Jornalista Marcelo Carneiro Cunha*
Publicado na Coluna Zagueiro – PORTAL TERRA
Estimados leitores, nossa estimadíssima ministra da Cultura deu um bom e saudável chute no balde das supostas elites hoje dizendo em alto e bom tom que o Vale Cultura servirá para o que o trabalhador quiser, inclusive para comprar “revista porcaria”.
Pois para esse zagueiro, em sua imensa ignorância do que sejam porcarias ou não porcarias, a ministra falou e disse, que é algo que ela, diferentemente da vasta maioria da classe política, faz e com vontade. Fique aqui registrado que eu aprecio, e muito, a nossa Ministra e prefiro o frescor e a ousadia dela a qualquer ministro metido a sério e que empesta os ares nacionais com falas que não dizem e atos que não agem.
Mas, e caiu aqui como o medidor do que possa ser considerado haute culture, onde começa e onde termina a porcaria cultural, estimados leitores? A amiga, o amigo, o senhor aqui ao lado, seriam capazes de dizer o que é ou não relevante no mundo vasto mundo da produção cultural?
Eu, estimados leitores, sinceramente, se fosse governo, não me atreveria.
Eu não acredito na ideia de que se possa exigir das pessoas que optem por consumir isso ou aquilo, no seu tempo de lazer ou crescimento pessoal. E não acredito na ideia de que se possa definir que grandes mensagens somente caibam em grandes e solenes embalagens, simplesmente porque isso não é verdade.
Se sou a favor de um Vale Cultura? Óbvio. Se as pessoas aproveitam o Vale-Tiqui que ganham e para fazer a festa no supermercado comprando inclusive o que é útil, é natural que elas aproveitem o Vale Cultura com a mesma sede lúdica, comprando não o que o senhor aqui ao lado considera iluminador, mas o que elas, na sua capacidade humana de desejar e fazer, desejem comprar.
Ganhando um vale de 50 reais para fazer o que quiser, eu imagino que os trabalhadores façam o que lhes der na telha, e isso, estimados colegas de vestiário filosófico, é ótimo. Isso é ótimo porque com um dinheirinho ganho assim, facinho e para gastar em cultura, é óbvio que muita coisa que hoje não é testada vai ser testada. Se é o meu rico dinheirinho que eu preciso investir, eu me torno mais conservador e vou mais nas coisas certas, arriscando menos, inovando menos.
Com um dindin que caiu assim do céu, e que a ministra diz que eu posso gastar como quiser, é claro que eu vou fazer exatamente isso. E é natural que eu experimente, arrisque, erre, descubra. Esse pode ser o fator mais importante do Vale Cultura, levando as pessoas não a gastar mais do que elas fariam naturalmente, mas com coisas que elas talvez jamais fizessem, mesmo que isso inclua porcarias.
E algum momento, estimados leitores, gente séria na França considerou o impressionismo porcaria, e isso incluía Monet, Manet, Renoir, e gangue. Shakespeare foi esquecido por 300 anos, a guitarra elétrica foi considerada um absurdo ameaçador, o rock era coisa de maluco, e o samba, de gente pobre. Os Beatles eram coisa para cabeludos, que jamais poderiam ser consumidos via um Vale Cultura da época. Imagino que Mozart tenha sido visto como má influencia para os jovens, um Michel Teló na Praga do século 18.
Grande arte já foi porcaria e muita porcaria passa por grande arte, e isso sempre foi, sempre será. Melhor saber, compreender, lidar com essa verdade do que sair por aí a tentar inventar metro que defina o que é e o que não é nesse sertão em que vivemos.
O governo de um país desigual deve agir para reduzir a desigualdade, especialmente se isso for feito sem maiores imposições estéticas ou de Weltanschauung de quem quer que esteja no poder.
No Brasil, democratizar o acesso à cultura significa oferecer aos menos privilegiados a mesma chance que os demais possuem: de consumir cultura por prazer e sem dor ou culpa.
O Vale Cultura, para mim, tem como único eventual defeito o fato de ser de apenas 50 reais por mês, o que dá para um livro e um picolé na esquina, ou três revistas porcaria e um pratinho de milho cozido na outra esquina. Mesmo assim, ele é revolucionário porque o governo, com ele, afirma que cultura é bem essencial, como o gás de cozinha ou o ônibus e isso sim, no Brasil, é um tanto revolucionário.
Por mim, que gastem com porcaria, que usem, lambuzem, façam e desfaçam e, nesse processo, como é da natureza humana fazer, cresçam, e apareçam.
A beleza pode muito bem ser composta de muitas e pequenas porcariazinhas que sozinhas não dão em nada, juntas mudam o mundo. É só isso, e mais nada.
Assim sendo, firme, Ministra, e vamos em frente nessa grande, enorme porcaria, também conhecida como vida, e da qual cultura e arte fazem simplesmente não a maior, mas a melhor parte.
*Jornalista, escritor de livros e filmes. Acredita que bola boa é bola pra fora do estádio. Crente nos poderes da aspirina e do conhaque de alcatrão São João da Barra. Medo, só de barata
Publicado na Coluna Zagueiro – PORTAL TERRA
Estimados leitores, nossa estimadíssima ministra da Cultura deu um bom e saudável chute no balde das supostas elites hoje dizendo em alto e bom tom que o Vale Cultura servirá para o que o trabalhador quiser, inclusive para comprar “revista porcaria”.
Pois para esse zagueiro, em sua imensa ignorância do que sejam porcarias ou não porcarias, a ministra falou e disse, que é algo que ela, diferentemente da vasta maioria da classe política, faz e com vontade. Fique aqui registrado que eu aprecio, e muito, a nossa Ministra e prefiro o frescor e a ousadia dela a qualquer ministro metido a sério e que empesta os ares nacionais com falas que não dizem e atos que não agem.
Mas, e caiu aqui como o medidor do que possa ser considerado haute culture, onde começa e onde termina a porcaria cultural, estimados leitores? A amiga, o amigo, o senhor aqui ao lado, seriam capazes de dizer o que é ou não relevante no mundo vasto mundo da produção cultural?
Eu, estimados leitores, sinceramente, se fosse governo, não me atreveria.
Eu não acredito na ideia de que se possa exigir das pessoas que optem por consumir isso ou aquilo, no seu tempo de lazer ou crescimento pessoal. E não acredito na ideia de que se possa definir que grandes mensagens somente caibam em grandes e solenes embalagens, simplesmente porque isso não é verdade.
Se sou a favor de um Vale Cultura? Óbvio. Se as pessoas aproveitam o Vale-Tiqui que ganham e para fazer a festa no supermercado comprando inclusive o que é útil, é natural que elas aproveitem o Vale Cultura com a mesma sede lúdica, comprando não o que o senhor aqui ao lado considera iluminador, mas o que elas, na sua capacidade humana de desejar e fazer, desejem comprar.
Ganhando um vale de 50 reais para fazer o que quiser, eu imagino que os trabalhadores façam o que lhes der na telha, e isso, estimados colegas de vestiário filosófico, é ótimo. Isso é ótimo porque com um dinheirinho ganho assim, facinho e para gastar em cultura, é óbvio que muita coisa que hoje não é testada vai ser testada. Se é o meu rico dinheirinho que eu preciso investir, eu me torno mais conservador e vou mais nas coisas certas, arriscando menos, inovando menos.
Com um dindin que caiu assim do céu, e que a ministra diz que eu posso gastar como quiser, é claro que eu vou fazer exatamente isso. E é natural que eu experimente, arrisque, erre, descubra. Esse pode ser o fator mais importante do Vale Cultura, levando as pessoas não a gastar mais do que elas fariam naturalmente, mas com coisas que elas talvez jamais fizessem, mesmo que isso inclua porcarias.
E algum momento, estimados leitores, gente séria na França considerou o impressionismo porcaria, e isso incluía Monet, Manet, Renoir, e gangue. Shakespeare foi esquecido por 300 anos, a guitarra elétrica foi considerada um absurdo ameaçador, o rock era coisa de maluco, e o samba, de gente pobre. Os Beatles eram coisa para cabeludos, que jamais poderiam ser consumidos via um Vale Cultura da época. Imagino que Mozart tenha sido visto como má influencia para os jovens, um Michel Teló na Praga do século 18.
Grande arte já foi porcaria e muita porcaria passa por grande arte, e isso sempre foi, sempre será. Melhor saber, compreender, lidar com essa verdade do que sair por aí a tentar inventar metro que defina o que é e o que não é nesse sertão em que vivemos.
O governo de um país desigual deve agir para reduzir a desigualdade, especialmente se isso for feito sem maiores imposições estéticas ou de Weltanschauung de quem quer que esteja no poder.
No Brasil, democratizar o acesso à cultura significa oferecer aos menos privilegiados a mesma chance que os demais possuem: de consumir cultura por prazer e sem dor ou culpa.
O Vale Cultura, para mim, tem como único eventual defeito o fato de ser de apenas 50 reais por mês, o que dá para um livro e um picolé na esquina, ou três revistas porcaria e um pratinho de milho cozido na outra esquina. Mesmo assim, ele é revolucionário porque o governo, com ele, afirma que cultura é bem essencial, como o gás de cozinha ou o ônibus e isso sim, no Brasil, é um tanto revolucionário.
Por mim, que gastem com porcaria, que usem, lambuzem, façam e desfaçam e, nesse processo, como é da natureza humana fazer, cresçam, e apareçam.
A beleza pode muito bem ser composta de muitas e pequenas porcariazinhas que sozinhas não dão em nada, juntas mudam o mundo. É só isso, e mais nada.
Assim sendo, firme, Ministra, e vamos em frente nessa grande, enorme porcaria, também conhecida como vida, e da qual cultura e arte fazem simplesmente não a maior, mas a melhor parte.
*Jornalista, escritor de livros e filmes. Acredita que bola boa é bola pra fora do estádio. Crente nos poderes da aspirina e do conhaque de alcatrão São João da Barra. Medo, só de barata
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