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quarta-feira, 20 de julho de 2011

Teatro Oficina

MinC homologa o tombamento de uma das maiores referências culturais do país
A ministra da Cultura, Ana de Hollanda, homologou o tombamento do Teatro Oficina, um dos mais importantes do Brasil, localizado no bairro da Bela Vista, em São Paulo. A portaria nº 62 foi publicada no Diário Oficial da União desta segunda-feira, 18 de julho, e ratifica a recomendação feita pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural na sua 64ª reunião, ocorrida em 24 de junho de 2010. O teatro foi fundado em 1958 por um grupo de estudantes de Direito, dentre eles, José Celso Martinez Corrêa, hoje o principal diretor do Oficina.
Com a decisão, o nome Teatro Oficina Uzyna Uzona será acrescido ao livro do Tombo Histórico e no Livro do Tombo das Belas Artes, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), vinculado ao Ministério da Cultura, e passará a contar com todas as prerrogativas do Decreto-Lei nº 25, como, por exemplo, a impossibilidade de ser demolido, restaurado, pintado ou reparado sem autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
A ministra Ana de Hollanda lembrou o caráter revolucionário do Teatro e do grupo Oficina. “Esse teatro e o grupo liderado por Zé Celso revolucionaram São Paulo a partir da década de 1960 como um teatro de resistência política e cultural, muita ousadia, inovando a linguagem. O grupo oficina mantém-se vivo e atuante, sendo respeitado no mundo inteiro. Acho ótimo ter tido a chance de ratificar a recomendação do Iphan e homologado esse tombamento, de forma a transformar esse espaço em Patrimônio Cultural Brasileiro”, afirmou a ministra.
História
Aos 53 anos, o Teatro Oficina foi fundado por alunos da Escola de Direito do Largo do São Francisco, na capital paulista. Na década de 60, o local serviu para que seus integrantes absorvessem toda a experiência cênica internacional e lançassem o movimento cultural do Tropicalismo, estética ligada ao movimento antropofágico de Oswald de Andrade e que influenciou músicos, poetas e outros artistas brasileiros. O movimento foi inaugurado com a montagem e adaptação do texto “O Rei da Vela”, do próprio Oswald de Andrade, em 1967.
Em 1982, o local foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat). Com a reformulação realizada em 1984, passou a se chamar Teatro Oficina Uzyna Uzona. O projeto foi assinado por Lina Bo Bardi, arquiteta do Masp.
A próxima estreia do Teatro Oficina é a peça Macumba Antropófaga, de Zé Celso Martinez, em 16 de agosto. A montagem foi encenada durante a Flip 2011. O Teatro Oficina fica na Rua Jaceguai, 520, no Bixiga, em São Paulo.


(Texto: Marcos Agostinho, Ascom/MinC)

sexta-feira, 15 de julho de 2011

“O socialismo é uma doutrina triunfante”



Por Joana Tavares, do Brasil de Fato

Aos 93 anos, Antonio Candido explica a sua concepção de socialismo, fala sobre literatura e revela não se interessar por novas obras

Crítico literário, professor, sociólogo, militante. Um adjetivo sozinho não consegue definir a importância de Antonio Candido para o Brasil. Considerado um dos principais intelectuais do país, ele mantém a postura socialista, a cordialidade, a elegância, o senso de humor, o otimismo. Antes de começar nossa entrevista, ele diz que viveu praticamente todo o conturbado século 20. E participou ativamente dele, escrevendo, debatendo, indo a manifestações, ajudando a dar lucidez, clareza e humanidade a toda uma geração de alunos, militantes sociais, leitores e escritores.

Tão bom de prosa como de escrita, ele fala sobre seu método de análise literária, dos livros de que gosta, da sua infância, do começo da sua militância, da televisão, do MST, da sua crença profunda no socialismo como uma doutrina triunfante. “O que se pensa que é a face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele”, afirma.

Brasil de Fato – Nos seus textos é perceptível a intenção de ser entendido. Apesar de muito erudito, sua escrita é simples. Por que esse esforço de ser sempre claro?
Antonio Candido – Acho que a clareza é um respeito pelo próximo, um respeito pelo leitor. Sempre achei, eu e alguns colegas, que, quando se trata de ciências humanas, apesar de serem chamadas de ciências, são ligadas à nossa humanidade, de maneira que não deve haver jargão científico. Posso dizer o que tenho para dizer nas humanidades com a linguagem comum. Já no estudo das ciências humanas eu preconizava isso. Qualquer atividade que não seja estritamente técnica, acho que a clareza é necessária inclusive para pode divulgar a mensagem, a mensagem deixar de ser um privilégio e se tornar um bem comum.

O seu método de análise da literatura parte da cultura para a realidade social e volta para a cultura e para o texto. Como o senhor explicaria esse método?
Uma coisa que sempre me preocupou muito é que os teóricos da literatura dizem: é preciso fazer isso, mas não fazem. Tenho muita influência marxista – não me considero marxista – mas tenho muita influência marxista na minha formação e também muita influência da chamada escola sociológica francesa, que geralmente era formada por socialistas. Parti do seguinte princípio: quero aproveitar meu conhecimento sociológico para ver como isso poderia contribuir para conhecer o íntimo de uma obra literária. No começo eu era um pouco sectário, politizava um pouco demais minha atividade. Depois entrei em contato com um movimento literário norte-americano, a nova crítica, conhecido como new criticism. E aí foi um ovo de colombo: a obra de arte pode depender do que for, da personalidade do autor, da classe social dele, da situação econômica, do momento histórico, mas quando ela é realizada, ela é ela. Ela tem sua própria individualidade. Então a primeira coisa que é preciso fazer é estudar a própria obra. Isso ficou na minha cabeça. Mas eu também não queria abrir mão, dada a minha formação, do social. Importante então é o seguinte: reconhecer que a obra é autônoma, mas que foi formada por coisas que vieram de fora dela, por influências da sociedade, da ideologia do tempo, do autor. Não é dizer: a sociedade é assim, portanto a obra é assim. O importante é: quais são os elementos da realidade social que se transformaram em estrutura estética.

Me dediquei muito a isso, tenho um livro chamado “Literatura e sociedade” que analisa isso. Fiz um esforço grande para respeitar a realidade estética da obra e sua ligação com a realidade. Há certas obras em que não faz sentido pesquisar o vínculo social porque ela é pura estrutura verbal. Há outras em que o social é tão presente – como “O cortiço” [de Aluísio Azevedo] – que é impossível analisar a obra sem a carga social. Depois de mais maduro minha conclusão foi muito óbvia: o crítico tem que proceder conforme a natureza de cada obra que ele analisa. Há obras que pedem um método psicológico, eu uso; outras pedem estudo do vocabulário, a classe social do autor; uso. Talvez eu seja aquilo que os marxistas xingam muito que é ser eclético. Talvez eu seja um pouco eclético, confesso. Isso me permite tratar de um número muito variado de obras.

Teria um tipo de abordagem estética que seria melhor?
Não privilegio. Já privilegiei. Primeiro o social, cheguei a privilegiar mesmo o político. Quando eu era um jovem crítico eu queria que meus artigos demonstrassem que era um socialista escrevendo com posição crítica frente à sociedade. Depois vi que havia poemas, por exemplo, em que não podia fazer isso. Então passei a outra fase em que passei a priorizar a autonomia da obra, os valores estéticos. Depois vi que depende da obra. Mas tenho muito interesse pelo estudo das obras que permitem uma abordagem ao mesmo tempo interna e externa. A minha fórmula é a seguinte: estou interessado em saber como o externo se transformou em interno, como aquilo que é carne de vaca vira croquete. O croquete não é vaca, mas sem a vaca o croquete não existe. Mas o croquete não tem nada a ver com a vaca, só a carne. Mas o externo se transformou em algo que é interno. Aí tenho que estudar o croquete, dizer de onde ele veio.

O que é mais importante ler na literatura brasileira?
Machado de Assis. Ele é um escritor completo.

É o que senhor mais gosta?
Não, mas acho que é o que mais se aproveita.

E de qual o senhor mais gosta?
Gosto muito do Eça de Queiroz, muitos estrangeiros. De brasileiros, gosto muito de Graciliano Ramos… Acho que já li “São Bernardo” umas 20 vezes, com mentira e tudo. Leio o Graciliano muito, sempre. Mas Machado de Assis é um autor extraordinário. Comecei a ler com 9 anos livros de adulto. E ninguém sabia quem era Machado de Assis, só o Brasil e, mesmo assim, nem todo mundo. Mas hoje ele está ficando um autor universal. Ele tinha a prova do grande escritor. Quando se escreve um livro, ele é traduzido, e uma crítica fala que a tradução estragou a obra, é porque não era uma grande obra. Machado de Assis, mesmo mal traduzido, continua grande. A prova de um bom escritor é que mesmo mal traduzido ele é grande. Se dizem: “a tradução matou a obra”, então a obra era boa, mas não era grande.

Como levar a grande literatura para quem não está habituado com a leitura?
É perfeitamente possível, sobretudo Machado de Assis. A Maria Vitória Benevides me contou de uma pesquisa que foi feita na Itália há uns 30 anos. Aqueles magnatas italianos, com uma visão já avançada do capitalismo, decidiram diminuir as horas de trabalho para que os trabalhadores pudessem ter cursos, se dedicar à cultura. Então perguntaram: cursos de que vocês querem? Pensaram que iam pedir cursos técnicos, e eles pediram curso de italiano para poder ler bem os clássicos. “A divina comédia” é um livro com 100 cantos, cada canto com dezenas de estrofes. Na Itália, não sou capaz de repetir direito, mas algo como 200 mil pessoas sabem a primeira parte inteira, 50 mil sabem a segunda, e de 3 a 4 mil pessoas sabem o livro inteiro de cor. Quer dizer, o povo tem direito à literatura e entende a literatura. O doutor Agostinho da Silva, um escritor português anarquista que ficou muito tempo no Brasil, explicava para os operários os diálogos de Platão, e eles adoravam. Tem que saber explicar, usar a linguagem normal.

O senhor acha que o brasileiro gosta de ler?
Não sei. O Brasil pra mim é um mistério. Tem editora para toda parte, tem livro para todo lado. Vi uma reportagem que dizia que a cidade de Buenos Aires tem mais livrarias que em todo o Brasil. Lê-se muito pouco no Brasil. Parece que o povo que lê mais é o finlandês, que lê 30 volumes por ano. Agora dizem que o livro vai acabar, né?

O senhor acha que vai?
Não sei. Eu não tenho nem computador… as pessoas me perguntam: qual é o seu… como chama?

E-mail?
Isso! Olha, eu parei no telefone e máquina de escrever. Não entendo dessas coisas… Estou afastado de todas as novidades há cerca de 30 anos. Não me interesso por literatura atual. Sou um velho caturra. Já doei quase toda minha biblioteca, 14 ou 15 mil volumes. O que tem aqui é livro para visita ver. Mas pretendo dar tudo. Não vendo livro, eu dou. Sempre fiz escola pública, inclusive universidade pública, então é o que posso dar para devolver um pouco. Tenho impressão que a literatura brasileira está fraca, mas isso todo velho acha. Meus antigos alunos que me visitam muito dizem que está fraca no Brasil, na Inglaterra, na França, na Rússia, nos Estados Unidos… que a literatura está por baixo hoje em dia. Mas eu não me interesso por novidades.

E o que o senhor lê hoje em dia?
Eu releio. História, um pouco de política… mesmo meus livros de socialismo eu dei tudo. Agora estou querendo reler alguns mestres socialistas, sobretudo Eduard Bernstein, aquele que os comunistas tinham ódio. Ele era marxista, mas dizia que o marxismo tem um defeito, achar que a gente pode chegar no paraíso terrestre. Então ele partiu da ideia do filósofo Immanuel Kant da finalidade sem fim. O socialismo é uma finalidade sem fim. Você tem que agir todos os dias como se fosse possível chegar no paraíso, mas você não chegará. Mas se não fizer essa luta, você cai no inferno.

O senhor é socialista?
Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo… tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia.

Por quê?
Virou capitalismo. A revolução russa serviu para formar o capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder. O socialismo hoje está infiltrado em todo lugar.

O socialismo como luta dos trabalhadores?
O socialismo como caminho para a igualdade. Não é a luta, é por causa da luta. O grau de igualdade de hoje foi obtido pelas lutas do socialismo. Portanto ele é uma doutrina triunfante. Os países que passaram pela etapa das revoluções burguesas têm o nível de vida do trabalhador que o socialismo lutou para ter, o que quer. Não vou dizer que países como França e Alemanha são socialistas, mas têm um nível de vida melhor para o trabalhador.

Para o senhor é possível o socialismo existir triunfando sobre o capitalismo?
Estou pensando mais na técnica de esponja. Se daqui a 50 anos no Brasil não houver diferença maior que dez do maior ao menor salário, se todos tiverem escola… não importa que seja com a monarquia, pode ser o regime com o nome que for, não precisa ser o socialismo! Digo que o socialismo é uma doutrina triunfante porque suas reivindicações estão sendo cada vez mais adotadas. Não tenho cabeça teórica, não sei como resolver essa questão: o socialismo foi extraordinário para pensar a distribuição econômica, mas não foi tão eficiente para efetivamente fazer a produção. O capitalismo foi mais eficiente, porque tem o lucro. Quando se suprime o lucro, a coisa fica mais complicada. É preciso conciliar a ambição econômica – que o homem civilizado tem, assim como tem ambição de sexo, de alimentação, tem ambição de possuir bens materiais – com a igualdade. Quem pode resolver melhor essa equação é o socialismo, disso não tenho a menor dúvida. Acho que o mundo marcha para o socialismo. Não o socialismo acadêmico típico, a gente não sabe o que vai ser… o que é o socialismo? É o máximo de igualdade econômica. Por exemplo, sou um professor aposentado da Universidade de São Paulo e ganho muito bem, ganho provavelmente 50, 100 vezes mais que um trabalhador rural. Isso não pode. No dia em que, no Brasil, o trabalhador de enxada ganhar apenas 10 ou 15 vezes menos que o banqueiro, está bom, é o socialismo.

O que o socialismo conseguiu no mundo de avanços?
O socialismo é o cavalo de Troia dentro do capitalismo. Se você tira os rótulos e vê as realidades, vê como o socialismo humanizou o mundo. Em Cuba eu vi o socialismo mais próximo do socialismo. Cuba é uma coisa formidável, o mais próximo da justiça social. Não a Rússia, a China, o Camboja. No comunismo tem muito fanatismo, enquanto o socialismo democrático é moderado, é humano. E não há verdade final fora da moderação, isso Aristóteles já dizia, a verdade está no meio. Quando eu era militante do PT – deixei de ser militante em 2002, quando o Lula foi eleito – era da ala do Lula, da Articulação, mas só votava nos candidatos da extrema esquerda, para cutucar o centro. É preciso ter esquerda e direita para formar a média. Estou convencido disso: o socialismo é a grande visão do homem, que não foi ainda superada, de tratar o homem realmente como ser humano. Podem dizer: a religião faz isso. Mas faz isso para o que são adeptos dela, o socialismo faz isso para todos. O socialismo funciona como esponja: hoje o capitalismo está embebido de socialismo. No tempo que meu irmão Roberto – que era católico de esquerda – começou a trabalhar, eu era moço, ele era tido como comunista, por dizer que no Brasil tinha miséria. Dizer isso era ser comunista, não estou falando em metáforas. Hoje, a Federação das Indústrias, Paulo Maluf, eles dizem que a miséria é intolerável. O socialismo está andando… não com o nome, mas aquilo que o socialismo quer, a igualdade, está andando. Não aquela igualdade que alguns socialistas e os anarquistas pregavam, igualdade absoluta é impossível. Os homens são muito diferentes, há uma certa justiça em remunerar mais aquele que serve mais à comunidade. Mas a desigualdade tem que ser mínima, não máxima. Sou muito otimista. (pausa). O Brasil é um país pobre, mas há uma certa tendência igualitária no brasileiro – apesar da escravidão – e isso é bom. Tive uma sorte muito grande, fui criado numa cidade pequena, em Minas Gerais, não tinha nem 5 mil habitantes quando eu morava lá. Numa cidade assim, todo mundo é parente. Meu bisavô era proprietário de terras, mas a terra foi sendo dividida entre os filhos… então na minha cidade o barbeiro era meu parente, o chofer de praça era meu parente, até uma prostituta, que foi uma moça deflorada expulsa de casa, era minha prima. Então me acostumei a ser igual a todo mundo. Fui criado com os antigos escravos do meu avô. Quando eu tinha 10 anos de idade, toda pessoa com mais de 40 anos tinha sido escrava. Conheci inclusive uma escrava, tia Vitória, que liderou uma rebelião contra o senhor. Não tenho senso de desigualdade social. Digo sempre, tenho temperamento conservador. Tenho temperamento conservador, atitudes liberais e ideias socialistas. Minha grande sorte foi não ter nascido em família nem importante nem rica, senão ia ser um reacionário. (risos).

A Teresina, que inspirou um livro com seu nome, o senhor conheceu depois?
Conheci em Poços de Caldas… essa era uma mulher extraordinária, uma anarquista, maior amiga da minha mãe. Tenho um livrinho sobre ela. Uma mulher formidável. Mas eu me politizei muito tarde, com 23, 24 anos de idade com o Paulo Emílio. Ele dizia: “é melhor ser fascista do que não ter ideologia”. Ele que me levou para a militância. Ele dizia com razão: cada geração tem o seu dever. O nosso dever era político.

E o dever da atual geração?
Ter saudade. Vocês pegaram um rabo de foguete danado.

No seu livro “Os parceiros do Rio Bonito” o senhor diz que é importante defender a reforma agrária não apenas por motivos econômicos, mas culturalmente. O que o senhor acha disso hoje?
Isso é uma coisa muito bonita do MST. No movimento das Ligas Camponesas não havia essa preocupação cultural, era mais econômica. Acho bonito isso que o MST faz: formar em curso superior quem trabalha na enxada. Essa preocupação cultural do MST já é um avanço extraordinário no caminho do socialismo. É preciso cultura. Não é só o livro, é conhecimento, informação, notícia… Minha tese de doutorado em ciências sociais foi sobre o camponês pobre de São Paulo – aquele que precisa arrendar terra, o parceiro. Em 1948, estava fazendo minha pesquisa num bairro rural de Bofete e tinha um informante muito bom, Nhô Samuel Antônio de Camargos. Ele dizia que tinha mais de 90 anos, mas não sabia quantos. Um dia ele me perguntou: “ô seu Antonio, o imperador vai indo bem? Não é mais aquele de barba branca, né?”. Eu disse pra ele: “não, agora é outro chamado Eurico Gaspar Dutra”. Quer dizer, ele está fora da cultura, para ele o imperador existe. Ele não sabe ler, não sabe escrever, não lê jornal. A humanização moderna depende da comunicação em grande parte. No dia em que o trabalhador tem o rádio em casa ele é outra pessoa. O problema é que os meios modernos de comunicação são muito venenosos. A televisão é uma praga. Eu adoro, hein? Moro sozinho, sozinho, sou viúvo e assisto televisão. Mas é uma praga. A coisa mais pérfida do capitalismo – por causa da necessidade cumulativa irreversível – é a sociedade de consumo. Marx não conheceu, não sei como ele veria. A televisão faz um inculcamento sublimar de dez em dez minutos, na cabeça de todos – na sua, na minha, do Sílvio Santos, do dono do Bradesco, do pobre diabo que não tem o que comer – imagens de whisky, automóvel, casa, roupa, viagem à Europa – cria necessidades. E claro que não dá condições para concretizá-las. A sociedade de consumo está criando necessidades artificiais e está levando os que não têm ao desespero, à droga, miséria… Esse desejo da coisa nova é uma coisa poderosa. O capitalismo descobriu isso graças ao Henry Ford. O Ford tirou o automóvel da granfinagem e fez carro popular, vendia a 500 dólares. Estados Unidos inteiro começou a comprar automóvel, e o Ford foi ficando milionário. De repente o carro não vendia mais. Ele ficou desesperado, chamou os economistas, que estudaram e disseram: “mas é claro que não vende, o carro não acaba”. O produto industrial não pode ser eterno. O produto artesanal é feito para durar, mas o industrial não, ele tem que ser feito para acabar, essa é coisa mais diabólica do capitalismo. E o Ford entendeu isso, passou a mudar o modelo do carro a cada ano. Em um regime que fosse mais socialista seria preciso encontrar uma maneira de não falir as empresas, mas tornar os produtos duráveis, acabar com essa loucura da renovação. Hoje um automóvel é feito para acabar, a moda é feita para mudar. Essa ideia tem como miragem o lucro infinito. Enquanto a verdadeira miragem não é a do lucro infinito, é do bem-estar infinito.

Sobre o centenário Nelson Cavaquinho



Por Felipe Carrilho
O ensaio “Rugas: sobre Nelson Cavaquinho”, de Nuno Ramos, talvez seja a melhor análise já escrita sobre a obra do sambista, que faria 100 anos em 2011 se não tivesse morrido de enfisema pulmonar em 1986. Trata-se, em linhas gerais, de uma tentativa de decompor a originalidade de sua estética musical e poética e, ao mesmo tempo, de localizá-la no tempo da história da música popular brasileira atribuindo-lhe valor e sentido.
O ex-policial que conheceu a Mangueira e os prazeres da boemia fazendo rondas noturnas a cavalo no morro – “o pior soldado da história do Polícia Militar”, como definiu a si próprio – é apresentado por Ramos como um poeta peculiar, apegado ao trágico, que acompanha as suas “melodias alpinistas” por meio de um toque de violão rústico e único.
Às considerações do artista plástico e escritor, gostaria de acrescentar, modestamente, mais algumas. Para mim, Nelson Cavaquinho é um sambista-índice do povo brasileiro, como poucos. Em sua vida e obra estão contidos os dramas cotidianos da nossa gente sob uma percepção individualizada. Sua produção artística sintetiza o Brasil de uma perspectiva subalterna. Até a sua figura, algo cabocla, algo mulata, é emblemática para pensar nessa questão.
Em Nelson Cavaquinho, encontramos o que Michel de Certeau talvez chamasse de “microrresistência”, a habilidade de transformar fatos banalizados da vida numa metrópole – nesse caso, o Rio de Janeiro – em fragmentos de uma memória popular e coletiva. Ligia seria apenas mais uma entre os inúmeros moradores de rua da praça Tiradentes, se Nelson não tivesse singularizado a sua história nos versos de “Tatuagem”, por exemplo. (o historiador Francisco Rocha já havia apontado a presença dessa característica na obra de Adoniran Barbosa.)
No entanto, Nelson Cavaquinho não fazia a chamada “música de protesto”, sua temática não abordava as “questões sociais”. Ele cantava prioritariamente a tragédia dos amores que se transformam em desilusão e a proximidade da morte diante de uma vida que já passou e cujo sentido não foi encontrado. Mas quantos amores já se desfizeram e quantas vidas se tornaram vazias por causa da precariedade material tão característica de nossas classes populares? Nelson sabia que, na música popular, dor rima melhor com amor do que com mais-valia, com o perdão do clichê.

Outras dimensões do nosso imaginário também são contempladas em sua obra. A perspectiva religiosa é central. Sua poética reinventa a sensibilidade mística do brasileiro. Quem assistiu ao brilhante documentário “Santo Forte”, de Eduardo Coutinho, perceberá isso mais facilmente. Nos depoimentos dos entrevistados, o catolicismo está sempre no plano das solenidades, lugar que lhe cabe enquanto religião quase oficial instituída. Mas nem por isso consegue eclipsar por inteiro algumas manifestações oriundas da umbanda e do candomblé, religiões que enfatizam as tradições dos povos indígenas e, principalmente, dos negros da nossa constituição social.
“Quando eu ouço as badaladas do sino daquela igrejinha / Julgo-me ainda feliz e que és toda minha”, versos de “Devia ser condenada”, música feita por Nelson em parceria com Cartola, são um exemplo entre tantos outros que apontam para uma inspiração católica na obra do sambista. Mas credos marginalizados também se fazem presentes, mesmo que de maneira indireta ou inconsciente e ainda que o autor se considerasse um “católico apostólico romano”, como a maioria dos personagens do filme de Coutinho.
“Pranto de Poeta” é emblemática nesse sentido. “Em Mangueira / Quando morre um poeta / Todos choram” são versos que anunciam um dos temas mais recorrentes em Nelson: a morte. No axexê, ritual fúnebre afro-brasileiro, canta-se e dança-se em homenagem ao morto por até seis dias seguidos, ao som de instrumentos de percussão. O silêncio sepulcral, que caracteriza o luto católico, é estranho ali. Se a pessoa cumpriu o seu odu (destino), viveu bastante e bem, não é necessário chorar a sua morte, a menos que seja “através de um pandeiro ou de um tamborim”.
Felipe Carrilho é historiador e autor do livro “Futebol, uma janela para o Brasil – As relações entre o futebol e a sociedade brasileira”
Leia outros textos de Felipe Dias Carrilho

Um autodidata destemido

Orlando Margarido - 15 de julho de 2011




O fotógrafo Fernando Duarte influenciou o Cinema Novo, à luz do possível. Foto: Eraldo Peres/Photo Agência
Seria leviano chamar de casual a experiência de estreia de um jovem que se atrelava aos momentos iniciais de uma nova cinematografia brasileira, afinal vindo como vinha da reportagem jornalística, da convivência com gente desejosa de mudar o cinema e da influência de um pai inventivo. Melhor dizer que a necessidade real moldou o estilo da fotografia do carioca Fernando -Duarte, tornando-o elemento não apenas estético, mas também de significado do Cinema Novo. É assim, em retrospecto, que o profissional de 74 anos avalia a condição em que se deu seu pioneirismo na adoção de uma luz natural em detrimento dos artificialismos preponderantes em determinada vertente da produção nacional. “Não foi nada premeditado. Era o que poderia ser feito então, o possível”, diz, arriscando a reduzir sua empreitada a um mero fato.
Fato é que houve a feliz conjunção de jovens realizadores com um veterano da fotografia de velha escola. Duarte já conhecia a turma fundadora do Cinema Novo das reuniões da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e da União Nacional dos Estudantes (UNE), quando aceitou ser assistente de alguns dos integrantes do longa-metragem de episódios Cinco Vezes Favela, em 1962. O convite partiu de um deles, Cacá Diegues, também editor à época do jornal O Metropolitano, da UNE, onde Duarte atuava em fotorreportagens. A direção de fotografia de três das histórias cabia então ao húngaro aqui radicado Özen Sermet, egresso da Atlântida. Duarte era seu assistente. A curiosa combinação de tradição com a vontade do novo mais uma vez deu samba. O filme coletivo implicava em -buscar o viável- em uma estrutura modesta. “Era tudo empírico”, lembra. “Tínhamos de nos adaptar à realidade, trabalhar com pouca luz, sempre natural, pois não havia equipamentos para dar conta de outra forma.” Mais ainda, a temática de confronto social abordada pelos novos realizadores, a exemplo de Leon Hirszman em Pedreira de São Diogo, era favorável a essa pesquisa de luz na fotografia em preto e branco.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

O retratista e o militante

(Carta Capital)



Mostra reaviva o debate sobre os primeiros anos da obra de Portinari. Por Orlando Margarido
Ninguém contesta em Candido Portinari (1903-1962) a primazia como orientador da formação de uma arte moderna no Brasil. Mas é fato que o jovem paulista nascido em Brodowski, que foi beber na arte do Renascimento e das vanguardas europeias e voltou reclamando sentir-se ali um caipira fora de lugar, o retratista prolífico da elite financeira e intelectual por questões de gosto e sobrevivência e o reconhecido pintor dos trabalhadores e humildes das grandes telas e murais há muito não alcança a unanimidade tida em vida. Melhor assim, dadas as discussões que têm contribuído para aclarar seus períodos controversos e delinear com mais equilíbrio sua figura.
A exposição que o Museu de Arte Moderna de São Paulo inaugura na sexta-feira- 15 com 90 de suas obras é a prova. Crivada no momento de formação do artista em Paris e no Rio de Janeiro, entre os anos de 1920 e 1945, a seleção esquadrinha os desdobramentos que teria sua carreira, representada nos famosos ciclos dos trabalhadores e retirantes, da arte mural e da contribuição a monumentos como a Pampulha. E testa o elogio e a cobrança feitos nos anos 1990 pelo crítico e amigo Antonio Callado, segundo o qual “o valor intrínseco da pintura de Portinari continua a arder com tanto brilho quanto antes, mas a memória do seu nome o tempo esfuma”.
Um resgate contornado pela polêmica dever vir novamente à tona pela retratística que domina os primeiros anos da trajetória do pintor, dos quais a mostra dá bons exemplos. Portinari assinou perto de 700 trabalhos do gênero e essa proficuidade em parte se explica pela necessidade de conseguir dinheiro em um Rio que lhe impôs dificuldades para se afirmar no ofício. Era, enfim, um filho de imigrantes italianos pobres, incentivado à pintura apenas pelas experiências na decoração da matriz de sua cidade que um dia se matriculou no Liceu de Artes e Ofícios da então capital. Provável também é que o primeiro contato com uma academia e seu estilo figurativo o levaram a um aprendizado com retratos, como prova a tela que assinalou em 1920 como Meu Primeiro Trabalho, tomado por um rosto feminino de perfil.

Teatro e reflexão política

Rosa Minine
Nascida dentro da Escola Municipal de Artes de Macaé/RJ, a companhia Inversos de Teatro, fruto de uma busca de inquietos jovens atores por novas formas de arte e expressão, prepara-se para estrear o espetáculo Companheiros. Lembrando a juventude combativa das décadas de 60 e 70, suas vivências e militância por igualdade social, mesmo correndo risco de prisões, torturas e morte, a trupe procura causar uma reflexão nos jovens de hoje quanto à necessidade de luta por mudanças, tratando um assunto real de forma artística.

— Começamos nossas atividades aqui na escola mesmo, em 2007, com poesias de Fernando Pessoa. A partir daí, participamos de alguns festivais, como Festival Nacional de Teatro de Rio das Ostras e Festival de Esquetes de Cabo Frio, tudo aqui na região. Passamos um período recolhidos a estudos e, no ano passado, apresentamos Companheiros como um espetáculo de formatura da escola — Conta Carla Andrea, atriz do grupo.
— Formados, muitos foram para outras cidades, seguiram outros caminhos e nós, que ficamos, abraçamos Macaé e resolvemos levar a companhia adiante porque acreditamos no teatro do interior e no potencial de reflexão das pessoas daqui. Somos jovens artistas que sentimos a necessidade de fazer arte seja onde for. Por aqui, às vezes, fica tudo muito parado, então nos propomos a movimentar. Para isso, resolvemos resgatar o Companheiros e remontá-lo, desta vez, fora da escola.


segunda-feira, 11 de julho de 2011

Luciano Perrone 100 anos (08/01/1908 – 13/02/2001)




Oscar Bolão


Um dos expoentes da percussão no Brasil, com um estilo de tocar inconfundível, Luciano Perrone é considerado por muitos o pai da bateria brasileira. Uma frase dele define bem o que deveria ser o pensamento de todo músico no Brasil: “Eu nunca me preocupei em imitar o Gene Krupa porque o que me interessava era o batuque do samba”.



Nascido no Rio, em 08 de janeiro de 1908, aos 14 anos começou a tocar profissionalmente no antigo cinema Odeon. Nessa época a bateria resumia-se a uma caixa colocada sobre uma cadeira, um prato pendurado na grade que separava os músicos da platéia e um bumbo sem pedal. Somente por volta de 1923, com a moda das jazz-bands, é que começam a chegar ao Brasil as primeiras baterias. Utilizadas a princípio na execução dos gêneros americanos como o charleston e o ragtime, aos poucos os bateristas daqui, como Valfrido Silva e o próprio Luciano, passaram a usá-la na execução dos nossos ritmos. Em 1927, grava em discos Odeon com a Orquestra Pan Americana, regida por Simon Bountman. É quando registra, pela primeira vez no Brasil, batidas de samba em caixa surda (sem esteiras) – sons considerados, até então, como impossíveis de serem gravados. Em 1929, atuando no Cassino Éden, em Lambari, MG, Perrone conhece Radamés Gnattali, de quem se tornou amigo e com quem tocaria por toda a vida. Neste mesmo ano começa a tocar no Teatro Recreio, participando da revista em dois atos “Banco do Brasil”, de Marques Porto e Luis Peixoto. Funda, em 1930, com Ary Barroso, a High Life Band formada por grandes músicos como Jonas (sax-alto), Braga (sax-tenor), Wanderley (trompete), Cavalo Marinho (trombone), Furinha (banjo), Eleazar de Carvalho (tuba) e Ary Barroso (piano). Em 1931, no Teatro Recreio, participa da revista “Brasil do amor”, de Marques Porto e Ary Barroso. Nesse espetáculo acompanha o cantor Sílvio Caldas no conhecido samba Faceira, de Ary, gravado posteriormente, em que, pela primeira vez, a bateria aparece como solista. Em 1933, realiza na Rádio Cajuti um pioneiro e memorável recital de bateria. Com Radamés Gnattali ao piano, expõe, durante quinze minutos, quase todos os ritmos brasileiros na bateria. No dia 12 de setembro de 1936, Luciano participou do programa inaugural da Rádio Nacional e passou a integrar as diversas orquestras e conjuntos da emissora. No ano de 1939, participou da histórica gravação de Aquarela do Brasil, na voz de Francisco Alves e arranjo de Radamés Gnattali. A esta altura Luciano Perrone se tornara o dono da bateria no Brasil. Uma legenda de fotografia publicada em uma revista da época diz: ”Luciano Perrone é, sem favor, o mais completo bateria do nosso broadcasting. Homem dos sete instrumentos, dispondo de uma agilidade extraordinária, as suas atuações constituem um verdadeiro espetáculo”. Luciano era mesmo um percussionista eclético, pois, se era o virtuose insuperável de todos os gêneros populares, a começar pelo samba, era também o timpanista da Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional.



Quinteto Radamés Gnattali


Em agosto de 1941, depois de uma temporada bem-sucedida na Argentina, a revista Fon-Fon publica uma foto de Luciano revelando que “o notável baterista da Rádio Nacional conseguiu invulgar sucesso em Buenos Aires, onde o cognominaram o ritmo em pessoa. É nesse mesmo ano de 1941 que o maestro Carioca (Ivan Paulo da Silva) escreve o célebre prefixo do “Repórter Esso” tendo como introdução um longo rulo de caixa executado por Perrone. Em 1949 é formado, na gravadora Continental, o Quarteto Continental, integrado por Radamés Gnattali (piano e arranjos), José Menezes (guitarra), Vidal (contrabaixo) e Luciano (bateria). Mais tarde este grupo transforma-se em quinteto com a entrada de Chiquinho do Acordeon.

No início dos anos 50 o programa “Cinemúsica”, apresentado por Paulo Santos na Rádio Ministério da Educação, e a revista de música Sintonia conferem por três vezes consecutivas o título de “Melhor Baterista” a Luciano Perrone. A 23 de junho de 1958, Perrone é homenageado no programa “Noite de Gala”, de Flávio Cavalcanti, na TV Rio, quando foi apresentado, em primeira audição, o Samba com Luciano, de Luis Bandeira, escrito especialmente para o programa. Este samba seria gravado depois em discos Continental, e nele Perrone faz breques sensacionais na bateria.



Sexteto Radamés Gnattali com Aída Gnattali e Edu da Gaita


Em 1960, com Radamés e Aída Gnattali, Edu da Gaita, Chiquinho do Acordeon, José Menezes, Vidal e Luis Bandeira, integrou a “3ª Caravana Oficial da Música Popular Brasileira” que excursionou pela Europa, apresentando-se em Portugal, França, Inglaterra e Itália. Nessa excursão, segundo Ary Vasconcellos, “o baterista brasileiro recebe as melhores referências da imprensa e da crítica do Velho Mundo, às quais a vibração das platéias diante dos nossos ritmos parece se ter comunicado”. Em 1961, quando completou 25 anos de atuação na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, transferiu-se para a Rádio Ministério da Educação e Cultura, inaugurando a Orquestra Sinfônica Nacional.



Em 1963 é lançado pela Musidisc o LP “Batucada Fantástica”, álbum que, editado na França três anos depois, foi contemplado com o “Grande Prêmio Internacional do Disco”, concedido pela Academia Charles Cros, deParis. Em 1972, ano em que comemorou 50 anos de atuação profissional, grava novo LP “Batucada Fantástica, Volume 3”. Em 1975 é convocado por Radamés Gnattali para integrar o Sexteto deste, que grava, na Odeon, um histórico LP da série “Depoimento”. Luciano continuou atuando com alguma freqüência até 1994, quando foi homenageado, em outubro, pelos seus 72 anos de atividade, resolvendo, então, aposentar as baquetas.

(Texto baseado na biografia de Luciano Perrone, ainda não publicada, escrita por Ary Vasconcelos)


Cinco perguntas para Oscar Bolão

Quando você conheceu o Perrone pessoalmente, e em que circunstâncias?
Foi em 1982, numa apresentação memorável do Quinteto Radamés Gnattali na antiga Sala Funarte. Eu andava fazendo uns trabalhos com o Chiquinho do Acordeon e pedi, após o show, que ele me apresentasse o Luciano. Eu tremi igual vara verde quando apertei a mão do homem.

Como ele influiu na sua maneira de tocar e de pensar a bateria e a percussão brasileira?
Antes de conhecer o Perrone eu já ouvia tudo o que tinha ao meu alcance em que ele estivesse tocando. Ouvia muito mesmo e depois sentava na bateria e tentava imitá-lo. Em uma homenagem que fizemos a ele no Espaço Cultural Sérgio Porto, em 1994, Luciano disse publicamente que eu tocava igualzinho a ele. Imagina a ressaca no dia seguinte! Desde que o conheci na Funarte em 1982 passei a freqüentar sua casa na Rua São Januário, em São Cristóvão, quase que semanalmente, até ele falecer. Nestas visitas conversávamos bastante sobre música brasileira e tocávamos muita bateria. Beleza, eu ali só de olho! Foi bacharelado, mestrado e doutorado. Mas ele não queria que eu o imitasse, e sim que usasse o que apreendia dele para desenvolver meu estilo. Nós falávamos muito sobre um estilo de bateria genuinamente brasileiro. Foi ele quem me alertou para o que acontece até hoje: o sujeito vem tocando samba na bateria e quando tem que fazer um solo ou uma preparação, vira jazz. É como falar português e inglês ao mesmo tempo. A partir destas observações e ensinamentos comecei a adaptar frases dos instrumentos de percussão à bateria - como, por exemplo, repique de mão, repique de anel e repique de baqueta; introduzi o pedal duplo no bumbo para tocar o samba e desenvolvi uma técnica de bumbo, com toques presos e soltos, como se tocasse um surdo comum. Nenhuma escola de música no Brasil me daria tantos subsídios nem me proporcionaria tamanho ensinamento. O meu diploma é a bateria que ele me deu de presente.

Nos instrumentistas de hoje, onde se percebe o legado do Perrone?
Nem cabe modéstia, é uma constatação: só em mim e nos meus alunos. Tadeuzinho, da Escola Portátil de Música, está no caminho. O Lucas do “Quatro a Zero”, de Campinas, estudou comigo também e pegou o jeito. André Boxexa do “Água de Moringa” não estudou comigo, mas sabe do que estou falando. Nós chegamos a ir à casa do Perrone juntos. Os caras se enganam, vivem imitando músico americano e não percebem que ninguém é universal fora do seu quintal. Tem baterista que menospreza essa forma de tocar, mas é porque não sabe fazer o negócio e passa a vida tocando Bossa Nova. Samba, choro, maxixe, dobrado e etc. não é pra qualquer um, não! Graças a Deus!

Quais foram, em sua opinião, as influências que o Perrone sofreu?
Vou responder começando com uma frase dele: “eu nunca me preocupei em imitar o Gene Krupa (baterista americano contemporâneo de Perrone) porque o que me interessava era o batuque do samba”. Alô, bateria! O Perrone tinha uma admiração profunda pelos percussionistas que trabalhavam com ele no rádio. João da Baiana, Heitor dos Prazeres, Bide e tantos mais. Estas pessoas é que influenciaram enormemente o Luciano.

Há relação entre a técnica que ele criou e os percussionistas com quem ele convivia na época?
Provavelmente, mas a grande virtude do Perrone era tocar com a música. Ele não fazia ritmo de base simplesmente. Ele interferia na melodia. Ora tocava a caixa com esteiras, ora sem elas, tocava no pratinho, no surdo, na caixeta, enfim, ele era muito doido. Era um espetáculo.

Paraty vai ganhar sua biblioteca-parque

Flip também é cenário para campanha em prol da candidatura do município a Patrimônio da Humanidade
Matérias 07.07.2011 deixe aqui seu comentário

A secretária Adriana Rattes, a segunda à esquerda, fala ao microfone durante assinatura do Protocolo de Intenções para a biblioteca-parque

Cenário-símbolo da paixão pela leitura no país, Paraty está prestes a ganhar uma biblioteca-parque. Na tarde desta quinta (7 de julho), durante a Flip, autoridades assinaram um Protocolo de Intenções com o objetivo de criar um espaço de livre acesso - aos moldes dos que já existem em Manguinhos e em Niterói - no bairro da Mangueira, no balneário fluminense.

Na cerimônia, na Casa da Cultura, a Secretária de Estado de Cultura, Adriana Rattes, assinou o documento - que será enviado ao Ministério da Cultura - com o prefeito de Paraty, Zezé Porto. "Paraty é o lugar ideal para uma biblioteca-parque na Costa Verde. Vamos instalar aqui uma biblioteca que seja cabeça de rede. Ou seja: que ajude na recuperação do tecido social de toda a região", anunciou Adriana. "O projeto das bibliotecas-parque parte da premissa de que biblioteca não é só um lugar de estudo. Biblioteca é um lugar para formar cidadãos".

Além do anúncio da biblioteca-parque, Paraty está no foco de uma grande campanha. Pela terceira vez, o município vai se candidatar a Patrimônio Mundial da Cultura e da Natureza, da Unesco. Por isso, uma equipe de vinte pessoas vai circular pela cidade, com os chamados livros de ouro: cadernos que registram um abaixo-assinado, para mobilizar a sociedade na busca pelo reconhecimento da importância histórica do município.

"Todo mundo se surpreende quando chega aqui e sabe que Paraty ainda não é um Patrimônio da Humanidade", diz Adriana, uma das líderes da campanha. "A ideia é chamar a atenção da sociedade toda. Não queremos que apenas autortidades se sintam engajadas nessa campanha, e sim cidadãos, formadores de opinião, intelectuais".

Um site também foi lançado, para ajudar na mobilização da campanha.

Paraty para sempre

Com o slogan "Paraty. Para todos, para o mundo, para sempre", a campanha vai anexar o abaixo-assinado ao dossiê que marca a pré-candidatura do município a Patrimônio da Humanidade pela Unesco, em setembro. No final do ano, será enviado o dossiê completo.

Na assinatura do Protocolo de Intenções para a biblioteca-parque, Mauro Munhoz, diretor-geral da Flip, falou de como o festival tem se articulado com ações de incentivo à leitura em todos esses anos. "O anúncio da biblioteca-parque é a realização de um sonho de anos, que promove o difícil encontro entre um evento como a festa literária e o cotidiano das pessoas que aqui vivem".

A nova biblioteca terá entre 3 e 4 mil metros quadrados, e estará instalada numa região que sofreu com o crescimento desenfreado nos anos 80. A ideia é que tenha auditório, cinema e teatro, além de acervo digital.

"Paraty tem uma trajetória de políticas públicas voltadas à leitura, consolidada não só pela Flip, mas também por outros projetos, pelo trabalho de ONGs e OCIPs. Por isso é um município muito qualificado para receber uma biblioteca-parque, e nutrir toda a rede de leitura da região", apontou Vera Saboya, superintendente de Leitura e Conhecimento da Secretaria de Estado de Cultura.

Presidente da Fundação Biblioteca Nacional, o jornalista Galeno Amorim também destacou a iniciativa: "As bibliotecas-parque são importantes em qualquer cidade, por terem a capacidade de mostrar como bibliotecas são lugares prazerosos. Mas Paraty foi uma ótima escolha, pelo relevante papel que tem assumido como vitrine de projetos de incentivo à leitura".

A ARTE DE ILUSTRAR DE RUI DE OLIVEIRA

DO SITE: www.ruideoliveira.com.br

COMO VEJO A ARTE DE ILUSTRAR E AS INTENÇÕES DE MEU TRABALHO


Gosto de ilustrar livros com conteúdos e propostas literárias bem diferentes uma da outra. Acredito que este seja o aspecto mais fascinante do ato de ilustrar, e sem dúvida o maior desafio para o ilustrador. Em meu trabalho, sempre almejo que a interpretação que tenho do texto não seja a única. Procuro, sempre que possível, criar portas – verdadeiras passagens secretas para que as pessoas tenham as suas próprias e particulares visões. Preocupa-me, portanto, não condicionar em demasia o leitor. Penso que o ato de criação de imagens se origina não diretamente na palavra, mas no entre-palavras. Daí vem minha preocupação em criar para cada texto uma imagem adequada, que muitas vezes está de acordo, ou não, com meus gostos pessoais, ou com a minha visão de arte. Por isto, não tenho nenhuma intenção em ser reconhecido de um livro para outro. Eu substituiria em meu trabalho a palavra estilo por método de abordagem. O texto é a origem de tudo. É impossível ilustrar sem gostar de literatura. É impossível ilustrar sem gostar de ler.

Assim como o trabalho de um ator que interpreta vários papéis – e para tanto é necessário conceituar um laboratório para modelar dramaticamente seu personagem -, vejo o ato de ilustrar como um processo de criação muito semelhante.

Aprofundando mais este conceito, que sedimenta e direciona o modo como vejo a ilustração, eu diria que – adotando conceitualmente no mecanismo da relação texto e imagem a ótica teatral, o método do teórico russo Konstantin Stanislavski, por exemplo, – tal prática não seria conveniente para o ilustrador. Isto se deve ao princípio de incorporação incondicional e realista, proposto pelo teórico, do ator ao papel. Refletindo agora como ilustrador, esta incorporação, acima citada, sem dúvida poderia ocasionar uma fidelidade ao texto, quase uma imagem espelhar, mas isto seria irreal com relação à arte de ilustrar. Defendo, portanto, como necessário ao ilustrador um certo distanciamento crítico perante o texto.

Vejo o estilo como um mecanicismo unilateral, uma pré-adoção irrestrita do texto. Neste caso, o ilustrador já chega com o seu laboratório pessoal pronto a ser usado, independente de qual seja o gênero ou intenção literária que ele esteja interpretando. Na verdade, ele aprendeu ao longo dos tempos a desenhar o seu próprio desenho. Em outras palavras: ele não apreende o texto para depois aprender o desenho adequado àquele texto.

Venho ilustrando, em 30 anos de carreira, um universo diversificado de textos, que vão desde Christopher Marlowe (Fausto), Victor Hugo (Pecopin), Michael Ende (Momo) a autores nacionais, como – nomeando apenas alguns – Ana Maria Machado, Rogério Andrade Barbosa, Luciana Savaget, e um dos maiores escritores brasileiros de literatura para crianças, que foi Walmir Ayala. Diante destes autores, como poderia ter um conceito e imagem unificados no ato de ilustrar escritores tão diferentes, tão contraditórios entre si?

Acho este distanciamento fundamental. Eu diria que, ao ilustrar um livro, eu estou na ilustração, mas eu não sou a ilustração.

Diante de um texto, o ilustrador não é o antes – a forma advém da literatura, um segredo a ser decifrado por imagens. Vejo a ilustração como um gênero de literatura, sentenças construídas através de um alfabeto de signos e símbolos. Com este critério, o ilustrador desenvolve e interpreta o que é ilustrável. E o que é ilustrável nem sempre é o literariamente relevante para o escritor. Complementando este comportamento que orienta o meu trabalho, e, retornando à análise do teatro pela natural aproximação com a literatura, procurei ao longo dos anos estudar esta relação, ou seja, o teatro e a ilustração, apesar de meu interesse pelo cinema, devido ao fato de praticar há muitos anos o cinema de animação em paralelo ao meu trabalho de ilustrador. As convenções e sintaxes do teatro e a relação do ator com o texto levaram a me aproximar mais do teatro do que do cinema, com o intuito de entender o ofício de ilustrar. Logicamente que no cinema de animação a referência básica de meu trabalho é, como não podia deixar de ser, o cinema de seqüência viva.

Passei então a estudar o teatro oriental, principalmente o japonês. Estou me referindo ao teatro Kabuki e ao teatro No, que tanto influenciaram o cineasta russo Sergei Eisenstein e o grande teatrólogo alemão Bertold Bretch. Ao ver e ler a obra destes dois autores, consegui, assim espero, fazer uma ilação com o ato de ilustrar que sempre me preocupava. Seguindo a trilha de Stanislavski, entendo que o ilustrador não deva ser tomado, possuído por assim dizer, pelo texto, quase como um processo de imersão e catarse. Não assimilo o significado de distanciamento como frieza e alheamento, assim como não vejo a ilustração como tempestade de paixões à maneira do Romantismo, e, muito menos, uma linguagem autista.

Acredito que a elaboração distanciada e crítica do texto tornaria mais real e fiel a literatura, o meu trabalho de ilustrador. Para tanto, seria incoerente o estilo, algo preexistente e previsível. Uma imagem prêt-à-porter. A veracidade não estaria na constância das soluções, e sim na própria contradição das soluções encontradas para cada texto. Sendo cada escritor um estilo diferenciado, o ideal será – e esta tem sido a minha constante procura – nada existir antes em termos de imagem, e muito menos depois. Em outras palavras, o ideal seria que a solução visual ao criarmos um livro não fosse repetível.

Curiosamente, este processo de trabalho – apesar de se relacionar com uma linguagem essencialmente figurativa como é a ilustração – poderia no entanto ser definido como o aqui e agora, que é uma premissa básica da arte abstrata.

Um bom exemplo a ser citado nesta direção, ou seja, da diferença entre abordagem e estilo, é o livro Tapete Mágico, que ilustrei, de nossa grande escritora Ana Maria Machado. Os quatro contos narrados pela autora possuem temas e assuntos diferentes. O que determinou, neste caso, as quatro soluções gráficas encontradas para o livro não foi o estilo de escrever da autora, e sim o assunto e o tema.

Mas este comportamento que adotei depende do livro, depende até da palavra física do escritor. Por exemplo, em outros livros procurei concentrar a pesquisa formal diretamente no modo e na forma plástica como o escritor escreve. Eu chamaria este processo de lítero-visual. Cito como referência o livro Língua de Trapos, de Adriana Lisboa, que recentemente ilustrei. A maneira delicada, redonda e sinuosa como escreve esta jovem e talentosa poeta inspirou-me a procurar soluções em forma de volutas. Em alguns casos, procuro me afastar do assunto ou do tema do livro, e isto foi o que ocorreu ao ilustrar a citada obra, tanto assim que nas páginas 18 e 19 percebi, ao analisar o texto, que a poeta utilizava 29 vezes a letra O. Tal fato me orientou, ao criar a ilustração, a um outro tipo de fidelidade plástica ao texto. Usei formas circulares que seriam, em termos gráficos, um sucedâneo do som obtido pela poética dos O utilizados pela escritora.

Estas relações palavra-som e imagem-texto são um exemplo que nos remonta ao livro Songs of Innocence, de William Blake, de assumida influência em meu trabalho. Nas ilustrações de Língua de Trapos seria impossível alcançar estas deduções e descobertas, extraídas da relação texto e imagem, já de posse de um estilo prévio.

Um outro exemplo desta relação em que um estilo previamente solucionado, no meu entendimento, seria impossível interpretar, é o caso do livro que ilustrei em 1983, chamado Viva Jacaré. Sua autora é Cora Rónai, que possui um estilo lírico no início do livro, mordaz e trágico no fim. Neste trabalho, há dois aspectos que pretendo destacar como abordagem de texto. Primeiro, é o fato de o livro mudar de solução plástica (não quero usar a palavra estilo) à medida em que as palavras se tornam graves no texto. Ainda neste sentido de abordagem, nas páginas 12 e 13, separei as palavras, até mesmo as silabas, e as ilustrei. A intenção era interpretar visualmente a beleza sonora do idioma português no exato momento em que a escritora narra a felicidade do despertar do jacaré, em seu habitat natural.

Acredito, e isto tem sido o fundamento de meu trabalho, que a fidelidade ao texto não está no culto ou no estilo deificado do ilustrador, e sim na impessoalidade sincera e profissional da procura da verdade de cada palavra, de cada frase, de cada sílaba, de cada letra do escritor.

O que pretendo, diante de um texto para ilustrar, não é ser mais que o escritor, é apenas não ser uma extensão dele em forma de imagens. Por outro lado tenho consciência de que nem tudo que a literatura nos diz possui um corpo físico. Ou seja, nem tudo pode ser ilustrado. Existem momentos em que a abstração do texto chega em tal estado – não estágio – que qualquer imagem seria vulgarizá-lo. Em contrapartida, é comum a expressão textual ficar aquém da transcendência de certas imagens – qualquer palavra seria supérflua para explicá-la. Em um texto, nem tudo se representa e nem todas as imagens se explicam por palavras.

Rui de Oliveira.









VIOLA DE COCHO

Viola de cocho do cancioneiro popular




Rosa Minine
Nascido em Tangará da Serra e residente em Cuiabá desde menino, Daniel de Paula é considerado um músico singular na divulgação da viola de cocho pantaneira. Baseado em valores culturais da região, promove o instrumento no campo das pesquisas e composições, difundindo a música e o sentimento do cancioneiro regional, e acaba de lançar seu primeiro disco solo, com músicas de sua autoria tocadas no mais genuíno instrumento musical mato-grossense.
A viola de cocho é esculpida e o tronco é escavado por dentro
— Comecei a me interessar por música aos onze anos de idade, ouvindo meu pai e meu tio tocarem violão. Mais tarde, cursei educação artística com habilidade em música, na universidade federal daqui e dentro do curso passei a gostar da viola de cocho. No término, fiz uma especialização na área de antropologia cultural, usando o instrumento como objeto de pesquisa. A partir desse estudo, ela passou da pesquisa para o meu campo de trabalho mesmo, profissional — conta Daniel.
— Minhas composições começaram a nascer ao mesmo tempo que descobria os acordes da viola. E fui me apresentando por aqui e fora do estado, participando de alguns festivais de nível nacional e fazendo amizade com grandes violeiros, personalidades.
— Esses grandes eventos atraem muitos músicos para o mundo da viola de cocho. Atualmente, tem muita gente estudando, pesquisando e querendo tocar esse instrumento legitimamente brasileiro. Ela, inclusive, foi tombada como "patrimônio artístico nacional" — continua.
Daniel diz que a viola de cocho é um instrumento pleno e predominantemente artesanal.
— Tem um toque de rústico, feita a mão, com utensílios totalmente manuais. Não tem acabamento de verniz e é única, na verdade, esculpida. O tronco, que vem a dar o formato da viola, é escavado por dentro. O nome é pelo fato de se assemelhar a um cocho de animal — explica.
— Um tempo atrás, as cordas eram confeccionadas a partir das vísceras de alguns animais, como tripas de macaco e do porco do mato. Com a lei de proteção ambiental, essas práticas deixaram de ser utilizadas, passando a utilizar a linha de pesca, do anzol. Como cola, na confecção da viola, o pantaneiro derretia a poca, como é chamada na linguagem daqui a bolsa pulmonar do peixe. Atualmente, já se usa cola industrializada — continua.
— Tive contato com algumas dessas violas rudimentares, o que é muito interessante do ponto de vista da pesquisa. Mas faço as minhas com características um tanto diferenciadas. Tenho quatro ao todo e, em algumas, coloco corda de violão e outras mantenho corda de pescar, dependendo da afinação que quero — acrescenta.

Potencializando a viola de cocho
— Gosto de interagir com vários estilos, que é pegar a viola de cocho e dar uma roupagem diferente, uma incrementada, uma leitura diferenciada do que é feito no cururu e no siriri, manifestações do folclore daqui, onde ela é bem presente. Ela sempre acompanhou essa vivência do homem na beira do rio, o pantaneiro, e isso é muito bom, mas quero mostrar outras vivências, apresentando assim a sua dinâmica, a versatilidade que a viola de cocho pode oferecer — comenta Daniel.
— O Mato Grosso foi dividido em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, ambos com ricas manifestações populares. Mas a região onde mais se encontra a viola de cocho é a do baixo pantanal, que chamamos de Baixada Cuiabana. São os municípios que fazem margem com os rios Paraguai e Cuiabá. Geograficamente falando, do pantanal para cima, passando por Cuiabá, Várzea Grande, subindo até a Chapada dos Guimarães, onde nasce o rio Cuiabá, aparece muito forte essa vivência do homem com a viola de cocho — relata.
Este ano Daniel se apresentou na oitava edição do Festival América do Sul, que tem por objetivo priorizar as manifestações dos povos do continente.
— Minha região faz fronteira com Bolívia, Paraguai, e isso tudo aparece de alguma forma no meu trabalho. Particularmente, gosto muito da harpa paraguaia e utilizo uma técnica bem próxima da desse instrumento. Minha interpretação em cima da viola de cocho, da música que componho, sofre uma influência de fronteira e de tudo que tem por aqui. O regionalismo acaba aparecendo em qualquer música que faço porque faz parte da minha vida — expõe.
Daniel lançou seu primeiro disco, Lufada em viola de cocho, no último 20 de maio, um reflexo de anos de pesquisa e trabalho.
— Lufada é um termo peculiar daqui, utilizado normalmente no baixo pantanal quando os peixes estão saindo das baías. Tem a lufada do lambari, do pial, do pacu. Significa o apogeu, a explosão de alguma coisa. É uma forma até de brincar e valorizar também o dito popular, o falar do homem pantaneiro — diz.
— O conteúdo é um registro musical mato-grossense, uma coletânea de algumas das músicas mais representativas do meu trabalho. São canções que já participaram de festivais, tendo a preocupação de mostrar um variante que se estende entre o rasqueado, a polca paraguaia, chamamé, valseado, choro, cateretê, guarânias e outras coisas do cancioneiro pantaneiro. Enfim, uma grande possibilidade de execução musical na viola de cocho — acrescenta.
— Como particularidade tem a inclusão da viola de cocho junto a outros instrumentos como a viola caipira, o baixo acústico e o violão. Levi Ramiro faz violão, baixo e, em uma faixa, cruzamos as duas violas, fazendo uma espécie de conversa entre a viola de cocho com a viola caipira, o que chamamos de 'papo de viola' — finaliza.
No momento, Daniel de Paula está fazendo shows do disco pela região, e pretende levá-lo para outras partes do país. Para contatá-lo: (65) 9972-7948/8128-4844 ou danielvioladecocho@gmail.com

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Escritos e Reflexões sobre Arte (Matisse) -

Escritos e Reflexões sobre Arte (Matisse)
Grande reunião de textos sobre o pensamento de Matisse sobre a arte. Todo aluno de arte deveria tê-lo como livro de cabeceira.
Escritos e Reflexões Sobre Arte

Na íntegra no Blog de Renato Alvim.