Sede da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro
Em palestra na ABL, o gramático Evanildo Bechara defende o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. O evento foi tratado pela Academia como uma “prestação de contas à sociedade”.
Por Thiago Camelo
Centenas de pessoas – entre jovens e idosos – estiveram, em 18 de setembro, no auditório da Academia Brasileira de Letras (ABL) para assistir ao gramático e filólogo Evanildo Bechara falar da importância da consolidação do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. O evento fechou a série de quatro palestras realizadas na ABL que envolveram questões de normatização do português e tangenciaram assuntos do ramo da linguística.
Importante dizer: apesar de respeitado entre seus pares, Evanildo Bechara – formador de milhões de estudantes do ensino fundamental, médio e universitário com suas diversas gramáticas – não passa incólume pelo crivo de um sem-número de linguistas, que, entre outras críticas, não toleram a sua fidelidade a certos princípios normativos do português.
Naquele evento, no entanto, nenhum porém. Pelo contrário, o script contou com aplausos de pé, estudantes abraçados às suas edições da Moderna Gramática Portuguesa e interjeições como “ele é fofo”, “ele é demais”, “perfeito!”.
Bechara realmente carrega doçura e humor na fala, além de transmitir fé contagiante quando defende aquilo em que acredita. E o gramático acredita com entusiasmo no novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, firmado em 1990, cujo objetivo é unificar a ortografia dos países que têm o português como língua oficial.
“O português é a língua dos países do futuro, é preciso consolidar a sua escrita”, disse Bechara, logo após ser anunciado com júbilo pelo também membro da ABL Domício Proença Filho, que o apresentou como “mestre Bechara ou, para muitos, o ‘senhor Volp’”.
Explica-se: a 5ª edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, o Volp, lançado em 2009, incorpora as mudanças determinadas pelo acordo de 1990. Bechara, um dos bastiões da lexicografia e lexicologia da ABL, participou da elaboração da obra e tomou para si o legado de Antônio Houaiss (1915-1999) – aquele que, segundo Bechara, deu início à negociação do acordo. “Uma decisão mais política que linguística”, explicou.
Sobre a acentuação
O gramático discorda das críticas de diversos núcleos – de jornalistas a estudiosos – de Portugal ao acordo. Alguns deles, inclusive, acusam o Brasil de tomar atitude neocolonialista. Em outras palavras: dizem que o país se aproveita da crise econômica portuguesa e do promissor momento brasileiro para impor a nossa forma de escrever. “Não estou de acordo com essa visão”, afirmou Bechara. “O Brasil cedeu no acordo, se curvou a hábitos já estabelecidos em Portugal”.
Como exemplo da anuência a hábitos lusos, citou a retirada dos acentos nos ditongos abertos tônicos em paroxítonas. Foram-se as “idéias”, as “tramoias”, as “assembleias”. Para Bechara, essa exclusão faz muito mais sentido no universo dos portugueses, “que não pronunciam essas sílabas de modo fechado”.
O gramático também foi firme ao defender o fim do acento diferencial do verbo ‘pára’: “Acento diferencial em português é sempre circunflexo; tivemos de corrigir isso”.
De acordo com o gramático, o emprego de um acento agudo fazendo as vezes de marcador diferencial não era ideal. Abriria precedentes estranhos, como acentuar o substantivo “sede” – de “a sede da ABL é no Centro” – para distingui-lo do outro substantivo homônimo que denota necessidade de beber um líquido.
Trema e simplicidade
O trema também integrou a pauta do gramático. “Ninguém vai deixar de pronunciar o ‘u’ de ‘linguiça’ só porque não há mais trema”, disse. ”Além disso, os portugueses já não usam trema há muitos anos”, completou Bechara, que usou a extinção do sinal para confirmar que o Brasil de fato cedeu a várias normas já estabelecidas em Portugal. “Nos curvamos às vontades deles, mas nos curvamos com felicidade – temos agora uma ortografia mais científica.”
“Nos curvamos às vontades deles, mas nos curvamos com felicidade – temos agora uma ortografia mais científica”
Bechara acredita que essa cientificidade tem a ver com simplicidade. As novas regras para o hífen, por exemplo, confirmam, a seu ver, a busca pela escrita mais natural.
O gramático ainda tocou em outro assunto polêmico do acordo: a não hifenização do prefixo “co”. Segundo Bechara, essa normatização denota o caráter reconciliatório – e não reformativo – do acordo. “Essa era uma questão mais antiga, discordância de acordos passados que acertamos agora nesse novo documento.”
Cumprir o novo acordo
Para Bechara, é um dever social dos escritores e “das pessoas de cultura” escrever segundo o novo acordo. “É importante ensinar aqueles que não sabem”, disse. Segundo o gramático, embora todos tenham o direito de falar, nem todos têm “a propriedade de acertar”.
“Vamos usar o acordo, vamos praticá-lo; o tempo vai mostrar o que está certo ou errado e a necessidade ou não de um novo documento”, defendeu o gramático.
Em tempo: o novo acordo, por decreto oficial, passa a valer no Brasil a partir de 2013, quando não mais serão aceitos textos com o emprego da normatização antiga – desde 2009, estamos em fase de adaptação. Em Portugal, onde a polêmica ferve, o tempo de adaptação é maior – vai até 2015.
Fonte: Ciência Hoje On-line