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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O ENIGMA SAMICO


O retraído pernambucano Gilvan Samico é um dos maiores gravuristas vivos. Agora, aos 83 anos, ganhou o primeiro livro dedicado a sua vida e obra singulares

Por Ronaldo Bressane, de Olinda
Quando a Revista Personnalité bateu à sua porta – um sobrado de 300 anos vizinho ao mosteiro de São Bento, em Olinda, Pernambuco –, esperava encontrar um ermitão. Desapegado às tecnologias – nem sequer tem e-mail, pois detesta computador –, não gosta de dar entrevistas e mal fala com a própria mulher, a dançarina Célida, com quem teve dois filhos. Talvez por conhecer a fotógrafa Lia Lubambo desde “pirraia”, como dizem em pernambuquês, Samico sentiu-se mais à vontade. De bermuda em tecido cru e crocs cinzentos, Gilvan Samico passa uma imagem de extremo vigor, lucidez e esperteza aguda. Na oficina em seu quintal, ele detém o controle total de sua produção. O processo passa pela invenção de enormes máquinas de impressão e dos próprios instrumentos (como uma goiva que não deixa que o fio da madeira enrole e encubra o desenho enquanto a superfície da placa é cortada) até a mistura da tinta (com pouco óleo, para aderir foscamente ao papel). Cada matriz multiplica-se em 120 exemplares, mais as 12 cópias do artista. O processo demora um ano, ou vários anos: o próprio Samico imprime exemplar por exemplar.
Samico começou a gostar de desenho aos 17 anos, quando achou um caderno com ilustrações de estrelas de Hollywood e teve o súbito desejo de copiar aquilo tudo. Mais tarde, ao vencer um prêmio no 16o Salão do Museu do Estado de Pernambuco, foi a São Paulo estudar com o gravador paulista Lívio Abramo; na fila de pegar o ita (embarcação que fazia a rota Nordeste-Sudeste), conheceu um de seus raros pares, Francisco Brennand, que lhe deu dicas preciosas que lhe possibilitaram mais tarde viver sete anos no Rio de Janeiro, onde trabalhou no escritório de Aluísio Magalhães, um dos maiores designers gráficos brasileiros. Mas foi um encontro com Ariano Suassuna que determinou o norte de sua obra. Procurado por Samico, o paraibano, autor de O auto da Compadecida, sugeriu ao gravador que explorasse o universo da xilogravura sertaneja. “Foi um coice de mula!”, ele diz, que culminou com sua entrada no Movimento Armorial – de que também participaram o artista plástico Brennand, o escritor Raimundo Carrero e o Quinteto Armorial. “É um raro caso de um artista superior, mestre de si mesmo e discípulo de ninguém”, Suassuna elogia Samico.
Nos anos 1970, a arte de Samico foi responsável por “dar a cara” ao Movimento Armorial na medida em que tornava sua arte cada vez mais direta e misteriosa. Já em 1966, com O banho de Suzana (baseado no primeiro conto de detetive da história, narrado no Livro de Daniel), Samico passa a aplicar figuras em um único plano, à maneira egípcia, ao mesmo tempo em que introduz espelhismos, duplos e signos religiosos e pagãos que se tornarão sua marca. Muitos símbolos são recorrentes à obsessão: pássaros, ondas, flechas, barcos, círculos, estrelas de Lampião, dragões, leões, árvores, peixes, bois, luas, flores – e serpentes. Samico adquiriu status internacional: foi convidado para duas Bienais de Veneza e tem obras no acervo do MoMA de Nova York. Para o crítico Jacob Klintowitz, ele é um inventor de mitos. “O artista vai ao inconsciente coletivo, onde navegam os arquétipos, e, ali, pesca imagens imantadas de complexas significações, que reelabora a partir de suas referências particulares”, afirma. Marcelo Araújo, diretor da Pinacoteca de São Paulo, diz: “Trata-se de um autor de uma obra de extrema qualidade, de características muito singulares. Um dos mais importantes artistas brasileiros da segunda metade do século 20. É um equívoco relacionar seu trabalho somente ao cordel, que é apenas uma de suas fontes.”, conclui.
A agonia de Ícaro é o desenho em que está trabalhando atualmente. “Houve uma exposição no Rio da obra de Tom Jobim e fui convidado a fazer uma pintura em cima de uma das composições dele, 'O boto'. O quadro foi vendido, mas a ideia ficou: por que não fazer uma gravura sobre isso? De repente não me interessava mais falar em boto e sereia, e sim no deslumbramento de Ícaro.”, explica. Samico acredita ainda não ter chegado à obra-prima. “Quero morrer trabalhando nas minhas doidices”, desafia. Aos 83 anos e 60 de carreira, ele reúne suas obras em uma edição que leva seu nome, lançada pela editora Bem-Te-Vi.

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