A Fundação Mapfre abriu em Madrid, Espanha, uma exposição, no mês de
setembro, que leva àquela cidade cerca de 100 obras dos pintores
italianos conhecidos como Il Macchiaioli.
Os Macchiaioli foram artistas rebeldes que viveram na Florença do
século XIX, especificamente por volta de 1855, todos de origem toscana,
mas também haviam aqueles que vinham de Veneza e Nápoles.
GIOVANNI BOLDINI: Retrato de Diego Martelli, 1865 |
Macchiaioli
significa exatamente “manchista”, uma designação de cunho pejorativo
que foi usado para designar o que eram esses pintores rebeldes à
academia. O termo foi cunhado em 1862 por um jornalista da “Gazzetta del
Popolo”, com o sentido de zombar desses artistas anti-acadêmicos da
pintura italiana. Depois eles mesmos adotaram esse título e o utilizavam
para designar-se. Estes artistas representaram uma renovação na pintura
italiana, pois em sua poética realista romperam com o neoclassicismo e
com o romantismo que dominavam as academias e ateliês italianos. Os
Macchiaioli são considerados, na Itália, os iniciadores da pintura
moderna italiana.
O
Museu d’Orsay, de Paris, fez uma primeira mostra desses artistas
italianos, contemporâneos dos impressionistas franceses. E a partir do
mês de outubro indo até janeiro de 2014, esta mostra se encontra na
cidade de Madrid, Espanha, patrocinada pela Fundação Mapfre.
ODOARDO BORRANI: Carroça vermelha em Castiglioncello, 1865-66 |
Foi
no Caffè Michelangelo em Florença que um grupo de pintores, reunidos em
torno do crítico Diego Martelli, deu início ao movimento. A preocupação
desses artistas era com a renovação da pintura italiana. Eles
criticavam fortemente o purismo acadêmico dos pintores neoclássicos e
românticos, e defendiam que a imagem do real deveria ser apresentada
como um contraste de cores, de sombra e de luz. Por ironia do destino, o
Caffè Michelangelo ficava a poucos metros da Academia Florentina de
Belas Artes, que foi recebendo pouco a pouco - da parte dos jovens
macchiaioli - apelidos como “quartel de inválidos”, “semeador de
mediocridade”, “cemitério da arte”, etc.
FEDERICO ZANDOMENEGHI: Retrato de Diego Martelli com gorro vermelho, 1879 |
Nesse
Café - diz o catálogo da exposição de Madrid - se reuniam os mais
“turbulentos da cidade. Os realistas irrompiam com ímpeto desde a Via de
Pucci - onde haviam comido pouco e mal na taberna de Gigi Porco - e
entravam ruidosamente na Via Larga em direção ao Caffè Michelangelo.
Para seus estômagos, acostumados à lenta e pesada digestão de burro
cozido, e para seus nervos à flor da pele, até o café se tornava uma
bebida insípida. Em agitação coletiva, misturavam rum ao café, bebida
que tinha virado moda entre jovens pobres. Os alunos da Academia
atravessavam a rua para não ter que cruzar com eles”.
Os
jovens frequentadores do Café não só conheciam as ideias que
fermentavam naquela Itália em mudança, como participavam ativamente de
todo o processo, muitos deles com sacrifícios pessoais. E à mudança que
eles reclamavam na estrutura da sociedade era a mudança que queriam
implementar no campo da arte. Alguns deles participaram como voluntários
em 1848 na Batalha de Curtatone, por exemplo. E Telêmaco Signorini, um
destes pintores rebeldes, se alistou como voluntário na artilharia, em
1859. Mas em 1862, enquanto seguia a Garibaldi na tomada de Aspromonte,
seu pai faleceu. Signorini escreveu em seu diário: “Aspromonte. Morre
meu pai de câncer, precisamente quando eu pensava em ir para Gênova com
Garibaldi. Deixo o ateliê e a casa com minha mãe e meu irmão de 11 anos.
Volto a ter um ateliê na Via Salvestrina e casa fora da Porta da Cruz,
na Torre Guelfa. Faço um curso em Arno com Lega, Langlade e Madier.
Fundamos a Escola de Pergentina e pinto o quadro ‘Ditosas são as
galinhas que não vão ao colégio’”.
TELÊMACO SIGNORINI: La sirga, 1864 |
Assim
como ele, diversos outros foram voluntários na artilharia e
participaram ativamente das campanhas de unificação da Itália. Mas
passadas as batalhas e uma vez a Itália sendo unificada, esses pintores
desejavam agora representar a nova Itália, como um país que se descobre a
si mesmo, sua própria força, sua tradição.
SILVESTRO LEGA: Cantando uma canção, 1867 |
Com
a unificação da Itália como um país, o que ocorreu no século XIX, foi
feita uma Exposição Nacional em Florença. Nesse período, ficou clara a
divisão entre a escola acadêmica e os macchiaioli. A polêmica se
estabeleceu entre eles, não só do ponto de vista artístico, mas que
abrangia toda uma visão cultural e política. Para os bravos macchiaioli,
não podia haver diferença entre pintar quadros e derramar sangue nos
campos de batalha. Esses jovens pintores sonhavam com uma nova Itália.
A
palavra “tradição” - diz a apresentação do catálogo da exposição de
Madrid - podia soar como uma blasfêmia para os ouvidos dos macchiaioli.
Eles consideravam que a juventude de toda a Europa deveria erradicar
todos os velhos sistemas políticos, educacionais e militares, para
substitui-los através da construção e do advento de uma nova era.
Giuseppe Mazzini, um dos líderes e pensadores desses movimentos de
rebeldia que inspiravam os macchiaioli, chegou a criar uma organização
chamada “Jovem Europa”, à qual não podiam pertencer pessoas com mais de
30 anos de idade. Essa organização, mais tarde, aglutinou em torno de si
as melhores inteligências democráticas, que intentavam destruir o status quo,
não somente do ponto de vista de uma revolução nacional, mas sobretudo
internacional. Claro que os conservadores de todas as classes detestavam
essas ideias e esse líder dos jovens italianos. (Giuseppe Mazzini foi
um revolucionário e patriota italiano, fervoroso republicano e
combatente pela unificação da Itália, assim como Giuseppe Garibaldi.)
GIUSEPPE ABBATI: Interior do claustro de Santa Cruz em Florença, 1861-62 |
Mas
os macchiaioli viveram e morreram na pobreza. Mantendo-se coerentes por
toda a vida, eles sempre se mantiveram críticos em relação ao mundo.
Capítulo
à parte merece a velha disputa sobre a relação entre eles e os
impressionistas franceses, destaca o catálogo. A verdade é que eles
mantiveram uma estreita, fecunda e contínua relação. O texto da
exposição madrilenha complementa: “Foi talvez o destino diferente de
seus itinerários que fez a diferença real entre os impressionistas
franceses e os macchiaioli”. Por parte da França, um reconhecimento
grande de seus artistas; da parte da Itália, o esquecimento dos
macchiaioli. Enquanto esta escola foi se extinguindo, no Grand Café du
Boulevard des Capucines - outro café! - em Paris, os irmãos Lumière já
faziam as primeiras experiências com o cinema. Vale salientar que a
pintura dos Macchiaioli teve bastante influência em cineastas italianos,
como Luccino Visconti e Mauro Bolognini, que encontraram nela uma
inspiração iconográfica e uma linguagem especial da imagem.
GIOVANNI FATTORI: Soldados franceses de 1859, 1859 |
GIOVANNI BOLDINI: Autorretrato, 1892 |
Participavam
desse grupo dos Macchiaioli: Serafino di Tivoli, Eugenio Cecconi,
Edward Borrani, Sernesi Raphael, Nicholas Cannicci, Egisto Ferroni,
Adriano Cecioni, Giuseppe Abbati, Eugenio Prati, Veronese Vincenzo
Cabianca, Domenico Caligo, Giovanni Fattori, Silvestro Lega e Telêmaco
Signorini. Em seguida, juntaram-se nesta direção os pintores John
Bartolena, Leonetto Cappiello, Vittorio Matteo Corcos, Michele Paris,
Oscar Ghiglia, Francesco Gioli, Luigi Gioli, Ulvi Liege, Guglielmo
Micheli, Alfredo Müller, Plinio Nomellini, Simi Filadelfo, Adolfo
Tommasi, Angiolo Tommasi, Ludovico Tommasi, Lorenzo Viani, Llewelyn
Lloyd e Raphael Gambogi.
Além
deles, Giovanni Boldini. Em 1862, retratista já conhecido, ele se
instala em Florença para completar seus estudos na Academia. Mas ele
logo entra em contato com os macchiaioli e também se junta ao grupo em
torno do crítico Diego Martelli, que contribuiu para popularizar na
Itália os princípios do impressionismo francês.
A mostra intitulada “Os
Macchiaioli - realismo impressionista na Itália”, está sendo
co-produzida pela Fundação Mapfre e pelos Museus parisienses d’Orsay e
de L’Orangerie. As 100 obras são procedentes de coleções públicas e
particulares italianas. É a primeira exposição realizada na Espanha em
torno do movimento dos Macchiaioli, que também influenciaram a pintura
espanhola do final do século XIX. Entre eles, o pintor espanhol Mariano
Fortuny, que terá algumas de suas obras nesta exposição.
MARIANO FORTUNY: Velho desnudo ao sol, 1863 |
Nenhum comentário:
Postar um comentário