridas nesse cozidão de interesses.
Mas e a sociedade, quais as razões ou que plataformas são conduzidas com objetivos sociais claros ou mesmo objetivos de políticas públicas? Não existem. Realizamos a cultura de um modo pela força de nossa realidade, independente ou acima dos partidos ou organizações. Mas parece que aqui no Brasil os instrumentos da cultura de massa são reutilizados em seu conteúdo para possibilitar associações. A partir de então é formado um fundo genuíno de interesses comuns entre o comando e nenhum para a sociedade.
O debate torna-se superficial. A cultura nacional nesse ambiente torna-se compartimentada. Tudo tem que ser funcional para dar garantias de comando aos pequenos grupos que julgam poder definir os destinos do Brasil. Eles não percebem que andam falando sozinhos. E, longe do povo, acabam discutindo o intercâmbio de uma trama cada vez mais densa e criam uma nova dimensão institucional que contempla tão somente os interesses comuns dessa teia.
O que é apresentado como debate são definições de pobreza intelectual. O comportamento no território da cultura tem blindado a sociedade, em medida geral, com o palavrório do mesmo círculo vicioso e, portanto, sua importância política desaparece já que a estabilidade depende apenas da convivência entre os comandos.
O Brasil carece de um debate franco, sem cacoetes, pois até a inspiração econômica da cultura está a serviço de um sistema ideológico plantado pelas grandes corporações. Daí sobra-nos um debate meia-boca, residual em que as bases sociais são esmagadas por certas condições técnicas mundializadas por grandes grupos econômicos, e a troca de informações entre a própria sociedade passa a depender ainda mais e com mais intensidade do próprio cidadão. Isso é perversidade com o Brasil. E o principal responsável por tal imposição que na verdade é comandada por instituições supra-nacionais em nome da ordem global, é o próprio Estado.
Como isso está implantado no atual período do Ministério da Cultura, o princípio dessa hierarquia já vem com o selo da “inteligência” do Estado brasileiro, o que representa não simplesmente a derrota da cultura brasileira, mas a derrota do Brasil para ele mesmo.
*Carlos Henrique Machado Freitas é músico e compositor.
Fonte: Blog Trezentos
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