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sábado, 20 de agosto de 2011

RESGATANDO UM MESTRE ESQUECIDO DA PINTURA BRASILEIRA.




Em 1994 falecia aos setenta e cinco anos no Rio de janeiro, cidade em que sempre viveu, o pintor e gravador brasileiro Edgard Cognat. Tímido por temperamento e recluso por opção, construiu uma obra de grande qualidade na tradição da Escola Clássica.
Os conhecimentos necessários à formação do artista em épocas antigas eram passados de mestre para discípulos em pequenos grupos, onde, circunstancialmente alguns se destacavam e davam posteriormente prosseguimento à linhagem formando sua própria turma de alunos. Foi deste modo que Cognat aprendeu os segredos da arte da pintura com Carlos Chambelland, seu único professor, o qual havia estudado com Rodolfo Amoedo, um dos grandes pintores brasileiros da passagem do Século XIX para o XX, que por sua vez, após concluir seu curso na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, aperfeiçoou-se em Paris com Alexandre Cabanel. Este modelo de relacionamento entre mestre e discípulo foi caindo em desuso por volta de meados do século passado, sendo mantido em pequenos grupos que sustentaram a tradição por mais umas poucas décadas estando hoje em dia praticamente extinto, pelo menos em nosso país.
Tive o privilégio de ter estudado com Edgard Cognat no início de minha formação como artista, freqüentando suas aulas particulares ao mesmo tempo em que cursava a Escola de belas Artes da UFRJ. Ao lembrar desta época de estudante, o que de imediato me vem à memória é a rigorosa disciplina com que as aulas eram conduzidas, e que pode causar espanto nos dias de hoje. Na verdade, não se começava a trabalhar diretamente sob a orientação do mestre; era necessário começar os estudos de desenho do natural no atelier de sua esposa, também ela pintora de grande qualidade; reproduzindo-se de início florões de gesso do natural, até se chegar a estátuas de formato bastante complexo. O material utilizado era bàsicamente o carvão e este período inicial poderia variar entre um ano e meio a dois anos com duas aulas de duas horas por semana. Concluída esta fase, o aluno passava às sessões de modelo vivo, então diretamente sob a orientação do professor, ainda fazendo apenas desenhos por mais um bom tempo até que fosse considerado apto a empunhar pincéis e tintas. O tempo estimado para essa fase inicial era por volta de um ano a ano e meio. Portanto somente após no mínimo três anos, somando-se o tempo total de estudos com o professor e sua esposa, começava-se realmente a pintar. De início apenas duas cores eram utilizadas: terra de sienna(um tipo de tom castanho) e branco, o que se chama monocromia., para mais tarde se trabalhar com a paleta de tintas completa. As aulas de pintura tinham como tema exclusivamente o Modelo Vivo, em trabalhos de longuíssima duração. Por exemplo, para a conclusão de uma tela de formato tipo A2(em torno de 48 x 65 cm) levava-se em média oito sessões de duas horas. E este estudo aprofundado se prolongava ao longo de todo o curso, sendo que de vez em quando voltávamos à execução de desenhos a carvão para manter sempre este fundamento em dia. A abordagem de outros gêneros como a Natureza Morta e Paisagem ficava por conta do interesse e pesquisa pessoal da pessoa, pois o professor acreditava, como todos os pintores de sua linhagem, que quem se saísse bem na pintura do modelo vivo enfrentaria qualquer tipo de desafio. A técnica utilizada nas pinturas era sempre o óleo, já que ele também afirmava que quem a dominasse, se sairia bem com qualquer outra, bastando pequenos ajustes. É importante lembrar que as aulas tinham caráter eminentemente técnico, jamais o mestre se envolvendo no processo de criação do aluno, pois dizia: “Eu ensino a pintar, não a fazer quadros”. Se o aprendiz levasse muito jeito para o ofício, ao cabo de uns seis anos, incluindo aí o período inicial de formação no atelier da esposa do professor, poderia se sair razoavelmente bem na execução de uma pintura de figura humana diretamente do natural.
Tempos atrás descobri que foi criado um site honorífico para o professor: http://www.edgardcognat.art.br/biografia.asp. Infelizmente as reproduções não possuem grande qualidade, a maioria das fotos é em P/B, há grande carência de imagens, entre outros problemas. Mas ainda assim vale a pena o acesso para se ter uma idéia, mesmo que pálida, da obra do pintor. Com toda certeza não foi um artista dado a inovações formais, ou grande criatividade em relação aos temas. Ao contrário, manteve-se fiel à representações de Naturezas Mortas, Paisagens, Marinhas, Retratos, Nus Artísticos, Cenas Bíblicas. Definitivamente não retratou a sua época, mas seus trabalhos têm uma composição elaborada com grande classe e estilo, aliada a um desenho extremamente preciso, e no que se refere à técnica da pintura propriamente dita, sabia tudo sobre cor, pincelada, texturas, empastamentos, veladuras, dentro da tradição dos grandes mestres da era clássica, produzindo trabalhos belíssimos, visualmente falando.
Atualmente esquecido, este artista merece ser resgatado, e por ter sido coerente com seus princípios e convicções criou trabalhos de grande valor dentro dos modelos em que sempre acreditou. Sua obra, por lidar com questões fundamentais da arte da pintura, acaba se tornando atemporal.

Ricardo Newton
www.ricardonewton.com

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