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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Eric Nepomuceno: Darcy Ribeiro e a consciência de quem somos


Já faz um bom tempo – em fevereiro completam-se 16 anos – que Darcy Ribeiro cometeu a suprema indelicadeza de nos deixar. Tinha 75 anos. Foi antropólogo (dizia que seus melhores tempos foram aqueles passados entre indígenas na Amazônia), professor, autor de ensaios polêmicos, novelista, militante, vice-governador do Rio de Janeiro, onde criou um sistema de educação pública universal em regime de tempo integral.


Por Eric Nepomuceno, no Pagina/12


Darcy Ribeiro
Darcy Ribeiro
Antes do golpe militar de 1964 que instaurou a ditadura que o prendeu e depois o exilou, foi chefe de Gabinete, criou – junto com uma equipe especialmente brilhante de sua geração – a Universidade de Brasília e foi seu reitor. Durante seu longo exílio, peregrinou pelo Uruguai, Chile, Venezuela, Peru, Costa Rica, México. Assessorou Salvador Allende em Santiago e Velasco Alvarado em Lima, foi consultor da ONU. Morreu sendo senador da República. Dizia que era, em primeiro lugar, educador. Creio que 75 anos é um tempo muito curto para tanta vida.

Tratou de entender o Brasil e revelá-lo. Parte desse esforço descomunal ficou registrada em seu último livro,O Povo Brasileiro, que originou uma esplêndida série de dez documentários exibidos pela televisão brasileira, Os brasileiros, dirigidos pela Isa Grinspum. É, talvez, o resumo mais completo dessa tentativa de entender os mecanismos que por séculos impediram o meu país de ser o que poderia ser.

Também procurou entender a América Latina. Era um perguntador insaciável, que disparava dúvidas aos seus contemporâneos, à história e a si mesmo. Sua obra sobre o continente – As Américas e a Civilização e O Dilema da América Latina são referências há décadas – ajudou a formar gerações em nossos países.

Foi o mais latino-americano dos intelectuais brasileiros, sempre tão distantes e afastados de seus vizinhos. Em outubro do ano passado, para celebrar os 90 anos que ele não chegou a completar, publicou-se no Brasil uma nova edição do seu livro América Latina: a Pátria Grande. São textos escritos entre meados dos anos 70 e princípios dos anos 80 do século passado. Tempos de torvelinhos, quando a imensa maioria dos nossos países se sufocava sob ditaduras de maior ou menor ferocidade, outros padeciam o tormento de guerras civis genocidas e alguns poucos, como ilhas isoladas, viviam tempos de pressionada democracia.

O mais impressionante desse pequeno volume é que, após décadas e apesar da natural defasagem de alguns dados, segue sendo o testemunho visionário desse ardoroso defensor da inexistência do impossível. Em vários aspectos é como se Darcy, ao perseguir respostas, antecipasse em suas perguntas o que ocorreria em nossas comarcas e ao mesmo tempo exigisse as mudanças que não chegou a ver. A essência do seu conteúdo permanece inalterada, como inalterada segue sendo a urgência de suas demandas.

Defendeu com tenacidade juvenil que o futuro de nossas gentes está inevitavelmente vinculado à necessidade de assumir a nossa identidade ao mesmo tempo una e diversa. Que fazemos parte de uma determinada realidade, e que são muito mais os nossos pontos de convergência que de divergências. Que, separados, não seremos nada.

América Latina unida

Hoje, são palavras que integram a solenidade dos discursos oficiais. Nos tempos de Darcy Ribeiro eram palavras peregrinas de quem não acreditava no impossível.

No Brasil, foi quem melhor incorporou a visão da Pátria Grande. Assim viveu seus anos de exílio: atuando em países que lhe deram guarida, participando do cotidiano, dos processos políticos, culturais e sociais. Sua maneira de ver o mundo e viver a vida rechaçava a contemplação distante e estéril, a serenidade dos conformados, o silêncio dos omissos.

Queria entrar a fundo na realidade, entendê-la, para poder mudá-la. De cada país em que viveu trouxe marcas definitivas. E em cada um deles deixou suas pegadas.

Quis entender os processos de formação da América Latina a partir de um prisma nosso, latino-americano. Negou-se a renunciar ao direito de ter um olhar próprio, interno, sobre o continente.

Insistiu, até o final, em acreditar na necessidade urgente e perene de mudanças profundas na região, para que alguma vez nos seja possível ser o que podemos ser, e não o que querem que sejamos. Algo parecido com os processos que alguns dos nossos países vivem, atendendo às suas demandas iracundas.

O legado de Darcy Ribeiro tem um preço, que é nosso compromisso: saber merecer o que preconizou, defendeu, sonhou e acreditou.

Resignados ou indignados

Pela primeira vez vivemos uma etapa de rechaço à negação e de aposta na reivindicação. Povos submetidos a humilhações infames tomam, por fim, seus destinos nas mãos para construir o futuro.

Darcy foi um homem de paixões incendiadas, e o sonho da Pátria Grande foi paixão permanente.

Certa vez me disse: “Na América Latina seremos todos resignados ou indignados. E não me resignarei nunca”.

Cumpriu. Devemos merecer essa indignação, essa memória.

Tradução: Cepat

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