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sábado, 13 de agosto de 2011
Bruno Fernandes: Os professores em greve e a Copa de 2014
Caras professoras e caros professores,
Gostaríamos que dispusessem de um pouco de seu tempo para refletir conosco sobre um processo que vem ocorrendo no Brasil e, no nosso entender, lhes diz respeito diretamente, enquanto profissionais, em, pelo menos, dois aspectos. Tal processo liga-se à realização da Copa do Mundo de Futebol, mas não começa e tampouco termina com ela. O caso é que, mesmo que se tenha festejado a escolha do nosso país para sediar um dos mais suntuosos eventos esportivos do mundo, é preciso ver o que ele de fato aponta como legado para nós brasileiros.
Com relação ao primeiro aspecto da Copa que lhes diz respeito, professoras e professores, vocês sabem, melhor do que nós, que a qualidade da educação não começa nem termina dentro da sala de aula. Não é esse um dos motivos para que se reivindique melhores salários aos profissionais da educação pública?
Entendemos que a Copa do Mundo de Futebol vem aprofundar o processo histórico de arrocho salarial do professorado, uma vez que se está gastando bilhões, isso mesmo, BILHÕES, para a construção das infraestruturas exigidas pela FIFA que, além do mais, servem para produzir um modelo de cidade — do qual falaremos mais adiante — pernicioso para a maioria da população.
Quantas moradias, parques, ciclovias, praças, ginásios poliesportivos, teatros, escolas poderiam ser construídos com este dinheiro? Quantas reformas e aparelhamentos de hospitais? Quantas obras de saneamento básico, contenção de encostas e redução e prevenção às enchentes? Pode-se até realizar a Copa, mas ao invés de se gastar inutilmente com ela, poder-se-ia investir em promoção social.
Quem vai dizer que o Mineirão ou o Maracanã, embora pudessem precisar de “ajustes”, não eram excelentes estádios? O caso é que quando se trata de atender aos interesses dos ricos, o dinheiro aparece, mas quando, por exemplo, professores empunham sua justa bandeira de melhores salários, os governantes de plantão alegam que o orçamento está apertado e que o salário pago é bom e é o máximo que se pode oferecer– além de acionarem a polícia para cumprir seu papel fundamental de reprimir as necessárias lutas do povo.
Tudo bem, a Copa pode não ser a responsável pelo arrocho salarial, mas lembremos que estamos falando de um processo que não começa e tampouco termina com ela. Quantos anos serão precisos para pagar estes volumosos gastos em aeroportos, sistemas de transporte, estádios (todos visando às demandas da Copa e não da população) e com isso manter o orçamento apertado de modo a não possibilitar aumentos salariais?
E tem mais: além do estado arcar com enormes gastos (repisemos: todos visando às demandas da Copa e não da população. Lembremos: com dinheiro dos impostos pagos por toda a população, sobretudo os trabalhadores), a FIFA e seus parceiros foram agraciados com a isenção de impostos e a reforma e construção de hotéis receberão “incentivos”. A propósito, o prédio onde funcionava o Ipsemg na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, foi alugado por 35 anos para um amigo do ex-governador mineiro Aécio Neves ao custo mensal de meros 15 mil reais. Pena que não há outra palavra, porque fica difícil chamar de custo quando se considera que são apenas 15 mil reais para explorar comercialmente um prédio daquele tamanho numa das áreas mais valorizadas da capital mineira.
O segundo aspecto, mais amplo, refere-se aos atingidos pelas transformações que as cidades-sede do mundial estão passando. Como principais atingidos, milhares de famílias estão perdendo suas casas para construção de sistemas de transporte para atender às demandas dos turistas do mundial.
Vejam bem: brasileiros estão perdendo suas casas para o divertimento de estrangeiros!
Dentre outros, há também os que trabalhavam no entorno dos estádios vendendo desde camisas de times até bebidas e comidas que não mais poderão exercer sua atividade de subsistência. Vocês podem estar se perguntando: e o que a educação tem a ver com isso?
Ora, quem são aqueles para os quais vocês dão aulas nas escolas públicas? Não são os filhos dos trabalhadores empobrecidos? Embora muitos de vocês possam não ter alunos vivendo este drama, lembremos, mais uma vez, que estamos falando de um processo que não começa e tampouco termina com a Copa do Mundo de Futebol e também não diz respeito apenas às cidades-sede do megaevento.
Por isso, vale corrigir: este megaevento tem servido, na verdade, para aprofundar um modelo de cidade que marca a urbanização em nosso país, isto é, modelo no qual o pobre não tem vez, a não ser, porque não tem outro jeito, para trabalhar — quando ele tem um trabalho, claro.
É um modelo de cidade cujo sentido não é o de atender às necessidades e direitos da população, tais como saúde, esporte, lazer, moradia, educação, e sim auferir lucros para uma parte da população historicamente privilegiada — porque não dizer, é um modelo de cidade produzido pela e para a elite dominante. Sendo assim, se observa que produzem a cidade demarcando espaços destinados exclusivamente aos ricos, com toda infraestrutura e conforto, enquanto os trabalhadores perdem seus lares e, por consequência, trabalho e laços sociais, ao serem mandados para longínquas periferias normalmente sem a menor infraestrutura.
Os alunos estão dando muito trabalho na sala de aula? Mais do que nós, vocês sabem quem são eles e o que passam enquanto filhos de trabalhadores empobrecidos.
Por estas considerações, e por entendermos que educação pública e de qualidade exige salários dignos, manifestamos nosso total apoio à luta das professoras e dos professores em greve para que o governo do estado de Minas Gerais cumpra a lei do Piso Salarial Profissional Nacional (Lei n° 11.738/08).
Enfim, procuramos aqui apontar dois aspectos que imaginamos estejam relacionados com as condições de trabalho na educação básica pública, dentre elas a condição salarial, mas cremos que a questão vai muito além. Nesse sentido, que tal se vocês vierem conversar conosco sobre a Copa afim de elaborarmos juntos um entendimento sobre este megaevento que dialogue com a realidade concreta dos alunos? Ao final deste texto, consta nosso calendário de reuniões até o final deste ano. Sejam muito bem vindos!
Saudações,
Comitê Popular dos Atingidos pela Copa 2014 BH
*Bruno Fernandes é professor de Geografia no ensino médio em Minas Gerais
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