O violeiro Chico Lobo, 42 anos, explica essa parte riquíssima da cultura brasileira: a viola caipira, tradicional pelos interiores do Brasil, e já muito conhecida nas cidades grandes, desde 1920. Mas em nos nossos dias, infelizmente, tem sido confundida com a música sertaneja e suas tão faladas duplas, que aparecem como sertaneja sem o ser. Escondida por um tempo, hoje reaparece com toda força, conquistando os jovens, através de artistas que não se deixaram levar por modismo e lutam para defender a cultura brasileira.
Para falar da carreira de Chico Lobo é necessário viajar pela cidade de São João Del Rei, MG, onde nasceu, e pela origem da viola caipira brasileira, derivada da viola portuguesa, trazida pelos jesuítas para o Brasil. Muito utilizada para encantar os índios, a viola servia também para que o português pudesse expressar toda a sua nostalgia de colonizador e, mais tarde, para que o caboclo (filho de índio com 'branco') cantasse os novos sentimentos dessa terra virando país e nação, depois, acompanhando um estilo determinado de narração falada, os causos, na essência absolutamente verídicos.
Chico cresceu acompanhando o pai pelas serestas em São João Del Rei.
— A influência da viola vem desde a época em que meu pai, que era seresteiro, recebia as folias de reis em nossa casa. Folias de Reis, para quem não conhece, é um grupo de pessoas que de dezembro a janeiro, sai de casa em casa cantando o nascimento do menino Deus, e o instrumento principal da folia é a viola caipira — explica Chico.
— A Folia de Reis tem força pelos interiores de todo o Brasil. É uma manifestação de origem ibérica, que chegou aqui e foi inserida na vida do caipira [trabalhador pobre e médio, preso às relações de produção rústicas, dominantes no campo brasileiro], ajustando à sua realidade, transformando-se, e fazendo parte da nossa cultura. Eu tenho recordação de quando tinha sete anos de idade e a folia entrava em minha casa, com os mestres trazendo suas violas, algumas muito antigas. Isso me impressionou muito. Aos doze anos, meu pai me deu a minha primeira viola, ensinou o meu primeiro passo na viola e a partir daí eu comecei a tocar — continua.
Em 1982, Chico mudou-se de São João Del Rei para Belo Horizonte, onde permanece, para fazer faculdade de educação física, vindo a se formar, mas abandonando a carreira porque a de músico pesou mais. Na capital mineira, enquanto ainda cursava a faculdade, ele ingressou no grupo de música e dança, de projeção folclórica, Aruanda, que lhe serviu de escola e abriu as portas para conhecer muitos mestres violeiros, que lhe ensinaram sobre o universo da viola.
Chico lembra:
— Com o Aruanda eu pude viajar bastante e por cada lugar que eu passava procurava saber se ali tinha um mestre violeiro, os verdadeiros mestres dos grotões, que ficam em seus ranchos ou suas cidadezinhas. São artistas anônimos da nossa cultura. Com eles eu aprendi toques de viola e muito dessa cultura, ajudando a formar a minha personalidade e o artista que sou hoje.
O violeiro Chico é compositor, letrista e também cantor de suas músicas. Considera-se um compositor compulsivo, que nunca pára de compor onde quer que esteja, sempre de uma forma muito intuitiva. Por esse motivo, dificilmente compõe em parceria.
— Eu posso estar em qualquer lugar, que de repente vem a música, letra, toque de viola, tudo de uma só vez. Não racionalizo: agora eu vou compor falando de boiada, por exemplo. Vem naturalmente. Acho que é dom mesmo.
— Lógico, isso também vem de uma carga de vivência que tenho. De conviver com meus mestres, os violeiros dos grotões, como: seu Nelson Jacob, da cidade de Jequitibá, MG, que foi um grande folião, e grande mestre; das folias da minha terra, São João Del Rei; de meu pai que é um grande mestre para mim. Tudo isso se constitui numa carga que fica no inconsciente e processa quando componho. Às vezes, também recolho alguns contos da cultura popular, adapto e levo ao público.
Mineiro de nascimento e jeito, Chico canta o Brasil em sua viola, mas especialmente Minas Gerais:
— A música de viola segue uma rota de tropeiro, que passa por várias regiões: no sul temos os fandangos nas cordas da viola; no sudeste a viola comanda as folias de reis, catiras, danças de São Gonçalo, a música de beira de rio, com um olhar especial para São Paulo onde tem um grande campo; no nordeste ela aparece nos repentes nordestinos; no norte está em muitos dos bois cantados. Assim, percebe-se que a viola está no Brasil como um todo. Mas é claro que trabalho mais com Minas, que é a minha terra, a minha matéria prima, a minha aldeia, onde sempre vivi.
Chico se diz um apaixonado pela cultura popular brasileira. Para ele, Minas Gerais é riquíssimo em cultura da viola.
— Em Minas e em todo o país, os artistas de viola formam a chamada teia da cultura brasileira. Onde tem público aberto para essa cultura, estamos presente — fala com alegria.
Em 1996 Chico Lobo lançou o seu primeiro CD No braço dessa viola, e foi finalista do antigo Prêmio Sharp, como revelação da música regional brasileira. Em 97 voou rumo à Itália onde realizou 10 shows, levando a cultura da viola caipira brasileira para o exterior. Com esse intuito também foi para o Canadá.
— A nossa música caipira é extremamente bem aceita nesses países — afirma Chico.
A partir daí foram vários discos, entre eles, um CD em parceria com o ator Jackson Antunes, chamado Nosso coração caipira.
— O Jackson declama clássicos caipiras, como Chico Mineiro, Cabocla Tereza, e muitos outros, e eu solo a viola. A nossa intenção foi chamar a atenção das pessoas para a riqueza das letras da autêntica música caipira — explica.
Em 2005, Chico lançou o CD ao vivo Viola Popular Brasileira, um apanhado de toda a sua carreira, juntamente com um DVD, com o mesmo título, o primeiro DVD de viola caipira do Brasil.
MÚSICA CAIPIRA VERDADEIRA
— A nossa viola caipira é um pouco menor que o violão e tem uma forma um pouco mais definida, daí dizer que se parece com o corpo de uma mulher. Tem dez cordas, que são cinco conjuntos de duplas. O seu timbre é agudo e muito melódico. O jeito de se tocar é diferente do violão: nós ponteamos a viola, usando o dedão e o indicador. Ela tem várias afinações, mas o violeiro usa muito a afinação 'solta', que são as cordas soltas batidas. Enquanto é necessário usar os dedos para fazer uma posição no violão, as cordas soltas da viola já fazem uma posição — explica.
— Elas descendem das violas de arame de Portugal, que vieram nas caravelas com os jesuítas. Até aquele momento nós só tínhamos por aqui a flauta de bambu, chocalho, e outros instrumentos parecidos, produzidos e usados pelos índios. Os jesuítas perceberam que o som da viola seduzia os índios e, por isso, a princípio ela foi utilizada na catequização — continua Chico.
— Mais tarde, quando foi surgindo o caboclo este começou a reinventar essa viola de arame de Portugal, construindo a sua própria viola, com madeira da região e tripa de animal, geralmente de macacos. Assim, foi evoluindo até se tornar a nossa viola de hoje, e se transformar em porta voz de uma cultura interiorana — acrescenta.
Segundo Chico, nesse momento começou a surgir o que chama de duas linhas importantes na cultura da viola: a viola caipira das modas de viola que cantavam as aventuras do caboclo ou a nostalgia do português, de um lugar ao outro naquele sertão que estava sendo povoado; e uma cultura devocional, que são, entre outras, a folia de reis, os pagamentos de promessas, as danças de São Gonçalo e as danças em volta da cruz.
— Essa cultura, que vive com toda força até hoje, viajava de um canto a outro do país, no lombo do burro, com os tropeiros. Mas com o tempo começou a se fixar, no nascimento dos primeiros arranchamentos, das fazendas, no momento áureo das fazendas cafeeiras. A viola começou a fixar uma cultura caipira que ela cantava, porque caipira, segundo os historiadores, é um termo que vem de duas palavras indígenas: o caa e o pie, que significa cortar mato, que era o que mais fazia o caboclo para abrir a estrada, a sua roça de mandioca ou a clareira para construir a sua casa — explica Chico.
— Dando um enorme pulo no tempo, por volta de 1920, essa viola começou a chegar na cidade grande, através do rádio e dos primeiros discos com alguns personagens como: Cornélio Pires, Capitão Furtado, que trouxeram essa música interiorana. A partir daí começou o apogeu da música caipira, nas décadas seguintes, com duplas como Pena Branca e Xavantinho, até um tempo mais recente, como Tonico e Tinoco e muitos outros — continua.
FALSA MÚSICA CAIPIRA
Chico Lobo conta que durante o tempo áureo da música caipira começaram a surgir as influências estrangeiras corrompendo alguns artistas que se propunham a cantar aquilo que passava a ser outra música, mas que continuavam a chamar caipira ou sertaneja, que é o termo mais usado atualmente. Vieram as influências paraguaias, mexicanas, e outras, até chegar a influência ianque, quando a viola foi trocada pela guitarra, que desemboca então no apogeu da dupla sertaneja desnacionalizada como: Zezé di Camargo e Luciano; Chitãozinho e Xoxoró, e muitos outros denominados por alguns críticos brasileiros de sertanojo ou breganojo.
— Para mim toda música tem o seu valor. Só não acho justo que se autodenominem de música sertaneja, música do coração do Brasil ou de música de raiz brasileira, quando isso não é verdade. Essa música chamada sertaneja, na verdade, não guarda raiz caipira, mas somente um pop romântico, com uma influência muito forte da cultura country. Sinceramente, essas duplas sertanejas não percebem o mal que elas fazem para a cultura brasileira — fala o violeiro.
— Costumo dizer que se pegarmos um disco dessas duplas que se autodenominam 'sertanejo', sem ser, encontramos dez histórias de amor que não deram certo, que a mulher traiu ou que o marido traiu, que separou — (Risos). E isso é muito diferente quando pegamos um disco da autêntica música caipira, que também canta o amor individual, a forte afeição pessoal, porém de uma forma mais rica e pura, próxima da maneira de ser do interior brasileiro, sem essa sexualidade exacerbada de hoje — comenta.
Para Chico, 'música sertaneja', das tais duplas milionárias, é algo comercial, que faz parte de uma violenta indústria do disco, promovidas para serem principalmente lucrativas. Sendo assim, qualquer disco, ao ser lançado, já vai tocar, à exaustão, em todas as grandes rádios do país que estão inseridas na estratégia das gravadoras.
Mas observa que o homem sertanejo, em muitos casos, que já ouviu a verdadeira música sertaneja/caipira, entende que esse produto comercial não é a sua música, mesmo sem entender a engrenagem que está por trás dessa estratégia.
— Isso é muito bacana, porque mostra o quanto as pessoas têm senso crítico, e esse é um dos motivos que faz com que a verdadeira música caipira resista à massificação — comenta Chico.
— Evidentemente que um produto de consumo, quando é bem lançado no mercado, pega porque é 'martelado' várias vezes na cabeça das pessoas. Mas nos dê um espaço mínimo que seja, e a nossa música é imediatamente assimilada pelas pessoas, porque acredito que a verdadeira música cultural brasileira, é quase uma ponte direta para o inconsciente de qualquer pessoa, se identifica, justamente por corresponder a um povo. A música caipira, e a música cultural em geral, têm essa função de identificador de um povo. — explica Chico.
— No caso da viola caipira, mesmo que a pessoa já viva em um grande centro urbano, tem um tio, avó... alguém na família com origem interiorana. Senão, de alguma forma irá se identificar. Por isso, quando fazemos um show em qualquer lugar do país, mesmo em grandes capitais, como o Rio de Janeiro, a nossa música é abraçada com um carinho enorme. Imagina, então, se tivéssemos o espaço que esses 'sertanejos' têm nos meios de comunicação — acrescenta com alegria.
Por causa da dominação estrangeira (também) na música sertaneja, alienando-a, é que Chico e outros músicos de viola caipira, preferem não chamá-la de sertaneja, mas caipira.
— Nós agora, infelizmente, temos que nos denominar caipiras, música regional, música raiz, porque do termo sertanejo, que lembra sertão, eles se apropriaram e já foi tão usado pelo monopólio dos meios de comunicação que não dá para usarmos mais — esclarece o músico.
— Assim como a autêntica música caipira sofre com o sertanejo, o samba de Paulinho da Viola, Dona Ivone Lara, Clementina de Jesus, e de tantos outros, sofre com os pagodes. E isso acontece também com outros ritmos. Mas devido a resistência de muitos artistas, estamos tomando o espaço que nos cabe — afirma com entusiasmo o violeiro.
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PERSISTÊNCIA BRASILEIRA
Segundo Chico, em meio à invasão e transformação da verdadeira música sertaneja em ritmo ianque, muitos artistas resistem.
— São artistas como Almir Satter e Rolando Boldrin. Há alguns anos o Almir levou a viola caipira para novelas das grandes redes de televisão. Com isso, muitos redescobriram ou tiveram a oportunidade de conhecer a viola. O Rolando manteve por muito tempo o Som Brasil, na própria TV Globo, um programa onde só se apresentavam autênticos artistas brasileiros, e que fez um sucesso gigantesco — dispara Chico.
O próprio Chico também levou a viola para a televisão:
— No ano passado gravei toques de viola para a novela América, da Globo, que apesar de ter sido uma história totalmente country, apresentou vinhetas que eu compus a pedido do Marcos Viana, que foi o compositor da trilha.
— A viola chega hoje em programas da Globo como o Globo Rural. Ela está retornando, passo a passo, mas eu prefiro que seja desse jeito, porque se explode como modismo, depois não se sustenta. E é impressionante ver os jovens enquanto assistem aos nossos shows, porque se identificam com a sua cultura mesmo e ficam maravilhados. São novos soldados que vamos ganhando — constata com alegria.
— Estamos vivendo um momento muito forte de recuperação da autêntica música popular brasileira, a que identifica um povo e sua aldeia, vamos dizer, a música cultural, através de um processo de resistência à desnacionalização que nos é imposta. Não estamos aceitando essa massificação da cultura que vem acontecendo em nosso país — diz severo.
— Olhando pelo lado dos povos terem acesso às suas culturas, é muito sadio ouvir os mais diversos ritmos, mas o doentio é aquilo que se presta para que uma cultura e uma ideologia se sobreponham às outras, alienando-as. É por esse processo de resistência à massificação da cultura que a viola vem recuperando o seu terreno, através dos espaços paralelos, cada vez maiores, que tem encontrado para estar trabalhando. — continua o violeiro.
Chico diz que já existem algumas rádios tocando as músicas de viola; uma revista especializada, em Belo Horizonte; vários artistas gravando de forma independente ou em selos e gravadoras especializadas em música cultural brasileira, como a Kuarup, por onde gravou seus últimos quatro CDs e o DVD; e também programas de TV, como o Viola Brasil, que ele apresenta já há três anos.
— O programa mergulha na tradição da viola caipira. Já foram mais de sessenta exibições apresentando violeiros, sem repetir —, acrescentando que seu programa vai ao ar pela TV Horizonte, MG, e em rede nacional pela STV, a cabo, em horários diversos, de acordo com a programação local.
Com esse espaço paralelo dá para sobreviver dignamente do seu trabalho de violeiro.
— Sobrevivo dos meus shows e venda dos meus discos, sendo que tenho três filhos. Essas gravadoras trabalham muito com venda pela internet, e algumas, como é o caso da Kuarup, têm distribuição em algumas lojas, de qualidade melhor, no Brasil inteiro. Verdadeiramente, a música de viola não foi apagada pela música eletrônica, pelo pop eletrônico — expõe Chico.
RIQUEZA E MUITOS CAUSOS
Chico Lobo recorda que a música caipira autêntica tem uma riqueza imensa em suas letras, que normalmente falam de amizade e compadrecidade, refletindo a imensa moral do homem que vive por suas próprias mãos, da mesma forma nos casos, em grande parte verídicos, narrativas de profunda poesia.
— São histórias que aconteceram com as criações, lá nas fazendas, no interior ou então são uns causos muito doidos — (risos) — em sua maioria ligados ao sobrenatural. Isso porque a viola é recheada de crenças e crendices da nossa tradição, da nossa cultura, como as fitas coloridas que carrega na viola — conta.
Explica Chico muito bem humorado:
— Além das fitas, todo violeiro que se preza usa o chocalho da cascavel dentro da viola, que serve como um amuleto para a sua proteção pessoal, contra qualquer sentimento negativo, de inveja, de ciúme etc., e também serve para alterar o som da viola. Segundo os caipiras, ele 'deferenceia' o som da viola — acrescenta.
E Chico ainda avisa aos mais medrosos:
— Se um dia você encontrar um violeiro que tenha uma fita preta pendurada na viola, corre dele porque é sinal de que fez pacto com o capeta, para se transformar em um grande violeiro —(risos). Eu mesmo já vi violeiro com a tal fita preta pendurada em sua viola — fala Chico.
E brinca:
— Os antigos contam que quem não tem dom jamais tocará viola, a não ser que faça uma simpatia ou entregue a alma ao capeta. O meu mestre Nelson Jacob, por exemplo, pegou uma cobra coral e passou nos dedos das mãos, sem deixar a cobra picar e a soltou. Não pode matar para não perder a magia. Imagina que durante dois meses a cobra o perseguiu tentando lhe picar para ter a magia de volta. Só depois que aprendeu uma reza com um outro violeiro mais velho, foi que conseguiu espantar a cobra.
E prossegue gozador:
— E tem um outro jeito também que pode ser mais fácil: a pessoa precisa encontrar na localidade, onde está enterrado o violeiro mais afamado, aquele que foi o melhor violeiro da região. Então ele vai até a cova do violeiro em uma sexta-feira, 13, santa, e de lua cheia, tem que coincidir tudo isso. Lá chegando, ele deve esticar as mãos, a partir da meia-noite e ficar rezando quanto for oração que ele conheça. Também contam que vem um espírito e entra na pessoa. Começa a entortar e quebrar os dedos. Se a pessoa agüentar assim até o galo cantar, no primeiro raio de sol da aurora, sairá dali um grande violeiro. Senão, é estudar muito! (risos), conhecer os violeiros dos grotões e toda a cultura da viola — aconselha.
Chico diz que isso não é exatamente lenda, mas a filosofia que faz parte do cotidiano do brasileiro caipira, das comunidades interioranas.
— Eu não canto uma música de museu. Essa cultura é antiga, mas atual. Se alguém sentar para conversar com um caipira, perceberá que ele sempre conta muitos causos, principalmente os de sobrenatural. Esses não faltam de jeito nenhum — explica Chico.
— Mas a folia de reis, a catira, a dança de São Gonçalo, a festa do mutirão, são festas em que as famílias se reúnem para fazer a colheita e auxiliar uma única família na mesma condição, em um sentimento do interior que chamamos compadricidade, um sentimento que traz em si valores sociais, de amizade, de união, que anda tão esquecido nos nossos dias, principalmente nas grandes cidades — conta.
— Depois de fazerem essa colheita, as famílias vão festejar, agradecendo o sucesso ao santo de devoção, com muita música de viola e muita dança. Isso está muito vivo no Brasil, atualmente, e vários artistas, nos quais eu me incluo, bebem dessa fonte, o seu manancial, a sua veia de inspiração para compor. Depois, processam e levam para os palcos, para os shows, para os discos — continua Chico.
GERAÇÕES E MUITO TRABALHO
A prova da recuperação do território da viola caipira é a sua redescoberta pela juventude
— Além de gostar de ouvir, hoje temos uma juventude imensa querendo tocar viola. Jovens de 16, 20, 25 anos, querendo conhecer o universo da viola. Creio que por dois motivos: porque não existe, para mim e muitas pessoas, outro instrumento que tenha um som tão maravilhoso quanto o da viola. O segundo motivo é a carga que ela traz de cultura brasileira no seu bojo, na sua história, na sua forma — define Chico.
— O jovem acaba querendo recuperar esse Brasil que ele não conhece, esse Brasil que ficou esquecido. Eu fiz parte de uma geração que foi nova, claro, e hoje já existe uma novíssima geração da viola, e a minha já está se transformando naquela que os jovens se espelham. Enquanto eu me espelhei nos meus mestres, alguns jovens já se espelham no meu trabalho, e se espelhando em mim conhecem também o trabalho dos nossos mestres antigos, que trago comigo — diz.
— Esses jovens geralmente não têm, de imediato, acesso aos violeiros antigos e a manifestações culturais, como as folias, as catiras, fandangos, batuques de viola, danças de São Gonçalo, toda essa cultura maravilhosa. Mas tendo acesso ao nosso trabalho, começa a se interessar por essa cultura, e mergulham nela— continua e emenda com firmeza..
— Para ser um bom violeiro não basta tocar viola. Ele precisa também conhecer, respeitar, valorizar, conviver, e ser porta voz dessa cultura popular tradicional da viola, rica e maravilhosa.
E Chico é sem dúvida, um excelente porta voz da cultura da viola. Além dos discos e do programa na TV, tem feito uma média de sete a oito shows mensais. Em janeiro e fevereiro, que normalmente só se fala em carnaval e samba, tivemos quatro, cinco shows.. No domingo de carnaval (2005), a pedido da Belotur, que é o órgão de turismo de Belo Horizonte, fizemos algo inusitado no Brasil: o 'Carnaviola', que é um carnaval com músicas de viola, batuques, calangos, arrasta-pés, mostrando esse lado festivo da nossa viola caipira— conta com muito entusiasmo.
Ele também participa de um projeto, do Sesc Minas Gerais, chamado Causos e Violas das Gerais, que viaja pelo interior do estado com shows de viola e com causos de todos os tipos. Com o projeto, já viajou por mais de dezoito cidades do interior de Minas Gerais.
— Costumo dizer para osjovens violeiros que estamos sempre incentivando, e melhor do que reclamar passivamente é trabalhar muito e trabalhos de qualidade, bem gravados e com uma parte gráfica bonita, porque a nossa música caipira de viola é muito nobre e temos que tratá-la com muita dignidade — finaliza o violeiro.
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