Nestes
dias em que a notícia internacional mais comentada é a renúncia do papa
Bento XVI, anunciada para o próximo dia 28 de fevereiro, um lugar
especial do Vaticano entrará em destaque mais uma vez: a Capela Sistina.
É lá que acontece a reunião (conclave) dos cardeais que vão eleger o
papa e é da chaminé do fogão da capela que sairá a fumaça escura ou
clara que apregoará a eleição ou não do novo dirigente da igreja
católica.
Quando se fala em Capela Sistina impossível não lembrar de um dos maiores gênios da humanidade, o homem que, sozinho, foi responsável pela obra de arte pintada no teto da capela construída pelo papa Sisto IV (daí Capela Sistina): Michelangelo Buonarroti. Nesta segunda-feira, dia 18 de fevereiro, completam-se exatos 449 anos de sua morte com quase 90 anos de idade.
Michelangelo nasceu em Florença no dia 6 de março de 1475. Era filho de Lodovico Simon Buonarroti e Francesca di Neri Buonarroti, que tiveram muitos outros filhos. Sua mãe faleceu quando ele tinha seis anos de idade. Como a família era pobre, o pai encaminhou os filhos para aprender alguns ofícios. Michelangelo aos 13 anos de idade foi aprender desenho e pintura no ateliê de Domenico Ghirlandaio, outro pintor da Renascença.
Desde muito cedo seu talento se destacou. Sua disciplina e capacidade de concentração fizeram com que ele rapidamente atingisse um estágio muito avançado nas artes levando seu mestre Ghirlandaio a reconhecer que Michelangelo era melhor que ele, como diz Giorgio Vasari, um dos primeiros historiadores da arte, em seu livro “Vida dos Artistas” publicado pela primeira vez em 1550. O livro foi publicado aqui no Brasil pela Editora Martins Fontes, em 2011.
Já E. H. Gombrich, no livro “A história da Arte” diz que Michelangelo estudou com Ghirlandaio mas preferiu dedicar-se ao estudo da obra dos mestres do passado como Ghiotto, Masaccio, Donatello. E dos escultores gregos e romanos. “Lhe intrigava como os antigos sabiam representar a beleza do corpo humano em movimento, com músculos e tendões”. Foi aprender as leis da anatomia do corpo humano, dissecando cadáveres, como o tinha feito Leonardo. E fez desenhos com modelo vivo. Ao contrário de Leonardo “para quem o homem era apenas um dos muitos e fascinantes enigmas da natureza” Michelangelo se dedicou basicamente à figura humana. “Não havia postura nem movimento que ele achasse difícil desenhar”, observa. As dificuldades o atraíam.
Lorenzo
de Medici, o poderoso homem da família Medici de Florença e patrono de
diversos artistas, abriu uma escola de escultura para onde Michelangelo
foi enviado. Adolescente, ele fez um busto de mármore usando como
referência uma escultura antiga. Lorenzo se surpreendeu com o talento do
garoto e resolveu lhe pagar um salário mensal como incentivo e ajuda a
seu pai. Enquanto isso, continua Vasari, ele estudou “durante muitos
meses” as pinturas de Masaccio, um dos primeiros grandes pintores
italianos junto com Giotto. É bom lembrar que a pintura italiana daquela
época era feita basicamente em afrescos (pintura feita diretamente na
parede com a massa ainda fresca).
Rapidamente a fama de Michelangelo cresceu e, junto com a fama, a inveja, observa Giorgio Vasari. Ao longo de sua vida, o artista passou por diversos entreveros com outros pintores e escultores. Ainda na escola de Lorenzo de Medici, seu colega Torrigiano deu-lhe um soco que lhe quebrou o nariz. Michelangelo levou essa marca até o fim da vida.
Seu temperamento era difícil, impaciente, explosivo. Não se dobrava para ninguém. Certo dia - conta-nos Vasari - um rico mercador florentino, Agnolo Doni, lhe encomendou uma pintura (que hoje está na Galeria degli Uffizi e se intitula “Tondo Doni”). Quando terminou a pintura, Michelangelo enviou-a através de um mensageiro, junto com a conta: 70 ducados. Agnolo, rico e avarento, achou muito caro para uma pintura e enviou-lhe 40 ducados. Michelangelo devolveu o dinheiro e mandou dizer que ou Agnolo pagava 100, ou queria a pintura de volta. Agnolo respondeu que então pagava os 70 ducados iniciais. Michelangelo respondeu-lhe que agora a pintura valia 140. Como o rico mercador queria muito a pintura, pagou os 140...
Logo ele fez o caminho que inúmeros artistas fizeram: mudou-se para Roma. Lá “fez tantos progressos no estudo da arte, que era incrível ver a facilidade com que punha em prática os elevados pensamentos e tornava facílimo tudo o que era difícil...”, observa Vasari.
Logo,
um abade, Jean Bilhères de Lagranles, encomendou a ele uma escultura
representando a “Piedade”. Michelangelo esculpiu sua famosa “Pietá” e
ele mesmo ficou tão satisfeito com o resultado de seu trabalho que
escreveu seu nome no cinto que cinge o peito de Maria, única assinatura
feita em suas obras. Sua fama aumenta mais ainda.
Seus amigos de Florença o convidam a voltar para aquela cidade. Um escultor tinha começado uma figura de um gigante em uma pedra e tinha cometido um erro que não dava mais pra corrigir. A pedra enorme estava abandonada. Michelangelo a pediu aos construtores de uma obra, que lhe deram sem nada cobrar. Ele fez um modelo em cera, representando o David da Bíblia bem jovem, com uma pedra na mão. “Fez um tapume de madeira e alvenaria ao redor do mármore e, trabalhando ininterruptamente, sem ser visto por ninguém, terminou tudo perfeitamente”. Estava executada em mármore sua famosa obra David.
Nesta época, Leonardo da Vinci, que era 23 anos mais velho que ele, pintava uma parede na Câmara de Vereadores de Florença. Piero Soderini, um dos administradores da cidade, pediu que Michelangelo pintasse a outra parede.
Em “A História da Arte”, Gombrich enfatiza que quando Michelangelo e Leonardo pintavam ao mesmo tempo essas paredes aconteceu o “momento espetacular na história da arte quando esses dois gigantes competiram pela conquista dos louros e toda a cidade assistiu com excitação ao desenrolar dos preparativos de ambos”.
Logo a fama dele chegou ao papa Júlio II, que lhe pediu a execução de um mausoleu, uma “ obra que em beleza, soberba e invenção superasse toda e qualquer sepultura imperial antiga”. Isso animou Michelangelo, que foi logo para Carrara escolher o melhor mármore. O modelo que ele fez para essa construção era repleto de figuras e adornos complexos. Conseguiu concluir a famosa escultura de Moisés, que faz parte do conjunto. Mas teve que interromper sua obra porque o papa lhe chamou para outra tarefa. Júlio II havia tomado de volta a cidade de Bologna dos Bentivoglio, e quis ter uma estátua que lembrasse esse feito.
Enquanto trabalhava nela, um ourives e pintor foi vê-la. Michelangelo não gostava que o vissem trabalhando, mas fez esse favor por intercessão de uns amigos. Alguém perguntou ao pintor o que ele tinha achado do trabalho de Michelangelo, ao que ele respondeu que a fundição era muito bonita. Michelangelo entendeu que ele elogiava mais o bronze do que seu trabalho e lhe disse: “Vai para o inferno, tu e Cossa, seus dois grandes ignorantes de arte!” Uma senhora da corte de Bologna também foi ver a estátua. Achou-a muito terrível e feroz e observou que ela mais parecia uma maldição do que uma bênção. Resposta de Michelangelo: “Para a maldição foi feita!”
.......
A pintura da Capela Sistina
Júlio
II era sobrinho do papa Sisto IV que havia construído uma capela dentro
do Vaticano, a hoje conhecida Capela Sistina. As paredes laterais já
tinham sido pintadas por artistas como Sandro Botticelli, Rafael e
Bernini. Por isso pediu a Michelangelo que pintasse o teto da capela,
que ainda estava todo branco e acertou de pagar ao artista o valor de 14
mil ducados por todo o trabalho.
No princípio, pelo tamanho da tarefa que tinha pela frente, Michelangelo pensou que podia contratar ajudantes, a quem ele iria ensinar como desenhar e pintar “aos artistas modernos”. Para isso, chamou alguns conhecidos pintores. Já na obra na capela, Michelangelo pediu-lhes que pintassem algumas figuras como amostra de seu trabalho. Não gostou do resultado. Certa manhã, diz Vasari, “resolveu lançar por terra tudo o que tinham feito”. E fechou a porta de capela Sistina para eles, que voltaram para Florença. Michelangelo resolveu pintar tudo sozinho.
.
Lançou-se
ao estudo e ao trabalho de forma incansável, durante quatro anos. Ele
“tinha de deitar-se de costas e pintar olhando para cima”, diz Gombrich,
e com isso seu corpo sofreu muito e ele ficou tão acostumado a
trabalhar deitado e olhando para cima que até mesmo para ler cartas ele
tinha que fazer nessa posição. A capela tinha poucas e estreitas janelas
e a luminosidade é pouca. Mas quando se olha para cima, diz Gombrich,
“o teto é simples e harmonioso”, é “límpido todo o arranjo” e as cores
“fortes e luminosas”.
Enquanto ele trabalhava, ninguém podia ver o que fazia. Nem o papa. Mas Júlio II estava muito curioso para ver em que pé ia o trabalho do artista. Pensando que Michelangelo estava fora, pediu que lhes abrissem a porta da Capela. Mas nem deu o primeiro passo lá dentro, quando Michelangelo, que trabalhava em um dos andaimes, começou a atirar-lhe pedaços de madeira nas costas. Júlio II saiu correndo, com raiva e medo, e “fazendo ameaças”. Michelangelo desceu do andaime e entregou a chave da porta da capela para Bramante de Urbino, um arquiteto, e foi-se embora para Florença. Ouviu do papa coisas que o tinham ofendido muito e por isso não voltaria a Roma nunca mais.
Mas, diante dos pedidos de diversas pessoas, e não querendo que uma obra como aquela ficasse inacabada, Júlio II resolveu perdoar Michelangelo e o chamou de volta. Vasari completa que Michelangelo estava “firmemente decidido a não voltar, pois não confiava no papa.” Mas os apelos foram feitos e o pintor resolveu voltar e retomar seu trabalho. O papa, a partir de então, o tratou sempre com “presentes e lisonjas”. Michelangelo terminou a obra.
Sobre essa tarefa artística que exigia um gênio para executá-la, resumiu Giorgio Vasari:
“Ó feliz idade esta nossa, ó bem aventurados artistas, pois assim vos deveis chamar, uma vez que em vosso tempo pudestes aclarar as tenebrosas luzes dos olhos na fonte de tanta claridade e assim enxergar tudo o que era difícil, aplanado por tão maravilhoso e singular artista: sem dúvida a glória de seus esforços vo-lo dá a conhecer e honrar, pois arrancou de vós a venda que tínheis diante dos olhos da mente, tão cheia de trevas, e levantou o véu da falsidade que vos turvava as belíssimas estâncias do intelecto. Por isso, deveis agradecer ao céu e esforçar-vos por imitar Michelangelo em todas as coisas.”
Completada
a pintura do teto e da parede frontal da Capela Sistina, Michelangelo
voltou a trabalhar na sepultura, que era mais de seu interesse porque
ele sempre se disse escultor e não pintor. Enquanto isso, Júlio II
morreu e mais uma vez a obra foi suspensa, por ordem do papa eleito Leão
X, que preferia que Michelangelo fizesse a fachada de uma igreja em
Florença. Diversos outros artistas desejavam executar essa obra, mas
Michelangelo “não quis a participação de ninguém mais”.
Morreu Leão X, surgiu o papa Clemente VII, que pediu que Michelangelo desta vez pintasse a fachada da Capela de Sisto. Assim que o artista começou a fazer os esboços da fachada, o papa morreu. Sucedeu-lhe Paulo III, amigo de Michelangelo. Este pediu que a obra fosse concluida, pagando a Michelangelo um salário mensal. Estava quase terminando seu trabalho, quando o papa quis ver a pintura. O mestre de cerimônias que acompanhou o papa reclamou que havia muitos nus. O artista não esqueceu isso e pintou o rosto dele “no inferno, na figura de Minos, entre um monte de diabos”, observa Vasari.
Trabalhando nessa obra, Michelangelo caiu do andaime e machucou a perna. Com muita dor e raiva “não quis que ninguém a tratasse”. Mas ele tinha um amigo médico, Baccio Rontini, que ao saber disso foi até ele. Não saiu de perto do amigo e tratou a perna machucada até que ele ficou curado.
Michelangelo era um trabalhador incansável e levava muito a sério cada obra que lhe era encomendada. Mesmo que tenha tido uma vida tranquila do ponto de vista financeiro, detestava a vida nas cortes e os poucos amigos que tinha eram seus colegas de trabalho e profissão. Ajudava financeiramente seus parentes, mas sempre manteve uma certa distância da família. Sempre que algum artista recorria a ele, Michelangelo “sempre que pôde ajudou”. Vasari completa que ele “nunca criticou as obras alheias, a não ser depois de ter sido espicaçado ou ferido.” Teve dois ou três aprendizes. Nunca se casou. Quando já idoso, aceitou como aprendiz a Francesco di Bernardino d’Amadore, que passou a servir e a cuidar dele.
Michelangelo
Buonarroti era avesso à convivência social e sua dedicação à arte era
absoluta. Ele dizia mesmo que conviver pouco com os outros era garantia
de viver em paz e que “não gostava de gente que parecia esgoto”, ou
seja, “que fala como se tivesse duas bocas”. Vasari conta também que
“quando um amigo lhe perguntou o que achava de alguém que fizera
réplicas de mármore de algumas das mais celebradas figuras antigas,
gabando-se o imitador de que superara em muito os antigos, Michelangelo
respondeu: ‘Quem anda atrás dos outros nunca os ultrapassa’.”
Gombrich completa dizendo que Michelangelo, já idoso, “enquanto príncipes e pontífices rivalizavam em ofertas” para ele, ele se tornava cada vez mais ensimesmado e mais exigente consigo mesmo. Escrevia poemas, e em algumas cartas escritas se vê que “quanto mais subia na estima do mundo, mais amargo e intransigente se tornava.” Era amado e temido ao mesmo tempo, pois tinha um temperamento forte e não perdoava ninguém, superior ou inferior.
Giorgio Vasari que, além de historiador da arte, também foi pintor explica que “a arte exige pensamento, solidão e comodidade, e não uma mente que vaga e se desvia no comércio humano. Assim, ele (Michelangelo) não falhou consigo mesmo e com seu trabalho deu grande proveito a todos os artistas”.
Michelangelo morreu em Roma no dia 18 de fevereiro de 1564.
Quando se fala em Capela Sistina impossível não lembrar de um dos maiores gênios da humanidade, o homem que, sozinho, foi responsável pela obra de arte pintada no teto da capela construída pelo papa Sisto IV (daí Capela Sistina): Michelangelo Buonarroti. Nesta segunda-feira, dia 18 de fevereiro, completam-se exatos 449 anos de sua morte com quase 90 anos de idade.
Michelangelo nasceu em Florença no dia 6 de março de 1475. Era filho de Lodovico Simon Buonarroti e Francesca di Neri Buonarroti, que tiveram muitos outros filhos. Sua mãe faleceu quando ele tinha seis anos de idade. Como a família era pobre, o pai encaminhou os filhos para aprender alguns ofícios. Michelangelo aos 13 anos de idade foi aprender desenho e pintura no ateliê de Domenico Ghirlandaio, outro pintor da Renascença.
Desde muito cedo seu talento se destacou. Sua disciplina e capacidade de concentração fizeram com que ele rapidamente atingisse um estágio muito avançado nas artes levando seu mestre Ghirlandaio a reconhecer que Michelangelo era melhor que ele, como diz Giorgio Vasari, um dos primeiros historiadores da arte, em seu livro “Vida dos Artistas” publicado pela primeira vez em 1550. O livro foi publicado aqui no Brasil pela Editora Martins Fontes, em 2011.
Já E. H. Gombrich, no livro “A história da Arte” diz que Michelangelo estudou com Ghirlandaio mas preferiu dedicar-se ao estudo da obra dos mestres do passado como Ghiotto, Masaccio, Donatello. E dos escultores gregos e romanos. “Lhe intrigava como os antigos sabiam representar a beleza do corpo humano em movimento, com músculos e tendões”. Foi aprender as leis da anatomia do corpo humano, dissecando cadáveres, como o tinha feito Leonardo. E fez desenhos com modelo vivo. Ao contrário de Leonardo “para quem o homem era apenas um dos muitos e fascinantes enigmas da natureza” Michelangelo se dedicou basicamente à figura humana. “Não havia postura nem movimento que ele achasse difícil desenhar”, observa. As dificuldades o atraíam.
Tondo Doni, pintada para Agnelo Doni |
Rapidamente a fama de Michelangelo cresceu e, junto com a fama, a inveja, observa Giorgio Vasari. Ao longo de sua vida, o artista passou por diversos entreveros com outros pintores e escultores. Ainda na escola de Lorenzo de Medici, seu colega Torrigiano deu-lhe um soco que lhe quebrou o nariz. Michelangelo levou essa marca até o fim da vida.
Seu temperamento era difícil, impaciente, explosivo. Não se dobrava para ninguém. Certo dia - conta-nos Vasari - um rico mercador florentino, Agnolo Doni, lhe encomendou uma pintura (que hoje está na Galeria degli Uffizi e se intitula “Tondo Doni”). Quando terminou a pintura, Michelangelo enviou-a através de um mensageiro, junto com a conta: 70 ducados. Agnolo, rico e avarento, achou muito caro para uma pintura e enviou-lhe 40 ducados. Michelangelo devolveu o dinheiro e mandou dizer que ou Agnolo pagava 100, ou queria a pintura de volta. Agnolo respondeu que então pagava os 70 ducados iniciais. Michelangelo respondeu-lhe que agora a pintura valia 140. Como o rico mercador queria muito a pintura, pagou os 140...
Logo ele fez o caminho que inúmeros artistas fizeram: mudou-se para Roma. Lá “fez tantos progressos no estudo da arte, que era incrível ver a facilidade com que punha em prática os elevados pensamentos e tornava facílimo tudo o que era difícil...”, observa Vasari.
Pietá, escultura em mármore |
Seus amigos de Florença o convidam a voltar para aquela cidade. Um escultor tinha começado uma figura de um gigante em uma pedra e tinha cometido um erro que não dava mais pra corrigir. A pedra enorme estava abandonada. Michelangelo a pediu aos construtores de uma obra, que lhe deram sem nada cobrar. Ele fez um modelo em cera, representando o David da Bíblia bem jovem, com uma pedra na mão. “Fez um tapume de madeira e alvenaria ao redor do mármore e, trabalhando ininterruptamente, sem ser visto por ninguém, terminou tudo perfeitamente”. Estava executada em mármore sua famosa obra David.
David |
Nesta época, Leonardo da Vinci, que era 23 anos mais velho que ele, pintava uma parede na Câmara de Vereadores de Florença. Piero Soderini, um dos administradores da cidade, pediu que Michelangelo pintasse a outra parede.
Em “A História da Arte”, Gombrich enfatiza que quando Michelangelo e Leonardo pintavam ao mesmo tempo essas paredes aconteceu o “momento espetacular na história da arte quando esses dois gigantes competiram pela conquista dos louros e toda a cidade assistiu com excitação ao desenrolar dos preparativos de ambos”.
Logo a fama dele chegou ao papa Júlio II, que lhe pediu a execução de um mausoleu, uma “ obra que em beleza, soberba e invenção superasse toda e qualquer sepultura imperial antiga”. Isso animou Michelangelo, que foi logo para Carrara escolher o melhor mármore. O modelo que ele fez para essa construção era repleto de figuras e adornos complexos. Conseguiu concluir a famosa escultura de Moisés, que faz parte do conjunto. Mas teve que interromper sua obra porque o papa lhe chamou para outra tarefa. Júlio II havia tomado de volta a cidade de Bologna dos Bentivoglio, e quis ter uma estátua que lembrasse esse feito.
Enquanto trabalhava nela, um ourives e pintor foi vê-la. Michelangelo não gostava que o vissem trabalhando, mas fez esse favor por intercessão de uns amigos. Alguém perguntou ao pintor o que ele tinha achado do trabalho de Michelangelo, ao que ele respondeu que a fundição era muito bonita. Michelangelo entendeu que ele elogiava mais o bronze do que seu trabalho e lhe disse: “Vai para o inferno, tu e Cossa, seus dois grandes ignorantes de arte!” Uma senhora da corte de Bologna também foi ver a estátua. Achou-a muito terrível e feroz e observou que ela mais parecia uma maldição do que uma bênção. Resposta de Michelangelo: “Para a maldição foi feita!”
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Paredes internas e teto da Capela Sistina |
O papa Júlio II, pintura de Rafael |
No princípio, pelo tamanho da tarefa que tinha pela frente, Michelangelo pensou que podia contratar ajudantes, a quem ele iria ensinar como desenhar e pintar “aos artistas modernos”. Para isso, chamou alguns conhecidos pintores. Já na obra na capela, Michelangelo pediu-lhes que pintassem algumas figuras como amostra de seu trabalho. Não gostou do resultado. Certa manhã, diz Vasari, “resolveu lançar por terra tudo o que tinham feito”. E fechou a porta de capela Sistina para eles, que voltaram para Florença. Michelangelo resolveu pintar tudo sozinho.
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Capela Sistina |
Enquanto ele trabalhava, ninguém podia ver o que fazia. Nem o papa. Mas Júlio II estava muito curioso para ver em que pé ia o trabalho do artista. Pensando que Michelangelo estava fora, pediu que lhes abrissem a porta da Capela. Mas nem deu o primeiro passo lá dentro, quando Michelangelo, que trabalhava em um dos andaimes, começou a atirar-lhe pedaços de madeira nas costas. Júlio II saiu correndo, com raiva e medo, e “fazendo ameaças”. Michelangelo desceu do andaime e entregou a chave da porta da capela para Bramante de Urbino, um arquiteto, e foi-se embora para Florença. Ouviu do papa coisas que o tinham ofendido muito e por isso não voltaria a Roma nunca mais.
Mas, diante dos pedidos de diversas pessoas, e não querendo que uma obra como aquela ficasse inacabada, Júlio II resolveu perdoar Michelangelo e o chamou de volta. Vasari completa que Michelangelo estava “firmemente decidido a não voltar, pois não confiava no papa.” Mas os apelos foram feitos e o pintor resolveu voltar e retomar seu trabalho. O papa, a partir de então, o tratou sempre com “presentes e lisonjas”. Michelangelo terminou a obra.
Sobre essa tarefa artística que exigia um gênio para executá-la, resumiu Giorgio Vasari:
“Ó feliz idade esta nossa, ó bem aventurados artistas, pois assim vos deveis chamar, uma vez que em vosso tempo pudestes aclarar as tenebrosas luzes dos olhos na fonte de tanta claridade e assim enxergar tudo o que era difícil, aplanado por tão maravilhoso e singular artista: sem dúvida a glória de seus esforços vo-lo dá a conhecer e honrar, pois arrancou de vós a venda que tínheis diante dos olhos da mente, tão cheia de trevas, e levantou o véu da falsidade que vos turvava as belíssimas estâncias do intelecto. Por isso, deveis agradecer ao céu e esforçar-vos por imitar Michelangelo em todas as coisas.”
A criação de Adão, detalhe do teto da Capela Sistina pintado por Michelangelo |
Moisés, uma das esculturas do conjunto do Mausoléu para Júlio II |
Morreu Leão X, surgiu o papa Clemente VII, que pediu que Michelangelo desta vez pintasse a fachada da Capela de Sisto. Assim que o artista começou a fazer os esboços da fachada, o papa morreu. Sucedeu-lhe Paulo III, amigo de Michelangelo. Este pediu que a obra fosse concluida, pagando a Michelangelo um salário mensal. Estava quase terminando seu trabalho, quando o papa quis ver a pintura. O mestre de cerimônias que acompanhou o papa reclamou que havia muitos nus. O artista não esqueceu isso e pintou o rosto dele “no inferno, na figura de Minos, entre um monte de diabos”, observa Vasari.
Trabalhando nessa obra, Michelangelo caiu do andaime e machucou a perna. Com muita dor e raiva “não quis que ninguém a tratasse”. Mas ele tinha um amigo médico, Baccio Rontini, que ao saber disso foi até ele. Não saiu de perto do amigo e tratou a perna machucada até que ele ficou curado.
Michelangelo era um trabalhador incansável e levava muito a sério cada obra que lhe era encomendada. Mesmo que tenha tido uma vida tranquila do ponto de vista financeiro, detestava a vida nas cortes e os poucos amigos que tinha eram seus colegas de trabalho e profissão. Ajudava financeiramente seus parentes, mas sempre manteve uma certa distância da família. Sempre que algum artista recorria a ele, Michelangelo “sempre que pôde ajudou”. Vasari completa que ele “nunca criticou as obras alheias, a não ser depois de ter sido espicaçado ou ferido.” Teve dois ou três aprendizes. Nunca se casou. Quando já idoso, aceitou como aprendiz a Francesco di Bernardino d’Amadore, que passou a servir e a cuidar dele.
Detalhe de um dos nus pintados por Michelangelo na Capela Sistina |
Gombrich completa dizendo que Michelangelo, já idoso, “enquanto príncipes e pontífices rivalizavam em ofertas” para ele, ele se tornava cada vez mais ensimesmado e mais exigente consigo mesmo. Escrevia poemas, e em algumas cartas escritas se vê que “quanto mais subia na estima do mundo, mais amargo e intransigente se tornava.” Era amado e temido ao mesmo tempo, pois tinha um temperamento forte e não perdoava ninguém, superior ou inferior.
Giorgio Vasari que, além de historiador da arte, também foi pintor explica que “a arte exige pensamento, solidão e comodidade, e não uma mente que vaga e se desvia no comércio humano. Assim, ele (Michelangelo) não falhou consigo mesmo e com seu trabalho deu grande proveito a todos os artistas”.
Michelangelo morreu em Roma no dia 18 de fevereiro de 1564.
Estudo para o Adão de "A Criação de Adão", da Capela Sistina |
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