Para ampliar as políticas públicas da área de cultura nas escolas brasileiras foi assinado, no dia 08 de dezembro de 2011, pelos ministros Ana de Hollanda e Fernando Haddad, o Acordo de Cooperação Técnica Interministerial. O documento prevê a implementação de ações dos Programas Mais Cultura e Livro Aberto nas escolas públicas e contará com um orçamento de aproximadamente R$ 80 milhões.
Por Talita Moretto*
Projetos como os Pontos de Cultura, Pontos de Memória (Museus), Bibliotecas, Agentes de Leitura, Cine Mais Cultura e espaços culturais vão compor o leque de ações previstas dentro do acordo a serem implementados a partir deste ano. Diante disso, fiz uma entrevista Hamilton Werneck, que possui vasta experiência de magistério nas classes rurais, em escolas municipais e estaduais, e ensino superior. Ela foi publicada hoje na página JM na Educação (Jornal da Manhã).
Confiram a entrevista:
Talita Moretto: Podemos acreditar que esta é uma movimentação sincera para que a educação seja levada com mais seriedade no país?
Hamilton Werneck: Não me deixo contaminar por ideias que venham tentar provar a falta de sinceridade neste acordo. O tamanho do Brasil é muito grande e, me parece, uma verba de oitenta milhões para esse fim ainda é muito restrita. Louva-se uma ação interministerial buscando ‘Mais Educação’ porque as finalidades dos ministérios implicados têm as suas semelhanças. O país carece ainda de bibliotecas públicas. Cada escola tem seu acervo, no entanto, visitando muitas escolas pelo interior do Brasil, constatamos que muitos livros estão velhos, faltando partes importantes e que acabam desestimulando a leitura entre os alunos. A leitura é a base da boa escrita. Criança que não lê, mal escreve, não expande o vocabulário e, tomando-se como base a afirmativa da professora Marisa Lajolo da Universidade de Campinas e ex-secretária de educação de Atibaia/SP, "o léxico não se desenvolve somente porque as crianças estão por muitas horas na internet”. Portanto, a leitura é a base que falta. Sendo escolhidos livros que encantem as crianças, a leitura será procurada. Há casos especiais de pré-adolescentes que são capazes de ler clássicos da nossa e de outras literaturas, mas trata-se de uma raridade. Murilo Bazzo Carvalho, de Araguaína/TO, é um assíduo leitor. Talvez esta seja uma das causas dele ter escrito seu primeiro romance, A Janela, ainda com 12 anos, mesma idade em que José Saramago escreveu seu primeiro livro. Tão interessante o romance que a Secretaria de Estado de Educação do TO selecionou-o para ser adquirido para as escolas estaduais.
Talita Moretto: Este acordo pretende incentivar a cultura e a leitura nas escolas públicas. Você acredita que esta ação sairá efetivamente do papel, atendendo de forma adequada as escolas que precisam desses projetos?
HW: Claro que atende. As escolas estão sedentas desses materiais. Há escola que, independente de acordos interministeriais, estão incentivando a leitura entre professores e alunos, possuem biblioteca atualizada e conseguem os livros através de doações dos próprios autores, um exemplo disso é a Escola Municipal Itaú de Minas, (localizada no município do mesmo nome). Provavelmente, a leitura tenha um papel relevante nos resultados do ENEM desta escola que atinge 6,2. Não tenho dúvidas que os livros levados às escolas serão usados com maior facilidade que os computadores porque a preparação dos professores está mais adequada ao uso de livros, no entanto, há que se avaliar a necessidade da direção da escola preocupar-se com o uso desses materiais. As ações governamentais e os programas federais são bons, mas dependem da ‘ponta do sistema’ onde está a escola, o professor e o aluno.
Talita Moretto: De acordo com sua experiência em escolas públicas, esses projetos irão beneficiar o público mais afastado dos grandes centros culturais, e também dos centros urbanos (escolas rurais), contribuindo para ampliar o conhecimento de mundo desses jovens?
HW: Seria ótimo que as escolas rurais pudessem receber tantos livros quanto as unidades escolares urbanas. O perigo é atender, prioritariamente, as escolas urbanas em detrimento das rurais. É importante que o gestor público entenda que, hoje, a região rural não é mais considerada uma área de atraso. Tudo mudou: o agronegócio é rico e dinâmico; a empresa rural é administrada de outra forma; as máquinas agrícolas exigem de seus operadores uma formação diversificada e com aprimoramento em uso de informática. A maioria dessas máquinas é dotada de GPS. Portanto, estamos diante de uma região do país onde os recursos e ferramentas exigem um profissional mais capacitado e que se beneficiará muito com a leitura. A ideia é excelente e, sua implantação não pode deixar de incluir as áreas rurais, onde as escolas têm responsabilidades semelhantes às urbanas, em se tratando de preparação do capital humano.
Talita Moretto: Quais outras ações o governo poderia implementar para melhorar a educação dos jovens, e como você resume o quadro educacional brasileiro em 2012?
HW: As ações do governo estão bem traçadas no Plano Nacional de Educação (PNE) entre 2010 e 2020. A preocupação com uma educação de qualidade, que é preceito constitucional, a obrigatoriedade do ensino médio a partir de 2016, a implantação gradativa do tempo integral. Há boas ideias e há entraves. Por exemplo: o PNE ainda não foi votado pelo Congresso Nacional e ainda deve ir, depois, à sansão presidencial.Um aspecto positivo é que as cinco metas do programa Todos pela Educação estão contemplados no PNE, porém estamos com mais de um ano de atrás, e há problemas além do atraso. As crianças brasileiras só conseguem ser alfabetizadas, no primeiro ano num percentual de 50%. Nada mudou, portanto, desde os anos cinquenta, quando a reprovação entre a primeira e segunda série era de 50%. Portanto, podemos afirmar que a bisneta tem a cara da bisavó dela! Este atraso, hoje, é gerador de outros atrasos porque os estados e municípios terão dois anos para fazer as suas respectivas adaptações. Se o PNE não for votado em 2012 por conta de ser um ano eleitoral e este calendário de votação passar para 2013, somente teremos condição de implantação do PNE, em sentido pleno, a partir de 2015, o que significa que perderíamos a metade do tempo só com debates e articulações político-pedagógicas. Creio que o governo federal não precisa ter maiores preocupações quanto às verbas para a educação. Os 8% defendidos nas emendas são suficientes, sobretudo se considerarmos o aumento gradativo do PIB brasileiro. Ajudará à educação dos jovens brasileiros o resgate do papel do educador como pessoa imprescindível na estrutura promotora do desenvolvimento do país. Isso envolve condições de trabalho, formação continuada e salário digno.
*Talita Moretto é jornalista especialista em Tecnologias na Aprendizagem, coordenadora de Programa Jornal e Educação, atuando na interface mídia e educação desde 2008.
Fonte: Adital
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