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domingo, 28 de outubro de 2012

Especialista em Nelson Rodrigues, Antunes Filho estreia sua oitava peça do autor



Dedicação. Energético aos 82 anos, com 64 dedicados ao teatro, Antunes Filho leva ao palco “Toda nudez será castigada” e faz sua profissão de fé no trabalho do ator, que, segundo ele, “tem a missão ética e social de melhorar a realidade” Foto: Marcos Alves
Dedicação. Energético aos 82 anos, com 64 dedicados ao teatro, Antunes Filho leva ao palco “Toda nudez será castigada” e faz sua profissão de fé no trabalho do ator, que, segundo ele, “tem a missão ética e social de melhorar a realidade”MARCOS ALVES


SÃO PAULO — Apesar de ser considerado um dos maiores especialistas do país na obra de Nelson Rodrigues, o diretor de teatro Antunes Filho não queria montar nada do jornalista e dramaturgo pernambucano no ano de seu centenário. Estava convencido de que a efeméride já tinha atraído todas as homenagens possíveis àquele que melhor traduziu, nos palcos e nos livros, a alma carioca. Achava que tudo já tinha sido dito e festejado. Mas quem disse que os fãs controlam até onde vai a paixão por seus ídolos? Convidado pela direção do Sesc a apresentar uma leitura de Nelson na abertura do Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos, no mês passado, Antunes escolheu encenar um trecho de “Toda nudez será castigada”. Tinha só um mês para preparar o trabalho, e “Toda nudez...”, considerada por ele “uma peça mais simples, mais próxima, com elenco menos numeroso”, lhe parecia a obra adequada.
Era para ficar ali a homenagem. Mas ontem, Antunes estreou no teatro do Sesc Consolação, Centro de São Paulo, “Toda nudez será castigada” — sua oitava montagem rodrigueana — resignado com o fato de que Nelson é mais forte que ele. E ao escolher a história do viúvo Herculano e sua torturada paixão pela prostituta Geni como a peça a ser montada nos 100 anos do dramaturgo, acaba por celebrar outra efeméride importante: os 30 anos de criação do Centro de Pesquisa Teatral (CPT), um dos mais importantes núcleos de produção, pesquisa teatral e formação de profissionais de teatro no Brasil hoje.
Na grande sala de ensaios do CPT, no sétimo andar do prédio do Sesc Consolação, Antunes não elabora a data. Tem horror ao pensamento intelectual que cava explicações teóricas rebuscadas para a cultura, o que ele chama de “quixotismo artístico”. Energético aos 82 anos, 64 de carreira, sua preocupação é com o público e com a formação do ator, ferramenta através da qual busca modificar a realidade à sua volta.
— Há 30 anos o CPT procura o ator, o ator, o ator. Para isso, precisamos aprender a apurar a técnica. Em vez de discutir o que é ator dramático, cômico ou épico, de tentar achar uma forma inédita de fazer teatro, numa masturbação intelectual, buscamos apurar a expressão do ator. Porque ele é o professor que tem que convencer a plateia. O ator tem a missão ética e social de cuidar do outro, de melhorar a realidade, de dar sentido à vida — diz ele.
Um método para o ator
No palco de “Toda nudez será castigada”, pode-se dizer que o Nelson Rodrigues encenado é Antunes Filho puro. Uma mesa longa, cinco cadeiras e uma lua é todo o cenário para a trama. Mas o despojamento da produção é compensado pela atuação vigorosa dos atores, ocupando todos os espaços possíveis do palco num ritmo narrativo vertiginoso. Não é por outra razão que Antunes é visto com terror por alguns atores. Sua preparação, que geralmente inclui oito horas diárias de ensaio por períodos que podem ultrapassar um ano (“Toda nudez...” foi uma rara exceção), são elaboradas com preciosismo. Trabalha-se exaustivamente o corpo, a emissão vocal, as respirações, o movimento. E nas horas vagas, sessões de clássicos do cinema (o CPT tem cinco mil filmes), além de discussões sobre filosofia e política, num processo que o jornalista e pesquisador de teatro Sebastião Milaré — autor de dois livros sobre Antunes: “Hierofania: o teatro segundo Antunes Filho” e “Poeta da cena” — chama de “preparação do ator e sua consciência de mundo”.
— Sem menosprezar o espírito da arte e do teatro contemporâneos, Antunes criou um método para o ator. Tudo voltado para a realidade do teatro e do público brasileiros — diz Milaré.
— Ele trabalha como um maestro, aquela percepção de conjunto e dos atores individualmente — conta a atriz Ondina Clais Castilho, a Geni de “Toda nudez...”. — Ele ouve longe. Nos ensaios, dizia que se eu quisesse que determinada palavra soasse como dita por um carioca, teria que mudar a respiração. É esse o nível de detalhamento.
— Antunes tem a consciência de que só muda uma estética teatral se mudar também o ator — diz o ator Luis Melo, que participou das montagens “A hora e a vez de Augusto Matraga” (1986) e “Paraíso Zona Norte” (1989), entre outras. — Pouco importa se o ator tem um ano ou 15 de experiência. No momento em que pisa no palco, o período de formação está encerrado.
Antunes usa e abusa de conhecimento enciclopédico. Em seus raciocínios, permeia argumentações com ideias de Jung a Stanislavski, de Ziembinski (com quem trabalhou) a Bertolt Brecht.
— Centenas de atores passaram pelas mãos de Antunes na busca do amparo técnico e encontraram algo que ultrapassa a técnica, compreendendo-a como meio de transformação não só do ator, mas fundamentalmente do indivíduo — diz o ator Lee Taylor, protagonista de “Policarpo Quaresma” (2010).
José Alves Antunes Filho nasceu em 1929 no Bexiga, em São Paulo, e estreou como ator (chamava-se José Alves) no papel de Ernesto em “Adeus mocidade...”, com direção de Osmar Rodrigues Cruz, seu colega no serviço público na prefeitura.
— Eu estava tão à vontade numa cena lendo jornal que esqueci a hora da fala e entrei em pânico — conta.
Era o fim da década de 1940, e o teatro brasileiro vivia um momento fértil com a criação do Teatro Brasileiro de Comédia e as montagens do Teatro do Estudante. Em 1950, Antunes fundou um grupo de teatro e dirigiu a peça “A janela”, de Reynaldo Jardim, que marcou o fim do ator José Alves e o nascimento do diretor Antunes Filho. Encenou espetáculos marcantes e fez até teleteatro para TV nos anos 1970 até aquele que o projetou internacionalmente: “Macunaíma”, de Mario de Andrade, em 1978, que viajou por 20 países.
Cada vez mais, Antunes mergulhou no aperfeiçoamento de um método de preparação de atores, que ele diz construir até hoje. Paralelamente, dedicava-se a pesquisas sobre a realidade das peças que encenava, de lavradores e retirantes a famílias suburbanas cariocas. A tudo associava dimensões metafísicas, abordagens holísticas, vieses psicológicos. Ele já dominava a linguagem de Nelson Rodrigues, cuja obra é considerada “mítica, capaz de gerar novas estéticas”. Tanto que o então recém-fundado Grupo de Teatro Macunaíma levou para o exterior “Nelson 2 Rodrigues”, com os textos de “Álbum de família” e “Toda nudez será castigada”, com enorme sucesso.
Em 1982, o Sesc São Paulo criou o CPT e convidou Antunes Filho a tocá-lo, tendo como núcleo principal seu grupo Macunaíma. Ali também funciona o CPTzinho, um curso de teatro que tem filas de dois mil inscritos todos os anos. Trata-se de uma das mais prolíficas parcerias do teatro nacional, que ele não poupa de críticas.
— Não há investimento em educação, e o crescimento econômico não se traduz num bom teatro, apesar do aumento das produções. Vivemos um consumismo hedonista que dificulta a maturidade intelectual. O teatro tem a obrigação de mudar isso.


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