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Nós do grupo de cultura popular Bagaço iniciamos em 2012 um círculo artístico (visual e poético) sobre o Cangaço. Ao sabermos que a Fundação Cultural Cabras de Lampião, de Serra Talhada, encenaria este ano a peça teatral O Massacre de Angico – A morte de Lampião rapidamente nos organizamos para viajar ao sertão. O lançamento do teatro se daria em meio ao "Tributo a Virgolino" e ao "IX Festival Nordestino de Xaxado", tradicionalmente organizados em torno do dia 28 de julho, data do assassinato de Lampião, Maria Bonita e outros 9 cangaceiros de seu bando na grota do Angico em Sergipe em 1938.
A programação estava imperdível, mas para nós do Bagaço havia algumas dificuldades: custo da viagem (411 km desde o Recife), hospedagem e alimentação. Mas precisávamos ir, decidimos enfrentar o trecho com a cara e a coragem. Viajamos em quatro, num carro emprestado, apenas com o dinheiro do combustível. Na matula: farofa de charque, mariola, barracas e tinta. De concreto, havíamos feito o contato com os organizadores solicitando um espaço para montarmos nosso acampamento. Nossos objetivos: pesquisar mais à fundo a estética do cangaço, pintar um mural bagaceiro e realizar entrevistas para A Nova Democracia.
A viagem do Recife a Serra Talhada, terra natal de Lampião, apesar de relativamente curta é extremamente rica. Partimos do litoral abafado, em pleno inverno-chuvoso; atravessamos a zona-da-mata, há muito tempo melhor denominada zona-canavieira; subimos a Serra das Russas, divisor geográfico que marca o início do agreste: seco, mas verde; para finalmente alcançarmos o misterioso sertão, seco e amarelo, causticado por uma das secas mais prolongadas dos últimos anos em Pernambuco.
Chegamos em Serra Talhada na hora do almoço. Ligamos para nosso contato do grupo procurando informações sobre o local onde acamparíamos, que pediu para estacionarmos em um ponto de referência para vir nos buscar. Nenhum dos nossos conhecia a cidade, andamos ao léu e estacionamos próximo a um colégio e telefonamos. Foi aí que começaram os milagres... Havíamos parado exatamente em frente à escola que servia de ponto de apoio à equipe do teatro e demais grupos de xaxado.
Fomos recepcionados por Cleonice Maria, presidente da Fundação, que bastante despachada nos intimou a almoçar, reclamando estar com muita fome. Entramos no refeitório, típico bandejão de faculdade, e fomos apresentados como "o pessoal do jornal A Nova Democracia, aqueles que fizeram a entrevista com Karl Marx." Marx é o jovem ator e dançarino, figura central dos Cabras de Lampião (ver AND nº 48). Sem entender muito bem o que estava acontecendo, mas satisfeitos com o rancho, sentamos para almoçar.
Para nossa surpresa estávamos juntos com Anildomá Willans, fundador do grupo; Fernando Pimentel, renomado diretor teatral, autor de peças como Paixão de Cristo, o Calvário de Frei Caneca e a Revolução de 1817; Karl Marx e Sandino Lamarca, membros do grupo; e com os atores Feliciano Félix e Taveira Júnior. Almoçamos com eles, ouvimos suas conversas e gracejos, mas atônitos com a situação inusitada fomos incapazes de realizar o que seria uma entrevista histórica para a seção cultural de A Nova Democracia. No meio do papo, chega a notícia que a janta seria em outro lugar. Bem humorado, Anildomá emenda: "Vamos ter que mudar de coito porque os macacos estão por perto". Não restava dúvida, havíamos encontrado um bando de cangaceiros.
CENÁRIO DE UM COMBATE![]()
Após o jantar, Jessé nos apresenta os pontos noturnos mais movimentados da cidade, excetuando as igrejas, claro. Quando se inteira da nossa pintura oferece meia lata de 20 litros de látex e 1 galão de acrílica. Exatamente o que precisávamos, mais um destes milagres do sertão. Depois de buscar o material na casa de Jessé, nos dirigimos à antiga Vila Ferroviária onde fora montado o cenário para a apresentação do teatro ao ar livre sobre a morte de Lampião. Junto conosco: 5 mil espectadores.
E este era o quarto dia de espetáculo, mantendo a mesma média de público. A audiência atenta antecipava a grandiosidade do que estávamos prestes a assistir. A iluminação impecável destacando os diferentes cenários da peça carregava a assinatura de José Pimentel com sua grande experiência no teatro ao ar livre. O texto de Anildomá convida o público a percorrer a história de Virgolino: a briga com Zé Saturnino e a entrada para o Cangaço; misturando fatos históricos com cenas do imaginário popular: como a passagem de Lampião obrigando um de seus cabras a comer uma cuia de sal por ter reclamado da comida de uma coiteira, seguida da cena do encontro com Padre Cícero e o pedido deste para que Lampião combata a Coluna Prestes.
A maior parte da peça se passa na grota do Angico, na véspera do massacre, entrecortada por cenas da delação do bando e de Getúlio Vargas ordenando o fim do cangaço. O diálogo dos cangaceiros no Angico expressa a tensão do momento, a desconfiança da traição, a dúvida sobre o envenenamento da bebida. Nas falas de Lampião é feita uma reconstrução da história de seu bando. Maria Bonita aborda os novos desafios para o cangaço depois da construção das linhas telegráficas e das estradas, quando o sertão "ficou pequeno para nós". Também é colocado o drama pessoal dos cangaceiros e das cangaceiras e muito emocionante é a cena de Maria falando da vontade de reencontrar com sua filha Expedita, então com 7 anos.
XAXADO E TRIBUTO A LAMPIÃO
Em 1995, os Cabras de Lampião, sem anúncio prévio, invadiram a feira de Serra Talhada vestidos de cangaceiros. A população, atônita e emocionada, aplaudiu e assistiu a uma apresentação com a pretensão de resgatar a cultura cangaceira nas terras de Virgolino. 17 anos depois, pode-se afirmar sem medo de errar que o objetivo foi atingido. Sandino Lamarca nos disse que antes dos Cabras a maior parte da cidade acreditava que Lampião era um bandido. Hoje é muito diferente. Enquanto fazíamos o mural, muitas crianças pararam e disseram: "Mainha, Lampião!", enquanto só estava feito o esboço.
Há 9 anos os Cabras organizam o Tributo e o Encontro de Xaxado. O Tributo propriamente dito aconteceu no domingo pela manhã com bacamarteiros, banda de pífanos, violeiros e poetas. Momento de grande emoção foi a leitura do telegrama de Expedita, filha de Maria Bonita e Lampião, saudando aquele grande encontro de valorização do Cangaço. A história resiste e a seu modo segue adiante. A rebeldia cangaceira segue vibrando no peito do povo brasileiro. Voltamos para o litoral encantados com a receptividade e a cultura sertaneja.
UMA CONVERSA COM OS AUTORES
AND: O que representa o espetáculo teatral para o Tributo a Virgolino?
Anildomá Williams: Nós já fazíamos as homenagens a Lampião utilizando várias linguagens artísticas: na dança com o xaxado, nas músicas alusivas ao Cangaço. Mas estava faltando fazer na linguagem da dramaturgia um espetáculo desta envergadura. O espetáculo é um show, um grande evento, mas existem outros eventos de menos repercussão que tem uma grande influência nas pessoas e forma a militância da cultura. É uma coroação de todo um trabalho feito pela base, mas um ponto de partida para outra etapa: o espetáculo para as grandes massas. O espetáculo é um manifesto nosso.
AND: Anildomá, no seu texto você fez uma síntese histórica do cangaço e optou por abordar as contradições do próprio movimento.
AW: A nossa ideia era mostrar o cangaço vivido por gente, por pessoas, humanizar a imagem de Lampião. O cara com medo, apaixonado, com saudade da filha. Com as pessoas em seu entorno tentando fazer pressão para ele abandonar o Cangaço. São fatos históricos pouco abordados. Mostrar outra face de Lampião, sem perder de vista a questão da violência, das atrocidades, do que foi o cangaço, da mazela social que vivia o sertão do Nordeste brasileiro.
AND: O que o povo brasileiro tem a aprender com os cangaceiros?
AW: A resistência. A coragem de fazer o que nós não fazemos. A ousadia em se organizar, mesmo sem ter uma conotação ideológica, mas que estavam fazendo esse enfrentamento. Eles sabiam que tudo estava errado, se não sabiam como era o correto aí é outra história. O que nós temos a aprender com Lampião e os cangaceiros é a resistência, é a capacidade de se organizar, de agir e enfrentar quem oprime.
AND: O Massacre de Angico veio para ficar?
José Pimentel: Eu acho que foi um sucesso. Já vinha dizendo que a gente estava criando aqui em Serra Talhada um novo evento turístico, artístico e cultural. Se souberem cuidar bem desse produto, Serra Talhada vai ter mais um atrativo, as pessoas virão aqui todo ano para assistir este espetáculo. Tem tudo para ficar, como a Nova Jerusalém ficou.
AND: Quais foram os desafios na montagem do espetáculo?
JP: Em todos os outros espetáculos que eu fiz, eu escrevi o texto e como diretor eu já escrevi antevendo coisas. Agora foi diferente, me chamaram para dirigir um texto que não era meu. O número de romancistas, contistas e novelistas é muito maior que o de dramaturgos. É difícil escrever para teatro. O teatro é ação, num romance você gasta dez páginas descrevendo um pôr do sol. O texto enquanto texto é literatura, uso como roteiro. Dividi a peça em 16 cenas e pedi para Anildomá escrever mais algumas frases para poder trabalhar cada cena.
AND: Qual a principal diferença entre o teatro tradicional e o teatro ao ar livre?
JP: O teatro ao ar livre não é como o tradicional, no qual o espetáculo vai sendo criado na medida que você ensaia. Ao ar livre, primeiro ensaiamos a leitura e vamos para o estúdio gravar; depois tiramos ou aumentamos as pausas, colocamos eco, a música. Com o CD pronto fazemos as marcações nos possíveis cenários. Com os cenários e a trilha pronta, vamos para a reta final.
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quarta-feira, 5 de setembro de 2012
Um bando de cangaceiros
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