18 de Novembro de 2011 - 18h30
O choro é um gênero musical nascido e desenvolvido na cidade do Rio de Janeiro, quando esta passa por inúmeras transformações fundamentais para a história do Brasil, entre elas, a inquietação que se segue à Guerra do Paraguai (1864-1870), a campanha pela abolição da escravidão e pela República, a reformas urbanas e a grandes transformações culturais.
Por Maurício Siaines (*)
Chiquinha Gonzaga (1847-1935), Pixinguinha (1897-1973), Heitor Villa-Lobos (1887-1959) e Jacob do Bandolim (1918-1968) são nomes famosos que participaram dessa história, mas há muitos outros.
Sérgio Prata, músico e diretor de pesquisas (atualmente é vice-presidente) do Instituto Jacob do Bandolim no Rio de Janeiro, falou do movimento cultural do choro, de que é, além de estudioso, participante ativo, desde meados dos anos 1970, quando o boteco Sovaco de Cobra, no bairro da Penha (Rio de Janeiro), tornou-se o ponto de encontro de diversos chorões que se reuniam para tocar e reabilitaram o gênero musical.
Pergunta - Fale um pouco da história do choro.
Sérgio Prata – Os escravos que vieram para o Brasil, embora submetidos à força, trouxeram todo seu patrimônio cultural. E o gênero musical predominante entre eles, nas senzalas, era o lundu, que tinha a dança da umbigada, em que os pares se roçavam com um jeito sensual. Também os rituais religiosos, em que havia o batuque. Boa parte dos escravos começa a ser liberada para a cidade, a partir de 1870, e começam a buscar emprego no pequeno comércio, em barbearias, vão morar em cortiços na Cidade Nova. Ao mesmo tempo, desenvolvia-se a luta republicana. Ao mesmo tempo, fica o patrimônio musical das antigas classes dominantes, da elite imperial, de que faz parte o gênero musical da polca, predominante na Europa. A polca chegou ao Brasil por volta de 1855 e é a primeira dança de pares enlaçados, onde o homem abraçava a mulher. Nos gêneros anteriores, a quadrilha e o schottisch, não havia esse contato. Em 1845 dançou-se a polca pela primeira vez, aqui no Rio, e logo virou uma febre.
P – E nessa metade do século 19 também houve o fim do tráfico de escravos ...
SP – É. Então, na época em que a corte [imperial] vai embora, o Rio era a cidade dos pianos, mas o homem da rua não tinha piano, tinha violão, cavaquinho, batucava. Havia os músicos de banda militar, ou funcionários públicos, que compunham a baixa classe média do século 19, funcionários de cartórios, bombeiros, militares.
P – É como o Policarpo Quaresma, do Lima Barreto, que queria aprender a tocar violão.
SP – E os historiadores dizem que, justamente a forma de se tocar a polca, não no piano, mas com os instrumentos do homem da rua é que começa a acontecer a mudança. O homem de rua pega o violão, o cavaquinho, a flauta, o oficleide, o clarinete e começa a tocar, ainda com aquele formato de polca, em dois por quatro, mas já começa a colocar um pouco também, de seu DNA africano, com aquela malemolência ... a percussão é uma coisa ainda muito em início. No final do século 19 não existia ainda pandeiro. Havia percussão nas rodas dos negros. O choro começa com os trios, com violão, cavaquinho e um instrumento de solo. Não tinha percussão porque ainda era muito calcado na estrutura da polca alemã, que era tocada em piano. É o formato popular de tocar uma música de origem imperial, mas já com uma, digamos, transfusão cultural, que vai avançando. E aí surge, na década de 1870, o grupo do [Joaquim] Calado, que é o primeiro de que se tem registro como grupo de choro, que, na verdade, naquele momento ainda não era um gênero musical. Choro era o nome que se dava ao grupo que tocava aquele tipo de música.
P – E esse pessoal teve vida curta, não é?
SP – Ah! Naquela época era assim. O Calado morreu com 32 anos. A Chiquinha [Gonzaga] é que viveu mais, 88 anos, o [Ernesto] Nazaré também, 71 anos. A média de vida estava mais para o padrão do Calado, Chiquinha e Nazaré foram exceções, a grande maioria morria antes dos 40.
P – Voltando à história do choro, o choro do Joaquim Calado é o marco ...
SP – O grupo do Calado, que se chamava Choro Carioca, foi o primeiro e se apresentava em festas de famílias ... não eram profissionais.
P – Mas o Calado tinha uma formação musical escolar, acadêmica, não é?
SP– Ele era um músico da elite, formado pelo Conservatório [de Música, criado em 1848]. Era um cara respeitado por músicos franceses que vinham ao Brasil, um músico de escol, como chamavam. E era negro e tinha suas raízes. No Choro Carioca ele tocava flauta, havia dois violões e um cavaquinho. Houve uma época em que a Chiquinha Gonzaga tocou piano com eles. Daí surgiram vários trios. Boa parte dos músicos de choro era oriunda das bandas militares. A grande maioria dos músicos da época não sabia ler música, tocava de ouvido, mas os solistas precisavam ter mais conhecimento para poder tocar. E decorar a música era mais complicado e quem sabia ler música, naquela época, era quem tocava na banda militar, não havia difusão do ensino da música.
P – Então há uma relação entre a banda e o choro.
SP – Pois é, tem muito a ver. O primeiro grupo renomado que toca o gênero choro, no final do século 19 é a Banda do Corpo de Bombeiros, regida pelo Anacleto de Medeiros (1866-1907), que foi criada com músicos de choro. O Anacleto de Medeiros, que foi aquele músico fantástico, do padrão do Pixinguinha, do Calado. Existe um livro do André Diniz, de que fiz o prefácio, sobre o Anacleto de Medeiros, que mostra que boa parte do choro se deve ao Anacleto, que era lá de Paquetá. Ele foi convidado para ser maestro da Banda do Corpo de Bombeiros e resolveu levar os músicos de choro, que foram contratados e ganharam seus primeiros cachês ... é o primeiro registro de pagamento de cachê para músicos de choro que se tem, a ida desses músicos de rua para a Banda do Corpo de Bombeiros. E há os arranjos que o Anacleto compunha, já fazendo polifonia de clarinetes, flautas.
P – As bandas formavam, então, um caminho para a popularização da música.
SP – E eram uma fonte de músicos populares, que aprendiam música sem ter dinheiro para pagar aulas, aprendiam nos quartéis gratuitamente. O choro tem, então, um pé nas bandas militares.
P– Nova Friburgo tem três bandas, a Euterpe Friburguense, a Campesina Friburguense e a Euterpe Lumiarense, que se reorganiza desde 2008, depois de ter ficado 40 anos inativa. Nesta última, como nas demais, há uma preocupação em relacionar a cultura local com a música que se toca. Como você vê essa relação?
SP – Quem acha que há contradição nisso, não vê a ponte entre a importância da banda e os outros caminhos que podem ser seguidos, com outros tipos de abordagem cultural, mais contemporânea. Isto não pode servir de negação da origem. Eventos pontuais e extraordinários têm que servir de suporte para reforçar o elemento central que é a banda.
P – O choro nasce quando estão se engendrando uma série de mudanças na vida social brasileira ...
SP – ... quando começa a surgir o conceito de nação.
P – Pois é, o momento dessa transição é muito importante. É o mesmo momento em que está nascendo Os sertões, de Euclides da Cunha, publicado em 1902 e no mundo da música também aconteciam coisas …
SP – ... em 1902 aconteceram as primeiras gravações, e foi lançado o primeiro disco brasileiro, pela Casa Edison. Da última década do século 19 até a primeira década do século 20 aconteceram mudanças culturais tão importantes ou mais do que as que o computador está fazendo neste início do século 21. Aquilo que era pintura, virou fotografia, o que era canto virou disco e o que era teatro virou cinema. Isto, em 15 anos.
Eu tenho um gramofone que ainda funciona e quis ter a mesma sensação do homem de 1902 ouvindo sair uma música daquele aparelho. O mundo mudou muito e não é à toa que o processo que aconteceu no Brasil é o mesmo, no mesmo momento, com o mesmo recorte cultural, nos Estados Unidos e em outros países. A música das Américas, nessa passagem de século é a fusão da música do dominador e do dominado. Há o danzón, no Caribe, o blues, nos Estados Unidos, o choro no Brasil, que são fusões dos gêneros da elite dominadora com os do homem dominado.
P – No caso do Rio de Janeiro, é um momento de grande transformação da cidade ... é nessa época que o Pixinguinha está se formando, no Catumbi...
SP – Ele começou a tocar, aqui na Lapa, em 1912.
P – Antes disso, no Catumbi ...
SP – ... havia os ensaios na casa do pai dele.
P – De que o Heitor Villa-Lobos chegou a participar. E aí vem a questão da relação entre a música popular e a erudita. O Mário de Andrade diz que uma se alimenta da outra e vice-versa. Isto fica muito claro nesse convívio do Villa-Lobos com a casa do Pixinguinha.
SP – O Villa-Lobos compôs choros e ele bebeu muito ali na fonte do choro, com certeza. [Os maestros] Francisco Mignone e Radamés Gnattali, também. O choro é a música do instrumentista brasileiro, houve grandes instrumentistas que não foram chorões, mas passaram pelo choro.
Fonte: Voz da Serra Online (Nova Friburgo, RJ) -
http://www.avozdaserra.com.br/noticias.php?noticia=15155
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